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De como os imigrantes italianos confundiram urubu com galinha e fisgaram os baianos com sua massa

Publicado sábado, 25 de setembro de 2021 às 08:34 h | Atualizado em 28/09/2021, 08:14 | Autor: Isabel Oliveira
Bruschetta vem da palavra brusciato, que significa tostado ou torrado | Foto: Raul Spinassé / Divulgação
Bruschetta vem da palavra brusciato, que significa tostado ou torrado | Foto: Raul Spinassé / Divulgação -

A cena transformou-se em um clássico do cinema e já fez muita gente ir para a cozinha depois de assistir a alguns deliciosos trechos da película. O filme é Julie & Julia, cujas cenas criminosas ficaram na lembrança dos amantes da telona e da gastronomia.

Cenas do filme Julie & Julia 

Dentre tantas passagens marcantes e saborosas, é possível que muitos recordem da escritora e amante da gastronomia Julie degustando, com uma avidez de dar água na boca, pedaços de pães entupidos de tomates, queijo e manjericão. O nome dessa delícia, preparada tão gostosamente, é brusqueta, ou bruschetta, no idioma original, uma comida de origem italiana.

Hipnótica e universal, a comida italiana exerce um enorme fascínio sobre os brasileiros. Na Bahia, basta dar uma rápida olhada nos inúmeros restaurantes da cidade para perceber a grande quantidade de estabelecimentos que oferecem iguarias à italiana. A comunidade não é, nem de longe, tão grande como a espanhola no estado, mas de há muito os italianos já ensaiavam dar uma chegada por essas bandas.

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 No sentido horário: chegada dos primeiros homens no navio Castel Verde; chegada dos imigrantes italianos em Jaguaquara; missa da Colônia Boa União em Villa de Abrantes e imigrante com seu trator na Colônia Boa União/  Acervo da prefeitura e família Palmarella

Um dessas investidas ocorreu na Bahia do século XIX, mas, após a Segunda Guerra Mundial, nos anos 1950, uma nova leva de imigrantes se estabeleceu e aqui firmou morada, implantando colônias de agricultores nas cidades de Jaguaquara – 41 famílias, mais precisamente –, Itiruçu, no Sudoeste baiano, e Vila de Abrantes, em Camaçari. Ao longo dos séculos, as famílias vieram de várias cidades, entre elas Abruzzo, Pescara (sede da Província), Téramo, Tipagati, Monte Silvano, França Villa Al’More e Cheitti, segundo o professor aposentado pela Ufba Armando Rosa e o professor aposentado Lígio Farias, que foi do famoso Colégio Batista Taylor-Egídio, este último, jaguaquarenses. A história desses imigrantes está completando 71 anos.

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A italiana Marisa Palmarella chegou às terras na colônia de Jaguaquara com a família. Na foto, a mãe, Adina Palmarella, e o irmão

Os italianos Marisa Palmarella e Antônio Martinelli eram pequenos quando chegaram à Bahia e se estabeleceram na colônia de Jaguaquara. Os dois se casaram e tiveram filhos. Sr. Antônio Martinelli, apesar de acamado, ainda lembra de alguns episódios envolvendo o grupo logo que chegou à colônia.

Uma história célebre e engraçada é contada até hoje e merece registro. As recém-chegadas famílias estavam a laborar nas terras jaguaquarenses, quando avistaram uma “pollo selvático”. Come no? Era um urubu que fora confundido com uma portentosa galinha selvagem. Sr. Antônio diz que as mulheres não contaram conversa. Depenaram o bicho e chegaram a cozinhar, mas a carne era tão dura que ficou impossível de degustar.

Da famosa história do urubu à intervenção gastronômica por terras baianas, os italianos cativaram os nativos com sua comida típica. O professor Lígio Farias ressalta que o povo italiano “também mudou Jaguaquara na gastronomia. O povo jaguaquarense passou a conhecer a pizza, a macarronada. Muitos pratos que hoje são saboreados por todos nós foram trazidos pelos Italianos”.

