Álbum Lágrimas no Mar reúne ex-titã e pianista pernambucano | A TARDE
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Álbum Lágrimas no Mar reúne ex-titã e pianista pernambucano

Publicado quinta-feira, 30 de dezembro de 2021 às 07:30 h | Atualizado em 30/12/2021, 09:36 | Autor: Victor Hernandes*

Em uma parceria de muita sintonia, o ex-titã Arnaldo Antunes se juntou ao pianista Vitor Araújo para produzirem o álbum Lágrimas no Mar, lançado no início do mês. Depois de atuarem juntos no projeto anterior, chamado de Real Ao Vivo, os artistas iniciaram agora este novo disco, composto por nove músicas, em um formato inédito para ambos, que une a voz e as teclas do piano com sonoridade ímpar.

Entre as nove faixas, uma canção composta em parceria com Erasmo Carlos, quatro inéditas, além de releituras e interpretações de composições de outros autores.

Mesmo com as diferenças de regionalidades e história, já que o cantor é de São Paulo e o pianista de Pernambuco, a afinidade dos dois é evidente e explicitada por eles a todo o momento. Nesta entrevista exclusiva ao jornal A TARDE, ambos artistas explicaram sobre o novo disco, suas intensas performances, da síntese carregada por eles ao longo do álbum, além do gosto pela experimentação musical que caracteriza as carreiras de ambos.

Sobre o álbum Lágrimas no Mar, qual é a mensagem que a obra transmite?  O que vocês estão querendo proporcionar com ela?

Arnaldo - Tem uma atmosfera muito expressiva do momento que estamos vivendo. Que é um momento de desolação, de muita destruição, de pandemia… Essa atmosfera de alguma forma expressa um pouco do sentimento que estamos vivendo. O disco possui muitas interpretações com enfoques diferentes, que acabam dando uma expressão e sensação do nosso presente. É um disco aberto para muitas compreensões, inclusive com muitas músicas de amor juntas. Acho que é meu disco que tem mais canções de amor juntas, em sequências. A voz e o piano propõem uma coesão de timbre que é uma marca muito forte do álbum. 

Vitor - É um álbum que realmente foca em uma paleta de cor específica. Em termos de artes plásticas, me parece um disco que é uma série de pinturas diferentes, mas todas elas trabalhadas nesta mesma paleta de cores. O álbum no geral tem uma heterogeneidade em termos de letras, miríades, preposições musicais e também este clima que entrelaça todas as faixas. É esse panorama que conecta as faixas entre si e propõe essa atmosfera. É muito isso que é captado pelas pessoas que ouvem o disco do começo ao fim. Tem algo sobrevoando como um todo que captura de maneira mais precisa a obra de forma completa.

Esse título, Lágrimas no Mar, qual o motivo da escolha? Que lágrimas são essas que vocês pensaram para denominar o disco? Lágrimas de amor, paixão ou introspecção ?

Arnaldo -  A escolha se deu através da canção Lágrimas no Mar, que é uma música para o amor em toda vida. Quando a gente optou por dar o título ao disco, é claro que ele ganha novos sentidos. Porém, de certa forma, foi um pouco da sensação emocionante que tivemos ao gravar este álbum, é muito comovente. Toda vez que ouço tenho vontade de chorar. Isso de certa forma acabou indo para o título do disco. Tem uma coisa do encontro das águas salgadas, da mistura e das conexões do nosso trabalho com quem escuta. 

Vitor -  Acho esse título muito bonito, diz sobre o confronto entre a pequenez de uma lágrima e a imensidão de um oceano. Apesar de ser um título vindo de uma das faixas, acabou que foi uma escolha muito feliz, porque buscamos bastante isso no disco. Na maioria das músicas procuramos uma síntese muito grande. Muita concentração, pouca interferência de notas e muito espaço. Ao escutarmos as canções, era um sentimento grandioso que sentíamos. A gente trouxe esse confronto entre o minúsculo com o gigantesco e isso entrou em conversa com os arranjos das músicas. 

Como é formado o repertório das canções do álbum? De que maneira ocorreu o processo de escolha? 

