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O mercado se iludiu com Bolsonaro

Publicado segunda-feira, 20 de setembro de 2021 às 06:02 h | Atualizado em 20/09/2021, 10:47 | Autor: *Cláudio André de Souza
Tudo indica que o jantar oferecido ao ex-presidente Temer tenha sido uma cortesia de amigos para o novo “bombeiro” do Planalto | Reprodução
Tudo indica que o jantar oferecido ao ex-presidente Temer tenha sido uma cortesia de amigos para o novo “bombeiro” do Planalto | Reprodução -

Tudo indica que o jantar oferecido ao ex-presidente Michel Temer (MDB), com a presença de alguns figurões do mercado e da política, tenha sido uma cortesia de amigos para o novo “bombeiro” do Planalto. Mais além, sinalizou um esforço do mercado para entender os próximos passos do presidente Bolsonaro, após embarcar na carta de recuo formulada por Temer e por seu  marqueteiro, Elsinho Mouco, os ghost writers de valores que ninguém jamais enxergou em Bolsonaro ao longo da sua carreira política.

Mesmo se não contasse com a imitação do presidente feita por André Marinho, filho do empresário Paulo Marinho (mais um ex-apoiador da família Bolsonaro), o jantar de homens brancos não passaria despercebido, com sua estética evocadora da nobreza aristocrática da França do século XVIII. Num momento em que a democracia está sendo atacada no Brasil, encontros desse tipo dão a impressão de que o jogo político é um petit comité formado por elites econômicas e políticas (o que, de fato, são). O encontro foi quase uma “reunião de consultoria” para o grande mercado poder avaliar o comportamento do presidente, um eventual impeachment e suas chances eleitorais em 2022.

Antes dos atos de 7 de setembro, vários sinais de insatisfação já estavam desfilando nas ruas: o desastre da ausência de retomada econômica a curto prazo, traduzido em inflação, retração do PIB e desemprego, fez setores do mercado verem uma profunda dificuldade de a economia produzir, no início de 2022, sinais positivos que possam ser percebidos pelo povo brasileiro. Acontece que o núcleo estratégico do Planalto prometeu ao mercado que o governo conseguiria recuperar a economia a tempo de Bolsonaro se tornar mais viável eleitoralmente.

Quando veio o 7 de setembro, a análise de setores do mercado rumou para uma tardia constatação de que a escalada golpista de Bolsonaro geraria instabilidade econômica e política. O leitor há de lembrar que os operadores do mercado tiveram que assistir Bolsonaro afrontar o STF num momento em que a Corte debatia o que fazer com a pauta dos precatórios, que pode impactar em R$ 90 bilhões o orçamento do governo para 2022.

A inépcia presidencial e seu golpismo reforçaram a leitura feita pelo mercado a partir de indicadores alarmantes: cenário de aumento da inflação, risco fiscal, dólar alto e desigualdades em crescimento na relação entre renda e trabalho.

A crise política que o mercado não quis enxergar nos últimos anos, alavancada pelo “fator Bolsonaro”, passou pelo cardápio do jantar para Temer: um presidente fraco de um governo em crise, na economia e na política, que pode se enfraquecer ainda mais ao longo de 2022. Começam os “donos do PIB” a calcular qual a alternativa a Bolsonaro: uma terceira via com força eleitoral ainda é possível?

*Cláudio André de Souza é Professor Adjunto de Ciência Política da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e um dos organizadores do "Dicionário das Eleições" (Juruá, 2020). 

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