Margareth Menezes: uma artista de múltiplos talentos | A TARDE
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Margareth Menezes: uma artista de múltiplos talentos

Publicado segunda-feira, 10 de outubro de 2016 às 10:49 h | Autor: Gabriel Serravalle
Fui a primeira artista que saiu daqui para o exterior com a conotação da música afropop brasileira
Fui a primeira artista que saiu daqui para o exterior com a conotação da música afropop brasileira -

A partir de hoje, A TARDE  inicia uma série especial em homenagem a mulheres baianas que são destaque em diferentes áreas. A cada semana, uma entrevista com um nome de sucesso.

E para abrir a série o destaque é Margareth Menezes. Prestes a completar 54 anos, nesta quinta-feira, a cantora esbanja a mesma vitalidade daquela jovem que no fim da década de 1980 apareceu  para o Brasil cantando o sucesso Faraó.

Atualmente a "Maga" está em turnê nos Estados Unidos em ritmo intenso de shows. Antes de embarcar para o exterior, ela conversou com A TARDE e falou sobre a carreira, os prêmios e vários outros predicados que fazem dela uma mulher de destaque.

Você é a mais velha de cinco irmãos. Durante sua juventude, isso a ajudou a desenvolver uma maturidade para encarar as responsabilidades que viriam com a carreira?

Não havia uma coisa imposta. A responsabilidade vinha de uma forma muito natural.  Mas isso ficou mais forte para mim na adolescência. Tinha aquela coisa de 'você é a mais velha, tem que dar o exemplo'. Mas eu sempre tive uma coisa espontânea minha também de gostar de fazer parte de alguns movimentos. Fiz parte do grupo jovem da Igreja da Boa Viagem,  do coral da Congregação Mariana. Na escola, sempre participava de atividades. E na minha família, com o  tempo é que  fui assumindo mais essa coisa de conversar com meus irmãos. Depois todos eles vieram trabalhar comigo em algum momento. Então isso já me deu uma responsabilidade nesse lugar. Mas foi tudo  natural.

Antes de alcançar o sucesso na música, você passou primeiro pelo teatro. Como foi a transição entre um e outro e o que a motivou a fazer isso?

Eu ganhei um violão com 15 anos e minha família já tinha alguma ligação com a música.  Mas na escola, no Centro Integrado de Educação Luiz Tarquínio, eu comecei a tomar aula de teatro. Na época, o professor Reinaldo Nunes percebeu em mim um potencial artístico e começou a me trabalhar como intérprete e com a música também. Os meus personagens sempre cantavam.  E eu  ainda cantava na noite. Então não houve   um desmembramento de uma coisa da outra. Muito pelo contrário, o teatro potencializou mais a minha consciência em relação ao comportamento no palco. Isso foi muito rico para mim. Agora, definitivamente, as coisas se desligaram mesmo a partir de 1988, depois que eu gravei a música Faraó. A procura por shows cresceu e passou a me tirar o tempo de estar no teatro. E a música me pegou muito rápido nesse sentido. Esse foi um momento em que houve um rompimento da atuação cênica ligada ao teatro. 

Uma das suas conquistas foi o reconhecimento no cenário internacional, desde o início dos anos 1990. Como você vem administrando sua carreira para se manter sempre ativa também no exterior?

Foi em 1992 que isso começou mesmo, quando David Byrne me convidou para fazer a abertura da turnê dele. Ele teve acesso a um projeto meu, em que eu cantava a música Elegibô. E a partir daí é que a coisa começou a ficar muito forte para mim. Essa própria música foi escolhida como fundo de propaganda do lançamento de um refrigerante novo na Europa. Desde aí que eu comecei a fazer trabalhos fora do Brasil. Teve um período em que nós fizemos turnês mais longas na Europa, principalmente no momento de descoberta da música contemporânea baiana.  E eu fui a primeira artista que saiu daqui já com essa conotação da música afropop brasileira. Depois foi o Olodum, o Ilê Aiyê, Daniela Mercury, Araketu e Carlinhos Brown. E desde então lancei alguns projetos fora do Brasil. E isso se tornou algo sempre paralelo a minha carreira local.

Ao longo da carreira, você recebeu prêmios, além de indicações ao Grammy. Era um patamar que você esperava alcançar?