Ele também conta que tudo era novo para os baianos. “Doravante, a culinária italiana passou a fazer parte do cardápio das nossas comemorações, sobretudo a macarronada, a pizza e o ravióli”.

A massa, como não poderia deixar de ser, era o alimento primordial para a italianada, que não tinha equipamento e fazia tudo colocando a mão, literalmente, na massa. Mas também tinha o pão, fundamental na mesa dos italianos, e a bruschetta.

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Para a bruschetta o pão ideal é com casca mais grossa e a fatia não deve ser muito fina

Dilvulgação/ Pasta em Casa

“Era costume dos italianos comer a bruschetta, mas não era essa que hoje o povo conhece. Antigamente, você pegava o pão italiano, colocava azeite de oliva, semente de tomate e comia a qualquer hora. Alguns italianos mais velhos comiam com vinho. Lá na Itália quase não existia café, era raro, lá era novidade, o consumo maior era o vinho com pão. Parte dos que chegaram continuou usando vinho pela manhã. Meu sogro mesmo, o café dele era vinho pela manhã”, conta Marisa Palmarella, revivendo as lembranças e histórias cultivadas ao longo das décadas.

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Segundo especialistas, a bruschetta tem origem nas regiões italianas de Lazio, Abruzzo e da Toscana

Segundo muitas informações gastronômicas colhidas aqui e acolá, a bruschetta vem da palavra brusciato, que significa tostado ou torrado. E tem este nome porque veio, dentre outras regiões italianas, de Lazio e Abruzzo. Na região da Toscana o nome é fettunta, que é a união de fetta e unta, isto é, fatia untada com azeite de oliva. Mas, pelas leituras e depoimentos, parece que um ou outro ingrediente, bem como o modo de fazer, muda de região para região.

Há quem relacione a bruschetta aos trabalhadores rurais, que labutaram na produção de oliva. Eles assavam os pães amanhecidos e depois colocavam uma porção de azeite, generosamente.

De acordo com o chefe de comida italiana Celso Vieira, do restaurante Pasta em Casa (@pastaemcasa), “bruschetta é prato barato e de origem humilde. Originalmente é uma fatia de pão tostada com tomates picados e temperados com alho, manjericão e azeite de oliva”.

Ele ensina que o pão ideal é aquele de casca mais grossa. “A fatia não deve ser muito fina para que as duas superfícies fiquem crocantes, mas reste um miolo macio. Do antepasto tradicional e simples até os dias de hoje, a principal alteração foi a introdução de coberturas variadas, com queijos, verduras grelhadas, embutidos, patês, molhos exóticos, trufas, dentre outros. No Pasta em Casa temos duas versões: a clássica com tomates e uma versão mais sofisticada com queijo brie, rúcula e presunto parma. Pão quente e ingredientes frios, sempre!”.

E para homenagear nossos irmãos italianos, há 71 na Bahia, abaixo uma versão da deliciosa receita feita por Celso Vieira, do Pasta em Casa. Refestele-se!

BRUSCHETTA

5 fatias de pão rústico amanhecido

20ml de azeite

2 tomates graúdos maduros e firmes, picados em cubos pequenos

Sal a gosto

Pimenta-do-reino moída (na hora é melhor)

Folhas de manjericão

Como fazer

Corte o tomate em cubinhos e tempere com azeite, manjericão, pimenta-do-reino, sal a gosto. Passe levemente a mistura no fogo e reserve. Em seguida, pegue as fatias de pão, corte em rodelas, regue com azeite e leve ao forno até ficarem douradas. Para finalizar, coloque sobre elas a mistura do tomate e adicione algumas folhinhas de manjericão. Buon appetito!

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Hoje, a bruschetta pode ser encontrada com diversas tipos de coberturas, das mais simples às mais exóticos

Para contato: [email protected]

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