Com transferência para o mês de julho, homenagem a Sant’Ana alcançou protagonismo | A TARDE
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Com transferência para o mês de julho, homenagem a Sant’Ana alcançou protagonismo

Publicado sábado, 24 de julho de 2021 às 06:02 h | Autor: Cleidiana Ramos*
Remos: túnel para a passagem da procissão de Sant’Ana | Foto: Rejane Carneiro | Arquivo A TARDE | 26.7.1998
Remos: túnel para a passagem da procissão de Sant’Ana | Foto: Rejane Carneiro | Arquivo A TARDE | 26.7.1998 -

A paróquia localizada no Rio Vermelho está homenageando a sua padroeira, Sant’Ana, com uma programação que incluiu novenário. A missa festiva será amanhã, domingo, antecipando a data litúrgica, que é o dia 26. Todas as atividades ocorrem em ambiente virtual, nos canais da paróquia, devido à pandemia de coronavírus. Até a década de 1970, a festa acontecia em fevereiro, mas, com o crescimento da celebração a Iemanjá na mesma localidade, ela foi transferida para julho, quando a Igreja Católica festeja Sant’Ana ao lado de São Joaquim, considerados por essa tradição os pais de Maria e, portanto, avós de Jesus. Mesmo anteriormente à grande visibilidade alcançada pelo Presente de Iemanjá, a festa de Sant’Ana era ofuscada pela série de eventos realizados no Rio Vermelho a partir do Natal, como o desfile de ternos. Por isso, uma fotografia pertencente à coleção do Centro de Documentação A TARDE (Cedoc) é rara.

A imagem mostra uma procissão em que o andor de Sant’Ana é levado pelas ruas do Rio Vermelho. O registro é de 1961 e uma amostra do quanto ele é exceção: na coleção de 346 imagens sobre a Festa do Rio Vermelho que identifiquei na minha pesquisa para a tese intitulada Festa de Verão em Salvador – um estudo antropológico a partir do acervo documental do jornal A TARDE, ele é o único. Ou seja, a festa da padroeira não tinha tanto protagonismo no bairro. A proximidade da festa com o Carnaval, em fevereiro, dava a eventos como o bando anunciador uma visibilidade muito maior que a alcançada pela programação religiosa.

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Procissão em 1961: fiéis carregam andor pelas ruas do Rio Vermelho | Foto: Cedoc A TARDE | 6.2.1961

Em Tempo de festas: homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Anna em Salvador (1860-1940), Edilece Couto, doutora em história e professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), explica que a devoção a Sant’Ana no Rio Vermelho teve origem em um episódio no contexto da guerra pela independência da Bahia. Uma mulher mais velha avisou sobre a possibilidade de um iminente ataque português à localidade, o que permitiu a resistência. A mulher foi identificada como Sant’Ana, que passou a ser cultuada pelos pescadores do Rio Vermelho.

“Os pescadores, vestidos de capas e carregando tochas, ocupavam posição de destaque. O mais velho carregava um crucifixo. Em seguida, um grupo de crianças ‘trajadas de alvo’ carregava a figura de um peixe feito de papelão. Os andores dos santos eram enfeitados de flores naturais. As senhoritas da sociedade baiana carregavam o andor de Sant’Ana. Seguindo o costume baiano, a santa era acompanhada pelo Menino Jesus e Nossa Senhora do Parto. O cortejo retornava à igreja ao anoitecer. Os fiéis assistiam ao Te Deum, ao sermão do pároco e à queima de fogos de artifício às 22 horas, horário em que todos deveriam se recolher, pois marcava a saída do último bonde para Salvador e o desligamento da iluminação pública”. (Tempo de festas: homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Anna em Salvador – 1860-1940, p. 123).

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Registro raro da procissão, em 1961 || 6.2.1961

Folia

Com base na coleção de reportagens de A TARDE, o destaque maior no Rio Vermelho, até meados da década de 1940, era para o bando anunciador, que, em meio a vários eventos, como desfile de carros alegóricos e banhos de mar à fantasia, se transformava no “grito” de Carnaval da cidade. Os desfiles tinham uma produção cuidadosa e os veranistas assumiam o protagonismo.