Eu nunca fiz nada visando aos prêmios. A minha expectativa quando faço meu trabalho é de fazer ele bem. De buscar  algo em que eu consiga me comunicar através. Que exista um nível de autenticidade que eu possa expressar o que eu penso, o meu sentimento com a música. Eu tenho muito movimento dentro dos projetos que eu fiz na minha carreira. E isso é um pouco da minha inquietação, das minhas pesquisas, de querer fazer outros links. Mas é algo natural. E o reconhecimento só me impulsiona a buscar mais, a querer fazer cada vez melhor aquilo que a gente se propõe. 

Você demonstrou ter também um lado empreendedor ao criar seu próprio selo, o Estrela do Mar. Qual a importância disso para o seu trabalho?

Foi muito importante, porque se eu não fizer aquilo que eu estou pensando eu não vou ficar tão satisfeita com o  meu trabalho. Nem sempre o que a gente está pensando é o que a gravadora quer. E quando nós pensamos em criar  o Estrela do Mar, eu estava sem gravadora. E eu comecei a ver um movimento muito forte de artistas fazendo algo próprio. Então  eu conheci o Tim Maia, que me explicou um pouco desse processo. Anos depois a Maria Bethânia abriu o selo Quitanda. E esse foi para mim o sinal mais forte de que eu deveria seguir o mesmo caminho. E foi uma virada, porque foi nesse momento que eu gravei o  Maga Afropop Brasileiro e depois  o Tete a Tete Margareth. Ainda fizemos três DVDs com o meu selo. E isso continua. Eu tenho essa independência para fazer os meus projetos.

Você também é precursora do Movimento Afropop Brasileiro. Como começou essa ideia?

Em 1992, quando eu saí do Brasil para cantar com o David Byrne, existia o african pop. Eram todas as músicas que vinham de vários países que já misturavam com o conceito afro. Naquele período eu entrei nessa seara também. E a crítica internacional falava: 'Margareth Menezes chegou com o brazilian african pop'. Quando eu voltei,  traduzi isso para afropop brasileiro. E eu me identifico com isso. No caso do meu trabalho,  entendi que isso significa  ter a sua memória, que é esse ambiente afro-brasileiro, na Bahia em especial, junto com o pop, o contemporâneo.  

Além da música, você tem a atenção voltada também para o lado social. Inclusive, criou a ONG Fábrica Cultural. O que te levou a essa iniciativa?

A arte aflorou em mim quando eu passei por um projeto social dentro da escola. Então eu vi a Fábrica Cultural como uma maneira de retornar àquilo que significou tanto para mim.  E é legal  oferecer oportunidades para os jovens e crianças. Aí nós começamos 12 anos atrás, no Bogary [Ribeira], oferecendo cursos para crianças. Depois começamos a fazer projetos para jovens. E agora estamos num processo para conquistar a nossa própria sede, onde queremos instalar o Mercado Iaô, que é um projeto que criamos de ocupação criativa. Temos a esperança de construir em um único espaço um cineteatro e um centro cultural pra aportar e qualificar as produções da Cidade Baixa, na região de Itapagipe. 

Antes de conquistar fama e sucesso, o fato de estar na posição de uma mulher negra, numa sociedade preconceituosa, foi mais desafiador pra você?

Com certeza. A dificuldade que o país passa nessa questão da  discriminação racial faz o nosso povo perder muito com isso, porque não é isso que qualifica o ser humano.  Em vários momentos  eu me sinto muito mais reconhecida pelo meu trabalho  fora da Bahia do que na minha própria terra. Não pelo povo, mas há alguns momentos que  percebo um movimento de discriminação em relação à minha figura. E eu vejo que isso não é um problema que a gente resolve de uma hora pra outra. É uma questão de visão, de amadurecimento social, de conceito de convivência.

Como se sente ao olhar para trás e ver tudo o que você construiu  e conquistou?

Tô me sentindo viva pra caramba. Acho que já tenho alguma historinha pra contar [risos]. É importante isso para o artista. Já cometi erros e acertos importantes para mim. Eu venho buscando cada vez mais ter uma visão mais madura da vida e sempre melhorar e aprender mais. Porque a gente só vem descobrir mesmo o que é esse exercício de cantar com o tempo. Por mais que você tenha algum talento, ele tem um momento de amadurecer. Então estou cada vez mais consciente em relação a isso. E espero continuar fazendo o meu melhor daqui pra frente e aprimorar ainda mais o meu trabalho.

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