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A Olimpíada foi deslumbrante, mas nem todo mundo foi seduzido

Publicado domingo, 24 de agosto de 2008 às 06:43 h | Autor: Agência Reuters

Foi uma coreografia intrincada na demonstração de força, modernidade, dinheiro, esportes e arquitetura. A Olimpíada na China deslumbrou o mundo, com um exercício de relações públicas ao custo de 43 bilhões de dólares, em escala jamais vista.

Atletas mostraram maravilhas em locais elevados ao status de arte, visitantes receberam o calor das boas-vindas e os telespectadores ficaram atônitos com a imagem de uma China cosmopolita e sofisticada.

O esporte dominou a agenda e a China chegou ao topo do quadro de medalhas. As preocupações com violações aos direitos humanos foram colocadas de lado e as nuvens de poluição se dissiparam.

E, no entanto, nem todo mundo foi seduzido.

Situações dissonantes soaram para estragar a sinfonia, disseram críticos, se você prestar atenção.

"A marca China passou por um destacado trabalho de repaginação de si mesma, com a ajuda da mídia norte-americana", disse Eli Portnoy, consultor de marcas. "A vasta maioria de norte-americanos já foi capturada na cerimônia de abertura."

"Algo que teria levado quatro ou cinco anos, eles fizeram em 17 dias", disse o consultor norte-americano.

A decisão de entregar a Olimpíada à China foi bem controversa. Em determinado ponto até parecia desastrosa.

Agitações surgiram no Tibete -- e prontamente também provocaram uma reação massiva --, com líderes mundiais ameaçando boicotar a cerimônia de abertura e atletas reclamando que iriam ser asfixiados pela poluição de Pequim.

Holofotes se acenderam sobre a China, e o mundo pareceu não gostar do que viu. Mas, ainda assim, quando os Jogos foram abertos, o entusiasmo tomou conta.

O ar literalmente clareou -- as medidas para fechar fábricas e manter carros fora de circulação ajudam a capital a conseguir sua atmosfera mais limpa em uma década.

Em abril, 43 por cento dos norte-americanos pensavam que uma Olimpíada na China não tinha sido uma boa idéia, como detectou a empresa de pesquisas Pew Global, enquanto praticamente o mesmo número aprovava. Com poucos dias de Jogos, a opinião pública tinha mudado em favor da China -- a maioria, mesmo pelo mínimo, agora aprovava e 31 por cento diziam que a Olimpíada na China tinha sido uma má idéia.

Maravilhados, mas não seduzidos - Apesar do deslumbramento, no entanto, nem todo mundo se convenceu pela imagem repaginada da China.

Portnoy diz que se sentiu incomodado com a cobertura positiva que os Jogos receberam das redes de tevê nos Estados Unidos, especialmente da NBC, a detentora exclusiva dos direitos de transmissão.

Mesmo quando houve o ataque e o assassinato do sogro do técnico da equipe masculina de vôlei dos Estados Unidos, a mídia norte-americana não deu tanta dimensão à morte, disseram analistas.

"A NBC tem uma tonelada de dinheiro investido, a publicidade tem uma tonelada de dinheiro investido", disse Portnoy. "Eles não querem nenhuma mancha vindo à tona. São muitos milhões em jogo e todo mundo coloca a mão no caixa."

A mídia impressa talvez tenha perdoado menos. Os protestos foram sufocados.

A aparição dos soldados em passo de ganso carregando a bandeira olímpica feriu algumas suscetibilidades na cerimônia de abertura.

Mas o público foi mais fortemente tocado quando revelou-se que a garotinha da canção-chave da cerimônia de abertura dublou a verdadeira cantora porque esta não era bonita o suficiente.

Então, a admissão dos chineses de que as crianças em trajes típicos, não eram exatamente das etnias representadas balançou relações desses grupos com o governo.

O jornal britânico Financial Times disse que as controvérsias minaram a imagem da moderna, dinâmica China, e reforçou a percepção do governo de Pequim como de "excêntricos no controle".

Em favor dos organizadores da Olimpíada, autoridades liberaram três parques ao redor de Pequim para servirem como locais oficiais de protestos.

Infelizmente, não foram liberadas as 77 licenças solicitadas para os protestos. Duas senhoras de mais de 70 anos, foram sentenciadas a uma ano de pena por insistir em seu pedido para o protesto. Pela idade, permitiu-se que fossem designadas para cumprir a sentença fora de um campo de reeducação.

Em editorial no sábado, o New York Times criticou a "Má-Fé Olímpica" de Pequim e disse que a medalha de ouro final -- "pela administração da imagem autoritária" -- deveria ser entregue à liderança do Partido Comunista chinês.

"Pequim conseguiu o que queria com esse espetáculo globalmente televisionado. Conseguiu um imenso período de bonança com prestígio que certamente irá promover sua influência internacional e, tememos, fortalecer suas garras em casa", disse o jornal. "E colocou tudo isso no bolso sem oferecer nenhuma concessão em troca."

Em Washington, Sophie Richardson, diretora para a Ásia da Human Rights Watch (organização que "vigia" problemas com violação de direitos humanos), também se mostrava realista.

"A imagem que as pessoas receberam, globalmente, foi de atletas incríveis, arquitetura impressionante -- e um governo que dá arrepios."

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