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Fitinhas são do século XVIII

Publicado sábado, 22 de março de 2008 às 20:33 h | Atualizado em 22/03/2008, 20:43 | Autor: Biaggio Talento, da Agência A Tarde

>> Suvenir atual surgiu há 40 anos

A história das "medidas do Senhor do Bonfim" ancestrais das fitinhas, o suvenir mais famoso do Brasil, foi reescrita com a recente divulgação de um novo documento sobre a origem das peças. O tesoureiro da Irmandade de Nosso Senhor do Bonfim, Luiz Geraldo Urpia Freire de Carvalho, encontrou um "termo de compromisso" da confraria, datado de 1792, onde as medidas são citadas como já existentes desde, pelo menos, essa época. Na versão anterior, pensava-se que um antigo tesoureiro da irmandade, o português Manoel Antônio da Silva Serva, fundador do primeiro jornal da Bahia e segundo do País (Idade do Ouro do Brazil, em 1811), havia inventado as medidas em 1809. Em 1792, Serva não havia ainda se mudado de Portugal para Salvador. 

As fitas eram chamadas de medidas porque tinham o tamanho do braço direito – cerca de 47 centímetros – da imagem de pinho de riga do Senhor do Bonfim, entronizada no altar-mor da igreja em Salvador. A escultura foi encomendada em Setúbal, Portugal, no século XVIII pelo comandante da nau da Índia, Theodózio Rodrigues de Faria, fundador da devoção na Bahia em 1745. Mal sabia ele – que se instalou em Salvador e onde entre outras atividades, explorou o tráfico de escravos – estar plantando a semente da devoção do santo que se tornaria o mais popular dos baianos.

As antigas medidas eram feitas artesanalmente, com tecidos de boa qualidade como a seda. Possuíam o símbolo do santo desenhado, tinham as frases bordadas e o acabamento feito com tintas prateadas ou douradas. Os antigos alfarrábios da Irmandade do Bonfim indicam que as medidas eram tão importantes que mereciam capítulo à parte nos livros de registro da confraria. Em 1809, por exemplo, o rol de despesas da irmandade mostra gastos de 154 mil e 480 réis com a compra de material e trabalho de confecção das medidas. Naquela época, um bom escravo custava na Bahia em torno de 150 mil réis.

Um dos mais requisitados para pintar as medidas foi José Francisco das Virgens. Seu nome aparece em vários relatórios anuais da confraria nas primeiras décadas do século XIX. Produtos religiosos como as medidas eram disputadíssimos pelos devotos que faziam romaria à Igreja do Bonfim. Permitiam aos fiéis a possibilidade de levar para casa "um pedaço físico" da devoção. Se prestavam como amuletos de proteção e muitos devotos usavam as fitas no pescoço para pendurar medalhinhas.

Foi justamente no livro de despesas de 1809, o mais antigo da irmandade encontrado até então, que José Eduardo Freire de Carvalho tesoureiro da Irmandade do Bonfim entre 1884-1934 leu pela primeira vez a referência às medidas. Por essa razão concluiu que o então tesoureiro Manoel Serva havia sido o inventor das fitas. Contudo, como os livros dos anos anteriores a 1809 não haviam sido localizados até os dias de hoje, ficava a dúvida sobre a verdadeira origem da tataravó das fitinhas atuais.
 
O "termo de compromisso" encontrado agora por Luiz Geraldo Urpia prova que o suvenir é originário do século XVIII. O trecho esclarecedor é o capítulo 8, quando a pessoa que o redigiu trata da organização financeira da confraria, fazendo recomendações sobre os diversos registros necessários para o bom funcionamento da Irmandade do Bonfim: "E na sacristia (deve existir) um livro auxiliar em que se descreverão os inventários de tudo que tiver a capela; e o reverendo capelão faça assento de cada mês de receber de alugueres das casas do patrimônio, de medidas do senhor, de esmolas do cravo, como também nos dois meses que despendeu os guizamentos e miudezas mostrando no fim do ano se houve sobras, que devem entregar ao tesoureiro". Esse trecho, assinala Urpia, indica que a irmandade também comercializava "guizamentos e miudezas" provavelmente usados pendurados nas medidas.

Ele transcreveu em folhas de papel pautado, o conteúdo do "termo de compromisso" do original. Pretende exibir  o documento raro assim que transferir o acervo em papel do Bonfim para uma nova casa que funcionará como arquivo.

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