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Escolas focam na saúde psíquica de docentes e alunos

Prejuízos pedagógicos e emocionais sofridos na pandemia têm exigido mais atenção ou mudança de abordagem

Publicado domingo, 02 de janeiro de 2022 às 08:32 h | Atualizado em 02/01/2022, 10:43 | Autor: Priscila Dórea

Ansiedade, medo e um toque de anti-socialidade. Os prejuízos pedagógicos e emocionais sofridos pelos estudantes na pandemia têm exigido que as escolas foquem no desenvolvimento socioemocional de seu corpo docente. Muitas escolas já seguiam essa linha educacional e agora em 2022, lidando com as sequelas de uma pandemia que ainda não teve seu fim, a educação socioemocional terá um papel essencial na volta às aulas.

“Aprendizagem só funciona de verdade com afetividade, não basta o professor passar seu conhecimento. É preciso ter respeito, incentivar os estudantes e os deixar confortáveis no ambiente escolar. A pandemia fez os mais novos regredirem, e eles têm buscado muito colo e estão com medo de perder os pais, enquanto os mais velhos estão ansiosos e até mesmo com princípio de depressão”, explica a orientadora da educação infantil do Colégio Montessoriano, Ana Cleide Almeida.

A preocupação com o socioemocional é antiga no colégio, afirma a orientadora, e as ações, que acontecem durante todo o ano escolar, têm início na primeira semana de aula. “Pensamos na volta às aulas com muito carinho, para que eles se sintam confortáveis e queiram voltar todos os dias. A nossa recepção é repleta de atividades e conversas que envolvem todo o corpo escolar, onde apresentamos professores e funcionários do colégio, criamos dinâmicas para que os alunos interajam entre si e tenham uma ideia de como será o novo ano escolar”.

Modalidades

Os irmãos Dandara Silva de 10 anos (5º ano do fundamental) e José Silva de 15 anos (1º ano do ensino médio) são alunos do Montessoriano, e a mãe deles, a contadora Valdirene Silva, explica que, enquanto o mais velho se adaptou rapidamente às aulas online e não queria voltar às aulas presenciais em 2021 - ou mesmo sair muito de casa por medo do vírus -, a filha mais nova demorou a se acostumar e não via a hora de poder voltar a ter aulas em uma sala com os amigos.

“É preciso atenção a esse retorno, porque alguns podem estar empolgados em ver os amigos, mas o vírus ainda está aí. Enquanto outros precisam desse apoio para se sentirem seguros dentro da escola. As crianças, de modo geral, sofreram muito com esse isolamento, desaprendendo a lidar com os outros e se tornando até mesmo individualistas, então, todo o apoio que eles tenham é bem vindo”, explica a contadora.

Mãe de Victor Chagas, de 5 anos, do grupo 5 do ensino infantil do Montessoriano, a nutricionista Priscila Chagas conta que o filho se adaptou bem ao ensino remoto e decidiu deixar ele na modalidade mesmo quando as aulas presenciais voltaram. Victor só demonstrou alguma resistência às aulas no final de 2021. "O colégio convidou os pais a participarem de alguns workshops, e naquelas reuniões pude perceber que outros pais estavam passando por determinadas situações que eram parecidas com as minhas e isso me confortou. Houve muita troca de informações, tanto com os pais, quanto com a própria professora dele, que também é psicopedagoga. Então, pude encontrar a melhor forma de lidar com os anseios dele", conta.

Nutricionista Priscila Chagas e o filho Victor Chagas, do grupo 5 do Montessoriano
Nutricionista Priscila Chagas e o filho Victor Chagas, do grupo 5 do Montessoriano |  Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE
 

Adaptação

Aluna do 6º ano do fundamental, Ana Laura Salomão, 10 anos, também se adaptou bem ao ensino remoto. A dificuldade maior, afirma sua mãe, a artesã e empreendedora Cássia Lima Salomão, foi para ela mesma, tendo que conciliar casa, atividades escolares em dois turnos, home office e um bebê recém-nascido. “Não foi fácil, mas conseguimos. E a escola teve um papel fundamental nisso, pois rapidamente a instituição se adaptou ao novo modelo e, com muita paciência, competência e uma assistência espetacular às famílias, especialmente aos alunos, fez a transição para o ensino híbrido de forma primorosa”.

