"O amor não é só essa coisa maravilhosa, tem esse lado sombrio" | A TARDE
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"O amor não é só essa coisa maravilhosa, tem esse lado sombrio"

Neste domingo, 20, Duda retorna a Salvador para apresentar seu novo disco, Te Amo Lá Fora

Publicado sexta-feira, 18 de março de 2022 às 06:01 h | Autor: João Gabriel Veiga*
Duda Beat, cantora
Duda Beat, cantora -

Se a modernidade é líquida, as relações terminam em lágrimas – e poucos artistas conseguiram captar o espírito do tempo como Duda Beat. Nascida Eduarda Bittencourt (o trocadilho do alter-ego artístico vem do batismo), a pernambucana já parece uma relíquia de tempos dourados mesmo sendo tão jovem e com apenas dois álbuns lançados. Seu primeiro disco, Sinto Muito (2018), foi a trilha-sonora dos últimos verões antes da explosão da pandemia, e ela visitou Salvador diversas vezes.

Neste domingo, 20, Duda retorna a Salvador para apresentar seu novo disco, Te Amo Lá Fora, no Trapiche Barnabé. Em entrevista para o A TARDE, ela conversa sobre o hiato entre álbuns, sua estética e sua relação com os fãs.

Entre Sinto Muito e Te Amo Lá Fora, foram três anos. Parece pouco tempo, mas pode ser uma eternidade no ritmo frenético da indústria da música. O que motivou esse intervalo entre álbuns?

Eu tinha planos de lançar de dois em dois anos. O disco acabou saindo em três anos por causa da pandemia, por causa de tudo que aconteceu, e também porque eu tento não me afetar tanto com o ritmo frenético do mercado. Tento focar em mim, nas coisas que eu curto, quero botar um disco no mundo quando ele realmente estiver pronto. E foi um período onde lancei singles, fiz participações, nunca estive parada. Teve hiato entre álbuns, mas não um hiato de carreira. Eu confio muito no tempo das coisas, e o disco é isso. Você tem que curtir fazer, tem que amadurecer os arranjos principalmente. A canção acaba nascendo de mim, letra e melodia, mas os arranjos têm que amadurecer. É muito importante respeitar o tempo das coisas. Levou o tempo certo para ele estar no mundo.

Em Te Amo Lá Fora, você tomou um rumo mais sombrio, tanto sonora quanto narrativamente. O que foi que causou essa mudança?

Acho que foi a própria história da vida. No Sinto Muito, eu era muito mais iludida e romântica. Ele tem uma inocência de início de história. Te Amo Lá Fora vem pra fazer esse contraste. algumas pessoas falaram que é um disco meio mais debochado, por exemplo, e é, mas é um disco mais desiludido. É algo que o meu companheiro, Tomás Tróia, sempre me diz, que desilusão é bom, é o momento que você cai na real. Se no Sinto Muito eu morria de amores, no Te Amo Lá Fora eu não morro mais porque eu tô empoderada, tô forte e encarando o assombro que é o amor. O amor não é só essa coisa maravilhosa, ele tem esse lado sombrio de quando você tá triste, ansioso, esperando uma ligação no auge do sofrimento. A mudança foi causada pelo próprio desenrolar da narrativa, é maravilhoso você num primeiro álbum ser uma coisa, no segundo álbum você se reinventar, e por aí vai.

Algo chamativo da sua presença artística é sua identidade visual, seja em fotos quanto em clipes. Como surgiu essa vontade de expressar sua música visualmente, e como é o processo de construir sua estética?

Eu construo minha estética desde criança. Sempre fui uma criança que botava as roupas da mãe, os saltos, me maquiava… Sou libriana, adoro estética, moda, tudo isso! É uma coisa muito real e minha. Eu amo, por exemplo, fazer uma foto icônica, é uma coisa que me deixa muito feliz. Esses dias eu fiz uma foto que sou eu, toda de preto, com vários tomates jogados ao meu redor. Quando eu e Marcelo [Jarosz, diretor criativo] pensamos nesta foto, eu pensei em como é maravilhosa a arte, colocar em imagem um sentimento. Traz uma extensão do que eu canto para a imagem, é uma coisa completamente conectada à outra. No Sinto Muito, eu tava com a manga bufante porque eu tava mais romântica. No Te Amo Lá Fora, tô mais de preto porque tô encarando um assombro. A história tem que ser contada em todos os sentidos.

Nos últimos anos, tem tido um aumento de artistas mulheres fazendo sucesso no cenário alternativo. Além de você, temos exemplos como a Marina Sena e Luedji Luna. Como é ver essas mulheres crescendo com você?

Essa sensação é maravilhosa, né, gente? Fico muito feliz de estar crescendo com essas mulheres, de ser inspiração e de me inspirar também. É muito bonito no mundo de hoje a gente ter movimentos feministas tão fortes impulsionando todas nós nesse sentido. Temos esse protagonismo de mulheres fortes, maravilhosas, que cantam, compõem, assinam, e elas estão crescendo e incríveis. Me alegra ver que essas estrelas surgem a cada ano, a cada mês, a cada semana. Para mim, a união feminina é da maior importância. Outro dia, vi um post no Instagram que me chamou muita atenção. Era um line-up de festivais, mas apagavam os nomes de todos os homens. Quando fizeram isso nas imagens, ficou claro como tinha muita pouca mulher nesses eventos. Também tem várias pesquisas que mostram a quantidade de produtoras e artistas mulheres na ativa. Ver que existe essa união das mulheres crescendo, que a gente está tomando espaço num meio que é tão machista quanto o mundo da música é muito bonito. A gente tem que se levantar, se ajudar, temos que estar juntas nos apoiando. Isso é o que faz a força.

