Carnaval e Covid-19
Em crises sanitárias graves, estabelecer agendas conjuntas de gestão representa um avanço na implementação eficaz de políticas públicas. É tudo o que o governo federal não quis fazer sob a batuta do presidente Jair Bolsonaro, cuja missão, desde o início da pandemia, foi sabotar qualquer possibilidade de o executivo federal protagonizar a coordenação política e a gestão de ações estratégicas.
Se não fosse o Supremo Tribunal Federal (STF) a garantir a constitucionalidade das ações dos entes federados locais, governadores e prefeitos ficariam sem condições de determinar regras de isolamento, quarentena e políticas restritivas de transporte e trânsito em rodovias. O governo federal estava disposto a negar a ciência e a necessidade de isolamento social.
No meio da cruzada negacionista promovida pelos bolsonaristas, ficou notória a ausência de coordenação do governo federal no contexto da crise sanitária; no entanto, estados e municípios passaram a exercer um papel destacado no manejo de políticas públicas, com uma bastante efetiva coordenação intergovernamental das ações de combate à pandemia.
Na Bahia, a tabelinha entre prefeitura de Salvador e governo estadual no combate à pandemia conseguiu manter-se blindada contra interesses mesquinhos relacionados às eleições municipais de 2020. A postura séria e republicana rendeu dividendos políticos: um dia antes da eleição de 2020, pesquisa do Ibope (nº BA-06193/2020) cravava que ACM Neto elegeria com folga seu candidato à sucessão em Salvador, tendo 74% de avaliação positiva à frente da prefeitura. O governador Rui Costa (PT) foi avaliado positivamente por 65% dos entrevistados pela pesquisa.
Com a aproximação do clima eleitoral de 2022, porém, o reconhecimento do trabalho feito por prefeitura e governo está sob ataque, o que levou o grupo político de ACM Neto a criar uma celeuma em torno da definição sobre se teremos carnaval. Agem dizendo representar o pragmatismo dos empresários ligados ao turismo, mas buscam em maior medida desgastar o governo estadual, para que este arque com o ônus de uma decisão complexa, delicada e impopular.
Em 2020, o cancelamento do carnaval do ano seguinte foi anunciado no dia 27/11, sob a justificativa da impossibilidade de a festa acontecer, já que não havia condição alguma de atingirmos um grau elevado de cobertura vacinal em tempo recorde.
Para o próximo ano, estamos prontos para reconhecer que ainda não se mostra seguro fazermos festas para milhões de pessoas, sendo possível apenas, talvez, realizar pequenos eventos públicos e privados, controlados, com respeito aos protocolos sanitários. A Covid ainda assombra o Brasil e o mundo -- e não tem medo de retórica eleitoral.
*Professor Adjunto de Ciência Política da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e um dos organizadores do “Dicionário das Eleições” (Juruá, 2020)