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Corrente do bem garante comida na crise da pandemia

Publicado domingo, 24 de outubro de 2021 às 06:00 h | Autor: Gabriela Cruz*
Rafaela Máximo do Amaral, 27, moradora da Comunidade do Calabetão, recebe cesta básica das mãos de integrante do CUFA Baixa do Camurujipe | Foto: Uendel Galter/ Ag A Tarde
Rafaela Máximo do Amaral, 27, moradora da Comunidade do Calabetão, recebe cesta básica das mãos de integrante do CUFA Baixa do Camurujipe | Foto: Uendel Galter/ Ag A Tarde -

Mais da metade da população brasileira está em insegurança alimentar durante a pandemia, com cerca de 19 milhões de pessoas na forma grave, 27% a mais que em 2017. O Brasil está no mesmo patamar de segurança alimentar e nutricional de 2004 e diversas organizações não governamentais e entidades públicas têm atuado em campanhas para auxiliar pessoas em vulnerabilidade.

Andréa Palmeiras Sales, 36, só alimenta os filhos, de 10, 12, 15 e 16 anos, com doações de cestas básicas da Central Única das Favelas (Cufa-BA). Antes da pandemia, ela vendia produtos de limpeza caseiros, os “cheirinhos”, mas agora não consegue dinheiro nem para comprar materiais e continuar trabalhando.

“Criar quatro filhos sem pai é difícil. Tem dias que meus filhos nem comem em casa, tem dia que ficam com fome. Às vezes eu vou para os Mares pedir, vou para a Calçada, para ganhar alguma coisa, um pão, um feijão”, lamenta.

Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) apontam 17 anos de retrocesso na política de combate à fome do Brasil, que já foi exemplo mundial no tema. O índice de insegurança alimentar no Nordeste chega a 71,9%, muito acima do número nacional, que marca 55%.

A Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esporte e Lazer (Sempre) lançou um projeto em Salvador, em alusão ao Dia Mundial da Alimentação, celebrado no último sábado, para arrecadar alimentos doados às 460 instituições cadastradas no Banco de Alimentos Prato Amigo.

“Distribuímos uma média de 30 toneladas por mês. Com a pandemia, a procura por doações aumentou muito e nós continuamos focados em garantir a segurança alimentar das pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza da nossa cidade”, declara o titular da Sempre, Kiki Bispo.

Rafaela Máximo do Amaral, 27, moradora do Calabetão, estava no período pós-parto e não conseguiu realizar o cadastro na campanha de arrecadação de alimentos, como outras milhares de pessoas. O marido dela perdeu o emprego no início da pandemia e eles aguardam a aprovação no programa Bolsa Família, enquanto Rafaela faz bicos vendendo acessórios nas ruas.

Andréa também nunca conseguiu acesso ao Bolsa Família. “Já me cadastrei, mas toda vez que eu vou lá não consigo, não sei por quê. A assistente social fala um monte de coisa, mas eu fico nervosa e estressada, não sei ler nem escrever, ela fala umas coisas que eu não entendo”, conta.

Para o secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), Carlos Martins, o desemprego e a inflação são agravantes para a insegurança alimentar. “A comida está cara, o gás está caro, o desemprego segue em patamares elevados e as políticas sociais são desestruturadas, dia após dia. Não há qualquer indício ou sinalização federal para mudar esse cenário devastador para toda a sociedade brasileira. A fome deveria envergonhar a todos nós”, aponta o secretário.

Andréa conta que o gás também virou um item raro em casa: “Às vezes eu cozinho com lenha, às vezes álcool. Vou na sinaleira com meus filhos pedir, para ver se consigo comprar o gás, mas está caro”. Durante a pandemia, muitas famílias sofreram acidentes utilizando o álcool na cozinha, substância altamente inflamável.

Em 2020, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), os alimentos em geral (grupo alimentação e bebidas) fecharam o ano com uma alta média de preços de 14,04%, maior inflação acumulada em um ano para esse grupo de produtos desde 2002, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medida oficial de inflação do Brasil. Neste ano de 2021, até setembro, os alimentos acumulavam aumento médio de 10,01%.

“É difícil ter feijão e óleo aqui, porque está caro. A ‘carne’ que eu como é qualquer coisa: ovo, salsicha... porque está cara também. O que tiver, eu como. O importante é comer, a gente não pode ficar com fome. E quando não tem, eu vou sair para pedir”, conta Andréa.

Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que o consumo de carne em outubro de 2021 foi o menor em 26 anos. O Brasil tem a maior população bovina do mundo (217 milhões de cabeças de gado), mas a inflação acumulada da carne vermelha registra uma alta de 30,7% em 12 meses, segundo o IBGE.

Muitas instituições fazem trabalhos sociais na cidade, na tentativa de amenizar os impactos da pandemia, mas obter recursos está difícil para a maioria delas.

O Movimento Panela Cheia não tem conseguido grandes doações para atender às famílias nas comunidades. A única grande indústria de alimentos que cadastrou essas famílias não supre a demanda de pessoas sem comida.

Os Restaurantes Populares, no Comércio e Liberdade, servem cinco mil refeições por dia e, de janeiro até agora, já foram 949.440 pratos. Esses espaços funcionam por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que já beneficiou 204 mil famílias baianas com a doação de 5,1 milhões de quilos de alimentos, em 229 municípios.

* Sob a supervisão do jornalista Luiz Lasserre.

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