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Devemos ter uma política de cotas para acesso ao ensino superior?

Publicado sábado, 16 de outubro de 2021 às 06:02 h | Autor: Rodrigo Oliveira* | [email protected]

A lei de cotas para acesso ao ensino superior no Brasil vai completar 10 anos em 2022 e precisará ser revisada. Segundo levantamento do portal UOL, já existem 36 projetos tramitando no Congresso para alterar a lei, que buscam desde torná-la permanente até acabar com o critério racial dela.

As controvérsias em torno da política de cotas giram em torno de três pontos principais. O primeiro é que a partir do momento que um grupo passar a ter o acesso garantido, outro grupo será necessariamente excluído. Portanto, no “economês” nos perguntamos: as cotas aumentam o bem-estar social ou não? No Brasil, há evidências de que a resposta é sim, as cotas aumentam o bem-estar.

O grupo excluído é historicamente privilegiado. Neste caso, esse grupo pode cursar uma faculdade privada, por exemplo. Ao dizer que foi privilegiado me refiro aqui às oportunidades ao longo da vida: acesso a creches, melhores escolas, cursos de idiomas, acesso à cultura etc. O grupo beneficiado pelas cotas muitas vezes não terá a oportunidade de ir para uma boa universidade privada.

O segundo ponto é conhecido como desencontro ou mismatch em inglês. Esta é uma situação na qual o beneficiado pela cota poderia estar melhor, se não tivesse acesso a cota. Isso é fácil de exemplificar, mas difícil de defender para o caso brasileiro.

Imagine que Maria sonhava em cursar Medicina, mas decidiu se preparar para cursar farmácia, pois estudou em uma escola pública e por isso achava que não tinha condições de ser aprovada em Medicina. O governo decidiu então criar o programa de cotas. Maria então presta o vestibular para Medicina, curso mais concorrido e, segundo o imaginário popular, mais difícil de concluir. Maria, portanto, pode não concluir o curso, e acaba abandonando. Por outro lado, Maria poderia ter cursado farmácia e concluído a graduação.

Maria ao abandonar Medicina em uma universidade prestigiada também teria perdido alguns anos, pois ela poderia ter cursado uma universidade menos “puxada”. Pergunta: será que Maria teria os meios de custear o curso em uma universidade menos puxada, mas não gratuita?

A forma de resolver estas questões é através da evidência empírica. Vários países desenvolvidos e em desenvolvimento adotaram políticas de ações afirmativas no ensino superior e isso nos ajuda a entender melhor este tipo de programa. Devido a disponibilidade de dados, a maioria dos estudos se concentra nos EUA e Índia. Para estes países, a evidência sugere que a política de cotas funciona bem. Isto é, não ocorre o mismatch.

Utilizando dados da Universidade Federal da Bahia (UFBA), primeira universidade federal a reservar 45% das vagas para alunos provenientes do ensino público, eu e coautores mostramos que a política de cotas é bem focalizada, isto é, atinge negros e pessoas em famílias mais pobres. Nossa análise também mostra que não há diferença média no desempenho acadêmico entre cotistas e não cotistas na UFBA. Além disso, não há evidência de um aumento relevante na taxa de evasão.

O terceiro foco de controvérsia, e talvez o mais ideológico, é se as cotas devem ou não ser raciais. A Universidade de Brasília (UNB) foi a primeira universidade federal a adotar cotas raciais no Brasil. Diversos estudos da professora Maria Pianto mostram que as cotas raciais da UNB também surtiram bastante efeito. Ressalte-se que as políticas nos EUA e Índia também possuem critérios raciais, e não apenas sociais. Nos EUA, as cotas em geral focam em minorias subrepresentadas, como negros e hispânicos. Na índia, nas castas historicamente perseguidas e discriminadas.

No Brasil, sabemos que há uma correlação muito forte entre condição socioeconômica e cor da pele. Portanto, tanto cotas sociais, quanto raciais são necessárias. No caso da lei de cotas em vigor para o Ensino Superior, a cota é social, isto é, para pessoas de baixa renda. Contudo, ela possui regras especificas para grupos minoritários: para negros, pessoas com deficiência e indígenas.

A escritora Djamila Ribeiro argumenta que para reduzir as desigualdades raciais, e logo, as desigualdades sociais, precisamos adotar alguns hábitos básicos, como ler autores negros e colocar negros em cargos de poder. A política de cotas é um meio para alcançar estes objetivos. Ela permite que as minorias e sobretudo, de classes sociais mais baixas, obtenham uma formação educacional mais elevada e alcancem postos de mais influência na sociedade. Como argumentei em algumas colunas anteriores, representatividade importa.

*Rodrigo Oliveira, é Doutor em Economia, professor, pesquisador na UNU-WIDER – United Nations University World Institute for Development Economics

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