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Novas gerações fogem de plano de carreira linear

Multicarreira é tendência na vida profissional de várias pessoas que desejam trabalhar com atividades diversas

Publicado domingo, 06 de fevereiro de 2022 às 06:03 h | Autor: Leonardo Lima*

Para a geração que tem ingressado no mercado de trabalho nos últimos anos, escolher uma única profissão e investir nela durante toda a vida parece não fazer mais tanto sentido como há alguns anos atrás. Por conta disso, a multicarreira é uma tendência na vida profissional de várias pessoas que desejam trabalhar com atividades de diversos segmentos que se conectem aos seus objetivos de vida.

Mesmo com outros fatores, este é um movimento bastante geracional. O psicólogo e especialista em orientação de carreira, Giuliano Gallindo, explica que a idade de quem escolhe esse modelo de multicarreira pode ser uma explicação:

“A geração atual é mais multicarreira, enxergou o mercado de trabalho inchar e cada vez mais cedo busca por uma autonomia financeira. Então eles entram no mercado com alguma prática profissional e experiência diferente daquela que acabam estudando".
 

Mas Giuliano contextualiza que, mesmo com o fator geracional, parte do fenômeno da multicarreira “começou a ganhar força no Brasil junto com a precarização do trabalho. Pessoas com aumento de custo de vida buscaram novas possibilidades e perceberam que o trabalho informal que faziam gerava uma renda tão boa ou melhor do que a de sua formação”, diz.

Ele sinaliza que há um aumento no número de pessoas que realizam trabalhos informais paralelos. E isso seja vendendo e produzindo algo em áreas similares entre si, ou em áreas diferentes, como uma forma de distração e de renda ao mesmo tempo. O especialista diz que esses trabalhos informais podem aparecer principalmente por dúvidas sobre até que ponto ter uma profissão fixa basta para garantir estabilidade.

Com 29 anos, Mariane Porto é uma das pessoas que decidiu investir em várias carreiras e conta que todas elas cumprem um objetivo importante na sua vida. Seu primeiro CNPJ foi há dez anos, quando ela criou a empresa JG Tecnologia e Informática, com foco na área de TI. Essa foi uma forma que ela encontrou de empreender logo cedo.

Hoje Mariane exerce ao todo três profissões. Além de CEO da empresa de TI, ela é cirurgiã dentista na Clínica Spazio Concept e também é criadora de conteúdo digital. “Eu me considero uma pessoa muito ativa, gosto de estar em um ambiente e aproveitar aquilo. Vi uma oportunidade de conciliar meu trabalho com estudo, então fui fazer odontologia e na internet criei conteúdo compartilhando dicas enquanto estudante”, conta.

Seu perfil no Instagram tem mais de 13 mil seguidores e Mariane realiza parcerias com várias marcas e outras empresas para divulgação em suas redes. “Tem gente que se fecha para uma coisa para o resto da vida, mas o mundo está mudando e a gente precisa se adaptar a essas mudanças. Sou privilegiada de viver essas experiências e super recomendo para qualquer pessoa que queira viver novidades”.

No início, mesmo que satisfeita, ela conta que foi difícil, até pela dificuldade de seus amigos e familiares em entender essas várias áreas profissionais em sua vida. “É um desafio enorme conseguir conciliar muitas atividades, precisa ter jogo de cintura para saber o que vão exigir de você. As pessoas acham que focamos no resultado financeiro, mas vai muito além disso. É uma questão de propósito, eu sentia que podia e queria entregar mais”, explica Mariane.

Tárik é social media e investe na carreira de cantor
Tárik é social media e investe na carreira de cantor |  Foto: Ton Shübber
 

Estável e flexível

De acordo com a pesquisa Re:Trabalho realizada pelas empresas Tera e Scoop&Co com dados de todas as regiões do Brasil, 70% das pessoas desejam uma carreira alinhada a seus interesses de vida. A pesquisa também aponta que 61% consideram a combinação de trabalho fixo com freelancer o modelo de trabalho ideal, e é justamente essa combinação entre estabilidade e flexibilidade que tem despertado o interesse de várias pessoas para o formato.

Leandro Herrera, CEO e fundador da Tera, explica o que tem acontecido: “O desenvolvimento de novas soluções tem exigido habilidades mais transversais, temos visto mais pessoas exercendo funções que em nada ou muito pouco estão relacionadas com suas áreas de formação. As empresas tradicionais buscam adaptação a esse mercado e a esse novo perfil”, indica.

Um outro dado que a pesquisa também levanta é o de que 62% das pessoas consideram que aprender novas habilidades e competências é um dos principais motivos para decidir mudar de carreira. De acordo com Leandro, nesse novo cenário, “mais do que saber fazer as coisas tecnicamente ou conhecer as ferramentas, as pessoas têm buscado novas formas de pensar problemas e relacioná-los às nossas atribuições”.

Outra pessoa multicarreira é Tárik Lira, 24, que além de estudante universitário e social media em uma startup de saúde, também investe em sua carreira de cantor e compositor, com alguns shows e músicas lançadas. “Grande parte dos anos eu passei me dedicando a coisas diferentes que não dialogavam entre si. Pelo menos para mim, ser multicarreira não foi um dilema, acredito que ambos os trabalhos são minha tradução e diálogo com o mundo e estão ligados com meu propósito”.

“Eu enxergo a questão da multicarreira como uma expansão de experiências, onde se pode agregar conhecimentos de diversas áreas da vida em seu caminho profissional. No meu caso, a multicarreira é uma ponte para que, no futuro, eu consiga ter esses caminhos estruturados como um só”, conta Tárik.

Ele acredita que mesmo em áreas aparentemente distintas, é possível achar pontos de encontro entre as atividades para ir acrescentando e aprimorando. “O meu trabalho como social media conversa com a minha carreira de cantor justamente pela necessidade de hoje do artista precisar dessa visão estratégica sobre sua comunicação e a mensagem que quer passar”, ressalta o cantor e social media. 

Mas, para quem acaba se tornando multicarreira, alguns pontos de atenção costumam aparecer: “Sem dúvidas a sobrecarga e a dificuldade de gestão de tempo são os principais desafios”, diz Tárik. Ele comenta que, dentre os questionamentos e dúvidas internas que podem surgir, o foco em várias carreiras geralmente é atribuído como a justificativa para um problema na vida profissional, o que não necessariamente é verdade, por isso é preciso estar atento.

Mas, mesmo em quem se dedica a mais de uma profissão ou modelo de trabalho, Giuliano, o especialista em orientação de carreira, instrui que em qualquer trabalho é necessário tempo para crescer e amadurecer. Dentro do mercado formal, a dica que ele dá é a de “ir ganhando confiança na sua área até assumir cargos maiores”.

“Já no trabalho informal vai ter o desafio de formação de clientela para depois atingir a estabilidade”, fala Giuliano. A diferença central em relação a esse formato de trabalho é que, por não ter um salário fixo, no início pode haver mais dificuldade dos gastos, e por isso é bom se planejar para não acabar prejudicado.

*Sob supervisão da editora Cassandra Barteló

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