“O arrabalde do Rio Vermelho teve, hontem, um dia animadíssimo. Pela manhã, banho à fantasia, passeata dos Frangos d’Agua e visita dos cavalleiros e damas que foram à caçada simbólica da Raposa d’Pituba. À tarde, com uma extraordinária concorrência, uma das maiores que ali se tem visto, o bando anunciador que foi até a Barra, com carros alegóricos e de espírito, além dos de propaganda commercial, como o do Alcool Motor, cordões carnavalescos, estes em grande número, máscaras avulsas, dentre os quais deram a nota, a “viúva franceza”, preta retinta, e sua “formoza filha”, morena clara, de linhas clássicas de árabe... À noite os festejos continuaram no largo e no Forte, onde estão armadas as tradicionaes barracas e roda gigante, cavalinhos, barquinhas, etc, da companhia americana ora nesta capital. (A TARDE, 17/2/1930, capa).

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Bando Anunciador ocorreu até a década de 1940 || 17.2.1930

Os pescadores começaram a se distanciar da festa de Sant’Ana, de acordo com o livro de Edilece Couto, em 1919, quando se desentenderam com a administração da igreja, devido ao pagamento de uma taxa. Como um dos desdobramentos surgiu a Casa do Peso, e, cinco anos depois, o início do costume de oferecer um presente à Mãe d’Água. Figurante até meados da década de 1930, logo a festa para a Mãe d’Água e, depois, Iemanjá, ganhou total protagonismo.

Lavagem cancelada

A devoção dos pescadores a Iemanjá, com a centralização na oferta do presente e a celebração que se formou em torno desse rito, com o tempo ofuscou também o bando anunciador. Em 1971 houve uma tentativa de incluir a lavagem da igreja nas festas do bairro, mas não houve acordo com a paróquia.

“A lavagem da Igreja de Santana, prevista para o dia 3 de fevereiro, durante os festejos em louvor a Yemanjá não será mais realizada, segundo informações da Comissão de Festejos Populares do Rio Vermelho, para evitar choques entre a Comissão e o vigário da paróquia, que proibiu a realização do ato. (A TARDE, 24/1/1977, p2).

Foi mais ou menos por este período que a festa foi transferida para 26 de julho, a data litúrgica reservada a Sant’Ana pela Igreja Católica. Os registros no Cedoc A TARDE passaram a ser arquivados na pasta denominada “Igreja de Santana”. A festa ganhou maior visibilidade nas reportagens do que na época em que acontecia em fevereiro.

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Em 1980, os pescadores voltaram a ter protagonismo nas homenagens || 27.7.1980

De acordo com o texto da edição de 17 de julho de 1980, a procissão marítima, que não ocorria há uma década, foi reincorporada ao programa de homenagens à padroeira:

“Uma procissão marítima que contou com a participação de aproximadamente 20 barcos marcou, ontem à tarde, o ponto alto dos festejos em louvor à Senhora Santana, comemorados na paróquia do Rio Vermelho, numa promoção conjunta do padre Raimundo Machado e pescadores da Colônia Z-1, sediada ao lado da igreja da santa que é a padroeira do bairro. O ato reviveu uma manifestação dos pescadores e moradores do Rio Vermelho, após 10 anos suspensa, e, segundo o vigário Raimundo, a partir deste ano será reincorporada definitivamente à programação da festa”. (A TARDE 27/7/1980, p.3).

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Retorno da procissão marítima, já em julho || 27.7.1980

Os pescadores, portanto, estavam novamente envolvidos com a sua padroeira na devoção católica. Na edição de 26 de julho de 1995, A TARDE registrou a bonita homenagem que eles prepararam para que as imagens de Sant’Ana e de São Pedro, que é patrono da pesca, saíssem da igreja para ser levadas em procissão:

“Os pescadores formaram com os remos um pequeno túnel para a saída de Nossa Senhora Santana e São Pedro – padroeiro dos pescadores – da igreja. As imagens seguiram para o mar em dois barcos diferentes”. (A TARDE, 27/7/1995, p.2).

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Homenagens dos pescadores à padroeira | Foto: A TARDE | 27.7.1995

Este ano, devido à continuidade da pandemia de coronavírus, as homenagens à padroeira do Rio Vermelho vão acontecer em ambiente virtual, como foi o novenário. A missa solene foi antecipada para amanhã, domingo, 25, às 8 horas. A missa será transmitida pelo canal da paróquia no Facebook (@paroquiadesantanadoriovermelho) e no YouTube.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de

A TARDE, Cedoc A TARDE. Para saber mais: Tempo de festas: homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Anna em Salvador (1860-1940) – Edilece Souza Couto, Salvador, Edufba, 2010.

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia

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