 O papel da escola é muito maior do que a mera transmissão de conteúdo, afirma o diretor financeiro do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Bahia (Sinepe), Jorge Tadeu Coelho. “Educar é lidar com todo o processo de desenvolvimento da pessoa, seu emocional e a forma como lida com as coisas. Antes as escolas se concentravam muito no conteúdo, trabalhar com o emocional dos alunos é algo recente. As instituições de ensino são um local privilegiado, já que as crianças passam muito tempo nelas”.

Quando se trata do socioemocional, afirma a coordenadora do pilar de inteligência emocional do Colégio Perfil, Fabiana Maynart acredita que o essencial é ter um trabalho preventivo. “Por isso que no Perfil, além das aulas na grade curricular como componente, desenvolve ações fora da sala de aula. Além de buscar sempre dialogar com alunos e professores, todos os eventos que ocorrem no colégio têm intenção pedagógica e/ou socioemocional”.

A orientadora e psicopedagoga do Colégio Vitória Régia, Solange Argollo lembra que a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz a importância de um desenvolvimento integral do indivíduo, que deve pensar no cognitivo e no emocional dos alunos. “Não podemos desassociar uma coisa da outra, porque aprender a lidar com o emocional favorece a aprendizagem, dando ferramentas para que o estudante reflita sobre valores, aprenda a ter empatia e a cuidar de si próprio. Gerir as emoções é uma demanda antiga, mas que se tornou essencial na pandemia. É preciso observar os estudantes, os ouvir e desenvolver tudo isso com eles”.

Ampliação

A professora de redação do 2º ao 5º ano do Vitória Régia, Marselia Almeida, que também tem a filha, Anna Beatriz Almeida, 15 anos, matriculada no 1º ano do ensino médio do colégio, explica que apesar da instituição ter uma disciplina dedicada a educação socioemocional, todos os professores aplicam o assunto em suas aulas. “Nós buscamos refletir sobre as ações no dia a dia para que eles visualizem como podem aplicar o que aprendem fora da escola. Eles ajudam e aconselham os outros, e isso, além de enriquecer a aula, contribui para que eles criem consciência social e levem isso para toda a vida”.

A empreendedora Cássia Lima com a filha Ana Laura
A empreendedora Cássia Lima com a filha Ana Laura |  Foto: Divulgação
 

Sindicalista alerta para atenção ao acolhimento

Oferecer atenção extra à educação socioemocional para os estudantes da rede pública municipal e estadual de ensino da Bahia entrou em 2022 como uma das pautas importantes da próxima volta às aulas. 

Coordenador-geral da APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia. (APLB-BA), Rui Oliveira, afirma que tem levado aos dirigentes municipais e a Secretaria de Educação (SEC) essa necessidade de criar uma ação de acolhimento para os estudantes da rede pública.

“Não são apenas os pais que estão com medo de deixar os filhos nas escolas, os próprios estudantes estão com receio e tendo crises de ansiedade. Houve um laço temporal de dois anos entre os alunos da rede pública e as escolas e isso envolve principalmente o lado pedagógico, mas não apenas ele. Nosso objetivo é oferecer ao menos uma semana para que esses alunos conversem com psicopedagogos, psicólogos e psiquiatras antes do próximo período escolar iniciar, para que se sintam seguros no ambiente escolar”, explica.

O coordenador-geral afirma que desde que as aulas foram gradualmente sendo retomadas e as metodologias de ensino foram, por consequência, se moldando às novas realidades em 2021, não só os alunos sofreram com essa adaptação necessária e forçada, mas também os professores. “Não havia uma metodologia em si, tudo estava só se adaptando à medida que as mudanças ocorriam e isso vale tanto para o lado pedagógico quanto o emocional. Agora em 2022 temos que buscar formas de cuidar dos dois”.

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