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Condomínio pode proibir locação de curta duração, ofertadas por plataformas digitais?

Publicado sexta-feira, 21 de maio de 2021 às 19:56 h | Atualizado em 21/05/2021, 20:06 | Autor: Camila Araujo Cabral Gomes*

A convenção do condomínio faz lei entre os condôminos e deve ser seguida, desde que não haja contrariedade com as normas legais.

A convenção condominial é o documento que acumula as principais regras de convivência e de administração do condomínio. É ela que determina como o condomínio deverá ser gerenciado, organizando a vida no local e o trabalho do síndico, sendo que sua instituição depende da aprovação dos condôminos do quórum qualificado de 2/3 dos condôminos.

No artigo de hoje vamos discorrer brevemente sobre recente (20/04/2021) entendimento firmado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.819.075),que entendeu que locações esporádicas e de alta rotatividade, podem ser proibidas pela respectiva convenção do condomínio, quando estes estabelecem que a destinação da unidade é para fins residenciais.

Essas locações são as provenientes de ofertas lançadas em sites como o Airbnb e, no caso em destaque, se revelam pelas locações esporádicas e de curta duração, que se mostram diversa das locações “por temporada”, que tem um período maior.

As queixas do caso em destaque se originaram de dentro do condomínio e pelos próprios condôminos, que se sentiram incomodados com a alta rotatividade de pessoas estranhas e com acesso, inclusive, as chaves da portaria e área comum.

Os ministros entendem que a locação por curta duração fere as características da destinação residencial, posto que àquele tipo se baseia em dois pilares: eventualidade e a transitoriedade, enquanto que os “fins residenciais” possui características opostas.

Há um choque de características e, por conta disso, o condomínio que possui uma convenção que prevê que o imóvel possui destinação para “fins residenciais” pode proibir esse tipo de locação, sob pena de ensejar um desvirtuamento de finalidade.

O voto vencido, do Ministro Salomão, por sua vez, destaca que adentrar nesse mérito, não permitindo a exploração econômica, seria limitar o direito de propriedade do respectivo condômino, que é uma garantia da Constituição Federal, de modo que eventual proibição nesse sentido afrontaria o exercício do direito de propriedade.

Contudo, os demais Ministros vencedores ressaltaram que não há vedação de exploração econômica e menos ainda o julgado estaria proibindo a oferta e uso de serviços por plataformas como o Airbnb, ou mesmo que, por meio dele, sejam fechados alugueis por temporada. O incômodo do condomínio foi exatamente com o oposto disso: a alta rotatividade de hóspedes.

Nesse particular, merece destaque que a decisão em questão deixa claro a possibilidade de contratação pelas plataformas de compartilhamento econômico, como a Airbnb. Logo, frise-se o local de oferta não é o objeto de discussão, mas sim as locações cuja durabilidade seja pequena e rotatividade seja alta.

A chave da decisão aqui comentada e que precisa de máxima atenção é: a possibilidade de proibição do condomínio não é para qualquer tipo de hospedagem que são ofertadas pela mencionada plataforma e outras similares, mas sim as de CURTA DURAÇÃO e ALTA ROTATIVIDADE DE HÓSPEDES, pois estaria mitigando o caráter residencial, com a assunção das caraterísticas da eventualidade e transitoriedade (contrárias as de fins residenciais).

E isso se dá pelo fato de que, nos condomínios verticais (edifícios), o uso e fruição de imóveis são mais restritos, na medida em que atividades que podem ser livremente exercidas em condomínios horizontais (casas) ou em imóveis comerciais, que não afetariam o sossego e a segurança de seus vizinhos, no caso de edifícios, a afetação dos condôminospode existir e, por isso, estarão limitadas a dia e horário próprios previstos na convenção.

A decisão ora comentada não foi unânime e ainda renderá muita discussão, posto que locações dessa forma estão ganhando cada vez mais espaço no mundo moderno e, como dito pelo Ministro Luís Felipe Salomão (que foi voto vencido), essa economia de compartilhamento é fruto de avanços disruptivos da sociedade moderna, com diversas formas e modalidades de locação: pode ser só parte do imóvel, locação integral, locação por temporada.

Esse entendimento da Corte Superior não firma precedente, ou seja, não é vinculante, assim, cabe a cada julgador formular seu posicionamento e seguir ou não a mencionada decisão. Contudo, ela é de grande importância para o momento atual, visto que já começa a delimitar o que pode e não pode nesses sistemas de compartilhamento econômico, que veio para ficar e facilitar a vida das pessoas, mas, que não podem ultrapassar determinadas premissas, como no caso presente.

Ainda se terá muito o que discutir sobre o tema, pois, como dito alhures, há diversos tipos de locações e, a aqui discutida foi apenas uma delas, como também surgirão diversos reflexos em outros direitos constitucionais (nesse exemplo, o clássico se mostra como o direito de propriedade) e que merecerão atenção e estudo aprofundado para melhor firmamento de lado.

Merece destaque, também, nota da Airbnb que ressalta o que evidenciamos nesse artigo: não são todas as locações que podem ser proibidas pelo condomínio:

"os ministros destacaram que, no caso específico do julgamento, a conduta da proprietária do imóvel, que transformou sua casa em um hostel, não estimulada pela plataforma, descaracteriza a atividade da comunidade de anfitriões. Além disso, os ministros ressaltaram que a locação via Airbnb é legal e não configura atividade hoteleira, e afirmaram que esta decisão não determina a proibição da atividade em condomínios de maneira geral. Proibir ou restringir a locação por temporada viola o direito de propriedade de quem aluga seu imóvel regularmente."

Sendo assim, certo é que essa decisão é um marco e que merece atenção, tanto de quem oferta suas unidades nessas plataformas para se alinhar e não cair na caracterização de locações esporádicas e de alta rotatividade, que poderá estar sujeito a proibições pelo condomínio, como pelos próprios condôminos e síndicos.

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Camila Araujo Cabral Gomes

*Camila Araujo Cabral Gomes é advogada especialista em Direito Imobiliário

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