Sua identidade nordestina transparece em suas escolhas musicais, e ao mesmo tempo você traz uma sonoridade contemporânea. Há algum tipo de resistência a esse seu esforço de tirar o Nordeste do imaginário do século XX e fazer algo que dialogue com o presente?

Eu acho que existe resistência de algumas rádios do Sudeste, por exemplo, mas no Nordeste eu toco muito. E com o público, eu não sinto essa resistência, eu acho que o público me abraça de uma forma muito legal. Eles entendem que eu trago referências do Nordeste e misturo com o contemporâneo. O público aceita isso muito e isso é vanguarda. Eu sinto que o que eu faço é à frente do tempo, e o público abraça isso cada vez mais. A rádio pode não tocar, mas cada vez mais pessoas entendem o que eu faço.

Algo sobre seu trabalho é que ele dialoga com os ouvintes. Bixinho, por exemplo, estourou num momento em que as relações amorosas nunca estiveram tão indefinidas. Como você traduz elementos que talvez sejam da sua vida íntima para a arte? Qual é a sensação de ser uma espécie de “voz de uma geração”, e como você reage à identificação do público?

Faço isso de uma forma muito natural. eu costumo brincar que eu falava das minhas relações que não davam certo muito pros meus amigos, e agora eu só aumentei a quantidade de amigos no mundo para falar sobre isso. Mas acontece naturalmente, é o que eu vivi, é o que eu sinto, e nunca tive vergonha de fazer da minha arte o meu diário porque é verdadeiro e as pessoas entendem quando a coisa é verdadeira. Fico muito feliz em inspirar pessoas, em inspirar novos artistas, que minha arte toca pessoas, transforma a vida delas. Acho que quando a arte transforma a vida de alguém é um movimento lindo demais. Quando eu lancei o Sinto Muito, muitas pessoas me escreviam dizendo que minha música as ajudou num fim de namoro, a se valorizarem. É natural essa identificação porque todo mundo já sofreu de amor, e já superou, e já se empoderou de alguma forma. Nesse sentido, me sinto muito feliz de ser uma agente de transformação no mundo.

Suas músicas fizeram parte do verão e do carnaval de muitos. Estamos em um período onde boa parte do Brasil já está a dois anos sem celebrar o carnaval. Como você acha que isso impacta a vida cultural brasileira?

Durante a pandemia, a gente viu um abandono muito revoltante e triste do setor cultural. As pessoas acham que um show só alimenta quem está no palco, mas mal sabem elas que é uma geração de emprego gigante. O técnico de som, o técnico de luz, a pessoa que vai fazer o catering, o motorista da van… Todas essas pessoas foram impactadas de uma forma avassaladora durante a pandemia, e a gente não teve aporte do governo. Não ter carnaval impacta não só a produção cultural como também na vida das pessoas que trabalham com isso. E é um desolamento geral e mental. As pessoas precisam de carnaval para celebrar a vida, para curtir. É super entendível porque vivemos uma pandemia, mas é triste porque impacta negativamente de muitas formas.

E como têm sido os últimos anos para você? Como tem sido trabalhar com a criatividade em um momento que pareceu ter estagnado parte do mundo? E como tem sido o retorno aos palcos?

Comecei meu segundo disco um pouco antes da pandemia. Fiz meu último show em João Pessoa no início de março e já tinha programado tirar vinte dias para ir pra Serra do Rio de Janeiro fazer uma imersão artística com meus produtores. Enquanto estávamos lá, isolados nesta casa na Serra, soubemos que o mundo estava passando por uma pandemia. Foi muito difícil criativamente, na maioria dos dias eu acordava muito triste. Quando voltamos, conheci uma forma diferente de trabalhar, como gravar à distância porque a gente não podia se encontrar. Na época do lançamento, pensei e repensei se aquele era o momento certo. Mas no final, pensei em como, assim como eu, meus fãs estavam em casa, eles precisam ouvir isso que eu fiz. Nesse tempo, eu e minha equipe fizemos algumas lives para arrecadar fundos para o setor cultural. Fizemos o Duda Beat Em Casa, um projeto muito legal que cada pessoa da minha banda se gravava em casa, e a gente mixava o som e as imagens e fazia vídeos e lançava toda sexta-feira. Isso foi uma forma de aproximar, mesmo que distante. E agora, o retorno aos palcos tem sido cada vez mais maravilhoso. Eu tava com muita saudade do palco, e acho que o público tava com saudades de se ver, de celebrar, de cantar junto. Eu lancei o disco na pandemia, então eu precisava muito ver as pessoas cantando as músicas. Espero que tudo dê certo para que a gente continue cantando juntos.

 

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*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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