Arnaldo - É um repertório muito bem equilibrado. Tem duas releituras de músicas que já tinha gravado, quatro inéditas, duas composições de outros autores, como Itamar e Caetano Veloso. Uma canção é parceria minha com Erasmo Carlos, que em minha voz é inédita. Eu e Vitor fomos nos empolgando no processo. Já que os shows iriam demorar para retornar, queríamos entrar em estúdio para registrar algo. Fui lembrando de músicas inéditas que queria cantar e tudo foi se juntando. Os arranjos de piano do Vitor acabam revelando para mim a canção sobre um ponto de vista totalmente inusitado para mim. Ele renova as canções com um outro caminho de abordagem, isso é um presente. A gente estava muito sintonizado, achamos uma linguagem em conjunto que funcionou muito bem. Ficamos felizes por realizar este repertório que foi crescendo espontaneamente no processo. 

A parceria de vocês dois neste atual projeto veio inicialmente do desejo de acentuar o caráter minimalista do trabalho anterior? Por que essa vontade de criar juntos esse show com voz e piano? 

Arnaldo - Acho que são fases. Eu vinha de um disco com peso, banda, e muita programação de ritmos. Alternava sambas e rocks, dois gêneros com seus pesos representados. Queria fazer um trabalho mais voltado para canções, um pouco parecido com a formação do álbum Qualquer, que gravei nos anos 2000. A formação do disco Real Resiste, já era algo mais voltado para as canções. De vez em quando tenho esses impulsos de alternar um pouco do que estou fazendo, explorar novidades e outros jeitos de cantar. Queria evidenciar ainda mais essa sementinha da canção, uma coisa que nunca tinha feito de cantar só com voz e piano. Pensei no Vitor e foi uma grande descoberta, os caminhos se abriram muito, com versões incríveis. Nessa combinação de voz e piano é muito importante as dinâmicas para a emoção. Fui descobrindo também elementos de dinâmicas na minha interpretação também.  

Vitor - Este álbum me obrigou a olhar e tocar o piano de outra forma. É um disco muito peculiar, já que no meu outro trabalho trabalhava com instrumentações gigantescas – já neste tem uma influência muito maior do fã do João Gilberto que existe dentro de mim. Pude exercer este instrumentista, que resume os arranjos e linguagens ao mais essencial possível. De certa forma este lado orquestrador está mais presente no Fora de Si que é uma faixa peculiar do disco, mas tem também em outras.

Essa parceria de Vitor tocando piano e Arnaldo cantando, como foi criado esse entrosamento e sonoridade por vocês dois no álbum?  

Arnaldo - Está muito na intenção de interpretação das canções. Isso se justifica muito na delicadeza que você aborda e faz com que a música diga o máximo que está querendo dizer. Estamos servindo à canção juntos e integrados. Nós dois temos esse gosto de compreender as palavras, entonações, dinâmicas e sensibilidade quando emitimos uma nota ou tocamos uma tecla. Gostamos de experimentar soluções originais, queremos trazer uma informação nova do que estamos fazendo. 

Vitor - Nosso entrosamento nos ensaios acabou fazendo com que a gente amasse muito o show. Vem muito da vontade de olhar para a canção como um objeto artístico que está nos dizendo algo musicalmente. Foi muito confortável trabalhar com Arnaldo, principalmente porque mesmo as canções sendo dele,  existia esse espaço para a gente experimentar e mexer com elas. É muito legal quando encontramos em outro artista essa abertura e gosto por experimentar. Isso levou o nosso entrosamento a acontecer muito facilmente.  

Você regravou a canção Como 2 e 2 de Caetano Veloso. Ao escutar, conseguimos escutar alguns efeitos sonoros diferentes ao decorrer da música. Essa ideia para acrescentar esses efeitos foi inspirada em que? Qual a sensação que vocês queriam causar nas pessoas com esses efeitos?  

Arnaldo - Foi um desejo de revelar, nos versos dessa música, uma certa perplexidade do que estamos vivendo. Seja pela pandemia, política ou crise ambiental. Era uma síntese de um sentimento que estava muito engasgado, essa coisa de que “está tudo bem”, “está tudo normal”, “isso não é nada”. A partir disso, dei esse desafio para Vitor tirar ruídos do piano que lembrassem aviões, tiros, bombas ou sirenes. Ele veio com esse arranjo maravilhoso, que é muito emocionante. Teve muito trabalho de edição também, porque tiveram muitas camadas dos ruídos. Essas interferências sonoras acabaram ficando muito musicais. Elas entram e dão o “susto”, mas muito na medida musical.

