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Um presidente contra a democracia

Publicado segunda-feira, 09 de agosto de 2021 às 07:44 h | Atualizado em 09/08/2021, 09:48 | Autor: Cláudio André de Souza
No livro “Como as Democracias morrem” (Ed. Zahar), lançado em 2018, os cientistas políticos norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt traçam um panorama sombrio para as democracias
No livro “Como as Democracias morrem” (Ed. Zahar), lançado em 2018, os cientistas políticos norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt traçam um panorama sombrio para as democracias -

No livro “Como as Democracias morrem” (Ed. Zahar), lançado em 2018, os cientistas políticos norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt traçam um panorama sombrio para as democracias. Em vez de golpes com tanque de guerra e ocupação do poder por forças militares, a putrefação das democracias agora vem de dentro das instituições, em uma espiral silenciosa, cuja missão é abrir espaço para quatro características do comportamento autoritário: (1) rejeição sistemática das regras democráticas do jogo; (2) negação da legitimidade da voz e da ação dos oponentes políticos; (3) propensão a restringir liberdades civis básicas de rivais ou da mídia; (4) encorajamento ou tolerância à violência política. 

Desde a campanha eleitoral, tendo a radicalização política como estratégia, o presidente Bolsonaro gabarita os quatro indicadores de morte da democracia. Aqui não estamos nos referindo a valores e ideias conservadoras, mas à defesa explícita de princípios autoritários, de ruptura com a democracia e suas instituições. Quem não lembra de Bolsonaro em cima de um palanque, no Acre, cinco dias antes do atentado à sua vida, falando em “fuzilar a petralhada”, ou que viveríamos sem “Folha de São Paulo”?

Mesmo encaixotando discursos prontos para agradar eleitores antipetistas simpáticos à operação Lava Jato, diversos episódios confirmam a sanha golpista de Bolsonaro, algo que ultrapassou a retórica e vem ganhando novos contornos. Ora faz do voto impresso um estandarte midiático para manter mobilizada a sua base radical, ora ataca o Supremo Tribunal Federal (STF) com vistas a inibir articulações de bastidores dos ministros da corte contra o nome de André Mendonça, seu indicado para o lugar do ex-ministro Marco Aurélio de Mello. 

Outro intuito do presidente é fazer do STF um novo “inimigo externo”, para retomar sua imagem de político anti-sistema. Esta jogada serve ao seu cálculo eleitoral: não quer perder apoio em estratos sociais importantes para chegar à reeleição e passa a imagem de que mantém sua batalha contra malfeitos, mesmo depois de colocar o centrão no sofá do seu gabinete. Há um efeito que não pode ser descartado. Ao antecipar uma casa na polarização eleitoral, Bolsonaro vende a narrativa de que ele só não será eleito por causa de algum desvio por parte da justiça eleitoral; o que ele quer é ver cair na boca do povo o papinho do “vocês viram que querem impedir Bolsonaro de ganhar?”. A jogada do marketing eleitoral do Planalto, porém, deixa rastros, e não dá para negar a intenção de blindar o governo na opinião pública. 

O tumulto institucional instalado pelas ameaças de Bolsonaro vive uma escalada sem precedentes. A opção pela guerra pretende motivar o retorno da base radical bolsonarista, ausente desde que a casa de parte dela caiu na operação do STF que investigou atos anti-democráticos que visavam diversas instituições e lideranças públicas. Para o centrão, Bolsonaro exerce uma beligerância de certa forma aceitável. Eles duvidam que os rompantes presidenciais se traduzam em uma ação concreta para pôr fim à democracia brasileira.

Paralelo à batalha do voto impresso, método de radicalização para os eleitores fielmente bolsonaristas, o governo quer acelerar medidas para reverter a queda de popularidade. Vem aí, já nos próximos dias, um pouco do pacotaço do Planalto: distribuição de vale-gás, com dinheiro da Petrobras; linha de financiamento para moradia de militares; e o novo Bolsa Família. Com um presidente contra a democracia, fica difícil acreditar em um governo eficiente e bem articulado, a curto prazo.

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