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Centro Antigo tem 500 casarões com situação estrutural de risco

Publicado quarta-feira, 26 de abril de 2017 às 07:53 h | Atualizado em 21/01/2021, 00:00 | Autor: Anderson Sotero
As fachadas dos dois imóveis acidentados, no fim da noite da última segunda
As fachadas dos dois imóveis acidentados, no fim da noite da última segunda -

O caso do desabamento do casarão de nº 146 na ladeira da Soledade, que resultou na morte de três moradores que estavam em uma residência ao lado, traz à tona a situação de muitos imóveis da região do Centro Antigo que apresentam riscos de desmoronamento.

O diretor geral da Defesa Civil do município (Codesal), Gustavo Ferraz, disse ao A TARDE que, desde o início do ano, cerca de 250 casarões localizados naquela região de Salvador já foram georreferenciados pelo município e apresentam diferentes graus de risco: de baixo a muito alto.

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Do total, 120 considerados de alto risco já foram notificados, segundo Ferraz. Os 130 restantes são de baixo e médio riscos, e ainda não tiveram os proprietários alertados. A previsão é que, após o período da Operação Chuva, o mapeamento destes imóveis seja finalizado.

A estimativa é que há cerca de 500 casarões na região com riscos.

O imóvel do acidente desta segunda-feira, 24, era tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) e, segundo Ferraz, o órgão estadual havia sido notificado desde 2011.

120

Seis anos depois, não houve nenhuma resposta do Ipac e nem do proprietário, identificado como José Ivo da Costa Santos.

"Vamos entrar com um processo contra o assassino. Ele é conhecido como Ivo Gato. Tenho várias queixas na Defesa Civil por vários anos. A Codesal é outro órgão que deixou morrer gente para vir fazer algo. O Ipac até agora nem apareceu. Todo mundo sabia que era uma tragédia anunciada", afirmou a promotora de vendas Simone Carrero, 42.

Ela e o filho de 12 anos conseguiram sobreviver ao acidente. Foram levados para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas liberados no mesmo dia. Simone perdeu o pai, José Prostero Deminco, 73, e os irmãos Paulo Carreiro Deminco, 43, e Ana Carreiro Deminco, 37. O enterro deles foi realizado nesta terça, 25, no cemitério do Campo Santo.

Providências

No documento encaminhado há seis anos pelo município para o órgão estadual, é feito um alerta sobre os riscos apresentados pelo imóvel que desabou e pede-se que providências sejam tomadas. No entanto, a Codesal não mandou novas notificações.

"Não precisa ficar notificando sempre. Vai fazer todo ano a mesma coisa? A notificação é simplesmente o alerta da Defesa Civil, pede que o proprietário realize obras para que o imóvel saia do risco", disse o gestor.

Gustavo Ferraz afirmou, ainda, que "não cabe à Defesa Civil realizar a intervenção. É tombado. Não tinha como obrigar o Ipac e nem o proprietário, porque a legislação não permite. Do ponto de vista da hierarquia, o Ipac está acima da prefeitura".

Vamos entrar com processo contra o assassino [dono do casarão]

Ele contou que parte do telhado e o muro desabaram sobre a casa ao lado, onde havia cinco pessoas. A operação para retirada dos corpos terminou às 4h30 desta terça. "O proprietário mora na mesma rua e fugiu. O casarão estava vazio. Não funcionava nada nele. Ele fez madeiramento no telhado, colocou telha de eternit por cima e escorou as paredes laterais. Pode ter havido sobrecarga", afirmou Ferraz.

Ipac

Por meio de nota, o Ipac, órgão vinculado à Secretaria de Cultura do Estado, informou que encaminhou nesta terça uma notificação extrajudicial para a prefeitura, pedindo "todas as informações e documentos relativos ao imóvel de nº 146".

O Ipac destacou, também, que não recebeu ofício do município requerendo anuência do órgão estadual para a concessão de alvarás para a realização de obra no casarão, e apontou a intervenção feita como "ilegal e causadora do acidente".

"Os imóveis da ladeira da Soledade são propriedade privada, não sendo um prédio público nem tombado pelo Estado individualmente, mas se encontra em área de proteção do Estado como conjunto arquitetônico. Contudo, o tombamento não significa a desapropriação ou responsabilização integral do imóvel ou da área tombada, mas, sim, uma tutela", ressaltou na nota o instituto.

O Ipac informou, ainda, que "se solidariza com as famílias das vítimas", mas que só pode agir legalmente caso ocorra a solicitação formal do proprietário do imóvel, "que deve comprovar não ter condições financeiras para arcar com as despesas de conservação do imóvel para que o governo estadual possa agir, ou por solicitação expressa, oficial e comprovada da prefeitura".

Imagem ilustrativa da imagem Centro Antigo tem 500 casarões com situação estrutural de risco

Parede do sobrado caiu sobre o imóvel ao lado (Foto: Xando Pereira | Ag. A TARDE)

Proprietário

A TARDE procurou o proprietário na casa onde vizinhos afirmaram que ele mora, mas não havia ninguém no local.

Segundo avaliação da Codesal, o imóvel ainda tem risco de desabamento e, para ser demolido, ainda depende de aprovação do governo do estado.

População deve denunciar para que o MP possa investigar

Em 2011, na mesma rua, outro casarão havia desabado, matando uma pessoa. "Quem vai responder é o proprietário e, como subsidiário, o Ipac. O maior peso é de quem tem a propriedade", acrescentou o diretor geral da Codesal.

De acordo com moradores do local, outros imóveis próximos também estão deteriorados. "Tem uma casa que os pedaços estão caindo na travessa da Soledade. Está assim há mais de um ano", reclamou o estudante Hércules de Marchi, 27.

Promotor diz que órgãos podem ser responsabilizados

O coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac) do Ministério Público do Estado (MP-BA), o promotor de justiça Edvaldo Vivas, afirmou que os governos federal e estadual costumam “jogar a responsabilidade” para os proprietários.

“De acordo com o decreto do tombamento, a responsabilidade é do proprietário. Mas há uma exceção quando ele não tem comprovadamente condições para fazer o restauro. Aí a responsabilidade é subsidiária que é do órgão que tombou”, explicou o promotor.

Para Vivas, é necessário apurar se houve de fato notificação da Codesal e se o Ipac fez alguma obra de escoramento. “O restauro é muito caro. O que a gente pode conseguir na justiça é que seja feito o escoramento. Mas é interessante que a população sempre denuncie para que o Ministério Público possa abrir uma investigação”, acrescentou.

O promotor contou que o Nudephac planeja, para o 2º semestre deste ano, realizar uma fiscalização preventiva, integrado a outros órgãos, da situação atual dos casarões do Centro Antigo. No entanto, ainda não saiu do papel o projeto. Ele está fechando parcerias com outros entes para que a ação possa ser realizada. 

O caso está sendo investigado pela 2ª Delegacia Territorial (Lapinha). O titular da unidade, o delegado Luís Henrique Ferreira, disse que vai oficiar órgãos públicos e ouvir envolvidos para apurar as três mortes ocorridas. 

Ele confirmou que o proprietário do casarão não foi localizado. Apesar da prefeitura ter divulgado que ele estaria foragido, o delegado afirmou que ainda não há mandado de prisão contra o proprietário. Portanto, ele não pode ser considerado foragido.

“Cedo” 

“Está muito cedo para afirmar se houve responsabilidade. Vamos apurar se houve negligência, se houve imperícia ou dolo de alguém. Vamos verificar se há culpados”, destacou. O delegado disse, também, que aguardará o resultado dos laudos do Departamento de Polícia Técnica. 

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