Vitor - Essa música teve um procedimento um pouco diferente das outras do disco. Tem camadas a mais de piano. Foi planejada desde o início para ter um envolvimento improvisativo dos ruídos que seriam editados depois. A gente decidiu gravar a música em si, acentuando esse lado da letra, do mantra de que está tudo certo. A gente queria acentuar esse corte com esse arranjo. Tem o arranjo principal de piano e voz, que canta de maneira muito plácida. De certa forma personifica também o ‘tudo vai mal’ da música. Depois foi um trabalho de administrar e manipular essas questões de maneira que elas se tornassem musicais e harmônicas, mesmo sendo dissonantes, ruidosas e com elementos que interferem de maneira violenta na música, principalmente por conta deste confronto. 

Qual era principal objetivo de vocês ao resgatar as canções do repertório de Arnaldo, a exemplo de Fora de Si, Longe e  Fim de Festa, de Itamar Assunção ? 

Arnaldo - A gente queria que tivesse músicas inéditas, mas não tinha necessidade só de um álbum com canções novas. Tive o desejo de reler essas canções. Fora de Si que é um rock pesado, a gente fez uma outra releitura, similar à que estávamos fazendo nas lives. Longe é uma canção que adoro e retrata muito essa questão do isolamento na pandemia, teve um arranjo totalmente diferente. Já Fim de Festa é uma música que iríamos incluir no show do Real ao Vivo, mas não entrou, e lembramos dela para este disco. Teve isso também de uma sonoridade imprevista em algumas releituras, mas tratamos tudo com o mesmo frescor e desejo de renovação. 

Apesar da diferença de idade, vivência, e trajetórias distintas, a sintonia criativa de vocês dois é muito nítida. Como conseguiram fazer essa conexão e sincronizar todas as ideias que já tinham em mente?

Vitor - É algo que a música naturalmente proporciona. É um acontecimento que em vários momentos na carreira de um artista musical acaba acontecendo. Essa intimidade e semelhança traz uma força na união entre os artistas em determinado resultado musical. Essas diferenças constituem uma nova cor. No nosso caso aconteceu mesmo por causa dessas diferenças todas. Depende de nós, artistas, fazer com que todas essas diferentes “águas” se encontrem. 

As participações especiais no disco, de Pedro Baby tocando violão e guitarra, e de Marcia Xavier cantando com Arnaldo, se encaixaram de que modo com a proposta do álbum?

Arnaldo - A Márcia me trouxe para o Como 2 e 2 e pensei que a gente poderia  cantar juntos. Durante o processo do disco, convidamos também ela para cantar a segunda parte de Umbigo. Já o Pedro Baby é autor da canção Lágrimas no Mar, que dá nome ao disco. Quando a gente compôs, ele já tinha me mandado uma versão com violão e foi uma participação super bem vinda. Foi incrível esse encontro dele com Vitor no piano, uma afinidade muito bacana. Muito feliz esse encontro, tanto musicalmente quanto afetivamente.

Vitor - As participações são muito legais no disco. Adoro as canções com essas participações. Trabalhamos com um minimalismo muito grande de informações. É um jogo bonito que acontece na música. Em Lágrimas no Mar é muito legal porque casou muito bem gravar com  Pedro. A música ficou muito bonita e com uma grande energia, eu adorei!  

Como vocês resumem este novo álbum? E qual o recado que você deixa com Lágrimas no Mar para o final de ano e início de 2022? 

Arnaldo - Acho que todos nós estamos vivendo um momento muito difícil, por vários motivos. Precisamos cultivar as coisas positivas. Quando a gente consegue dar expressão a sentimentos tristes ou desoladores, o resultado é sempre positivo. As pessoas precisam se identificar com emoções comuns. Espero que a gente esteja dando uma mensagem positiva e de que as coisas melhorem. 

Serviço

O quê: Lágrimas no Mar / Arnaldo Antunes e Vitor Araújo / Rosa Celeste - Altafonte

Onde: Nas plataformas de streaming

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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