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Venom: Tempo de Carnificina é divertida mistura

Publicado sábado, 09 de outubro de 2021 às 06:02 h | Autor: João Gabriel Veiga*
Eddie Brock (Tom Hardy) e sua cara metade: Venom, o monstro camarada | Foto: Sony Pictures | Divulgação
Eddie Brock (Tom Hardy) e sua cara metade: Venom, o monstro camarada | Foto: Sony Pictures | Divulgação -

Há dois tipos de histórias que geralmente não se cruzam. Uma delas é o estranho caso do Dr. Jekyll e o Sr. Hyde, protagonistas do romance gótico O Médico e O Monstro, de Robert Louis Stevenson. O doutor é um respeitado médico, um homem civilizado, e Hyde é um bizarro monstro que só sai à noite. Dois lados da mesma moeda, o clássico da literatura de terror revela que eles são, na verdade, a mesma pessoa. Essas histórias brincam com a linha entre bem e mal, a máscara e o oculto.

Outra fórmula é a das comédias românticas norte-americanas, como Um Lugar Chamado Notting Hill. Menino encontra menina, mas eles não poderiam ser mais diferentes. Menino perde menina. Menino reconquista a menina. Debaixo das toneladas de efeitos especiais e monstros de computação gráfica, Venom: Tempo de Carnificina esconde uma hilária e bizarra mescla dessas duas narrativas.

Continuação do filme de 2018, Venom: Tempo de Carnificina mostra a dupla de protagonistas, o caótico jornalista Eddie Brock e o alien canibal Venom, tentando organizar uma vida à dois, já que eles dividem o corpo de Eddie.

Há dois pequenos problemas nesta relação simbiótica. O primeiro é que a urgência de Venom por violência e comer cérebros humanos vai de encontro com a tentativa de Eddie de reerguer sua carreira jornalística.

O segundo toma corpo em um fantasma do passado de Eddie, o serial killer Cletus Kasady. Sentenciado à morte, Cletus consegue escapar da prisão no dia em que seria executado. Quando ele também passa a ser hóspede de um alien da mesma espécie de Venom, o Carnificina, cujo nome é autoexplicativo, o vilão decide que está atrás de vingança do jornalista e anti-herói.

Com praticamente uma hora e meia de duração, Venom consegue desenrolar sua trama boba com agilidade e realizar um feito raro: ser uma sequência melhor que o filme original em todos os aspectos. Enquanto o longa de 2018 se levou a sério demais, com momentos não-intencionalmente engraçados, Tempo de Carnificina parece estar sempre na mesma página que o público e abraça completamente o nonsense e o absurdo.

Joy Division do Caribe

Um grande acerto é construir uma narrativa focada no timing cômico do ator Tom Hardy (cuja tendência ao exagero está coerente com o tom da narrativa) e em sua inexplicável, porém inegável química com uma criatura de CGI, enquadrando o dilema de duas personas habitando o mesmo corpo como uma bizarra comédia romântica.

Há diversas cenas que beiram a paródia dos clichês desse gênero, com direito ao “casal” trocando declarações em um pôr-do-sol na praia ao som de uma versão caribenha de uma música da banda Joy Division, enfatizando o quão ridícula é a dinâmica dos protagonistas.

O humor de Venom, que mira no absurdo e acerta todas as vezes, nunca falha em pegar o público de surpresa com situações quase kafkianas.

É difícil acreditar que os roteiristas (entre eles, o próprio astro Tom Hardy) realmente elaboraram cenários surreais em que o monstro carnívoro gigante recita Osho, dá conselhos amorosos extremamente sensíveis, “sai do armário” em uma balada otaku e falha ao tentar cozinhar panquecas — mas todas essas situações estão no filme, e são apenas alguns de seus incontáveis momentos hilários.

Os momentos em que Venom tropeça mais são justamente os da trama paralela de Cletus “Carnificina”, que exigem uma narrativa um pouco mais convencional. A conexão do assassino com Eddie Brock e seu passado são explicados de forma corrida, dando a sensação de que a história começou na metade. Além disso, ao contrário de Tom Hardy, o ator Woody Harrelson não encontra o tom certo do humor ácido e do exagero – o que é uma pena, já que o personagem se encaixa na galera de figuras sombrias e sarcásticas que o intérprete costuma viver.

Além disso, essa subtrama não acrescenta nada à dinâmica dos anti-heróis e não é particularmente interessante por conta própria, parecendo mais um conflito obrigatório que atrasa o filme. Quando esta culmina em um grande embate físico no terceiro ato, com toda a destruição que os filmes de histórias em quadrinho exigem, as sequências são pouco memoráveis, previsíveis demais em sua execução e não conseguem prender a atenção do espectador.

Carnificina não é apenas o vilão do filme, é o inimigo do entretenimento.

É difícil classificar Venom: Tempo de Carnificina como um filme bom, tampouco ruim. Seu esforço reside mais em ser divertido, algo que consegue com folga. Esse capítulo da saga de Eddie Brock e Venom, que termina com um gancho promissor para os geeks, está comprometido em ser um jovem clássico trash.

Ao contrário do Dr. Jekyll e Sr. Hyde, que são o bem e o mal, Venom é apenas Venom.

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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