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Minha empresa é uma estatal?

Publicado segunda-feira, 28 de junho de 2021 às 10:37 h | Atualizado em 19/11/2021, 12:20 | Autor: Eduardo Santos
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Existe um ditado muito antigo, usado nos Estados Unidos, que diz só existirem duas coisas inevitáveis na vida: a morte e os impostos.

Caso eu fosse um trabalhador informal, a pergunta-título deste artigo nem passaria pela minha cabeça.

Mas, como sou sócio de uma empresa registrada na Junta Comercial, pertencente a algumas associações de classe, em atividade há mais de 34 anos, é impossível deixar de imaginar que somos praticamente uma estatal. Afinal, metade de tudo que eu, meus sócios e nossos colaboradores produzimos vai diretamente para as mãos do Estado, sob a forma de impostos e taxas municipais, estaduais e federais. Não resta dúvida, portanto, de que o “sócio majoritário” da nossa empresa é o Estado.

Para ficar mais claro: do volume médio de 2.100 horas úteis anuais de trabalho, 1.050 delas são dedicadas a gerar receita para pagar a carga tributária e sustentar o sócio Estado.

Como o Artigo 173 da nossa Constituição define que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”, o sócio Estado não aparece em nosso contrato social. Nunca apareceu nem para tomar um cafezinho e ter a gentileza de conhecer a equipe que trabalha para ele.

Na verdade, nem para pegar a parte dele da nossa receita ele aparece. Todos os meses ele permanece em sua comodidade e nós é que devemos enviar tudo o que ele quer. Não importa se o mês foi rentável ou um paradeiro total, ele não liga para esses detalhes. Não interessa se subsidiamos planos de saúde para os colaboradores, se seguimos um modelo de gestão pró-ativa e premiamos os melhores, se tivemos que renovar completamente equipamentos e softwares de trabalho. Nada disso interessa. O sócio Estado apenas aguarda que paguemos os DARFs com a parte da receita que ele entende ser dele.

O Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sempre andam juntos e levam logo uma grande fatia do que os sócios minoritários como Zé, Maria ou João lutaram para conseguir e, então, lá se vai quase 34% da lucratividade.

O ISS leva 5% de cada vez. PIS e COFINS levam de 3,65% a 9,25%. Aí, quando nós, os sócios da batalha cotidiana pensamos em respirar um pouco, aparece outra dupla: IRRF e INSS, que levam embora em torno de 20% de tudo que pagamos aos profissionais que trabalham para a empresa - sem contar mais 26% de INSS e terceiros a serem pagos pela própria empresa sobre os salários. Como se não bastasse, antes que o mês acabe, ainda aparecem mais uma ou outra guia para pagar mais alguma coisa, como o FGTS sobre a folha, fechando a retirada do nosso sócio Estado em cerca de 50% ou mais do que nós, sócios operários, conseguimos ganhar. E, no mês seguinte, tudo se repete.

O Estado gosta de ser sócio de empresas no mundo inteiro, mas no Brasil ele é bem mais guloso. Segundo levantamento feito pelo Banco Mundial, no Brasil, o sócio Estado tem uma retirada mensal em cada empresa seis vezes maior que no Caribe, por exemplo. No Canadá, se dá por satisfeito em tirar cerca de 20% para ele. Na União Europeia, nos EEUU e até na vizinha Argentina, o sócio Estado vem progressivamente reduzindo suas participações nas empresas. Além de abocanhar mais, o Estado Brasil também é misterioso. Ninguém sabe direito o que ele faz com todo o dinheiro que ganha. Como não é pouca coisa, no momento de suar a camisa para rentabilizar a empresa, os sócios Zé, Maria e João e os colaboradores - a parte da empresa que trabalha - gastam mais de mil horas por ano de esforço e talento apenas para conseguir entregar a parte do sócio Estado.

Trabalhamos mais de seis meses por ano só para alimentar a gula do sócio Estado.

Considerando tudo o que uma empresa brasileira precisa quitar em impostos federais, estaduais e municipais, o Brasil é um dos países com a maior carga tributária do mundo. O volume de taxas e impostos jogado sobre as empresas é tão elevado que chega a representar 40% do PIB brasileiro.

Existe um outro estudo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), em que fica claro que a alta tributação afeta produtos básicos, como água e alimentos. Em alguns casos, os impostos podem corresponder a 80% do preço de uma mercadoria. A gasolina, por exemplo, tem uma carga tributária de 56%; e a energia elétrica, 48%. Além disso, o sistema é muito desigual. Alguns segmentos têm uma tributação mais elevada que outros. A indústria, por exemplo, é um dos segmentos mais tributados da economia. Existem pequenas disparidades em outros países, mas poucos têm uma desigualdade tão grande quanto a do Brasil.

Tudo isso impacta o tempo e o custo necessários para a equipe contábil de uma empresa fazer o cálculo correto e os pagamentos. No Brasil, um a cada 200 funcionários de uma empresa trabalha no setor contábil, enquanto que, nos Estados Unidos, a proporção é de um para mil.

A tributação gananciosa, como é feita em nosso país, afeta tanto a competitividade internacional como impacta profundamente a economia interna. Se a população paga altíssimos impostos embutidos nos preços dos produtos, ela tem cada vez menos dinheiro para gastar e, é claro, vai comprar cada vez menos produtos e serviços, reduzindo consequentemente a produção, o que no fim da cadeia produtiva trava o crescimento do país. A conta não bate, a equação não fecha, mas ninguém está preocupado com isso.

Enquanto todos fecham os olhos e o Estado continua sangrando o setor produtivo, empresas precisam também investir em um planejamento tributário eficiente para diminuir os custos empresariais, mas sem deixar de pagar impostos. Alguém tem que ser contratado para fazer isso e lá se vão mais recursos aplicados para que a empresa possa apenas continuar existindo e pagando ao sócio Estado.

A propaganda, que sempre esteve na linha de frente dos efeitos da economia, tem que “se virar nos trinta”. O comércio, indústria e serviços, que precisam obrigatoriamente destinar verbas de propaganda adequadas para manter ou conquistar posições de mercado, também precisam fazer malabarismos, porque o Estado confisca metade de tudo que é produzido.

Será que vale a pena ser empresário no Brasil? O trabalho informal, como um carrinho que vende legumes pela rua, é muito mais fácil de administrar e, pensando bem, é capaz de ser mais lucrativo.

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