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06/02/2023 às 9:00 - há XX semanas | Autor: Joaquim Araújo Filho*

MUITO

Três artistas baianos entre utopias e distopias

Utopias e Distopias é o título da mais recente exposição coletiva de artes visuais apresentada no MAM

Obra faz parte da exposição
Obra faz parte da exposição -

Utopias e Distopias é o título da mais recente exposição coletiva de artes visuais apresentada no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM/BA). Ela faz parte de uma tríade iniciada com O Museu de Dona Lina, seguida por Encruzilhada, mostras que ocorreram entre 2021 e 2022.

A primeira delas buscou um diálogo entre a arte “erudita” e a “popular”, com as devidas ressalvas que devemos ter acerca dessas termologias, visto que a compreensão de culturas na contemporaneidade provocou um esmaecimento entre seus contornos limítrofes. Onde elas começam e terminam?

Simultaneamente, a mostra trouxe o protagonismo da arquiteta Lina Bo Bardi, a primeira diretora do MAM/BA, cujo interesse nas culturas populares resultou numa formidável coleção, hoje nesse museu depositada.

Ao passo que Encruzilhada aproximou o acervo moderno e contemporâneo do museu ao legado africano no Brasil, justapondo-se com a Coleção de Arte Africana Claudio Masella do Estado da Bahia e, dessa forma, trouxe novas abordagens e reflexões acerca de discursos hegemônicos e hierarquizados ainda recorrentes em instituições museais.

Completando a tríade, em Utopias e Distopias, com curadoria de Daniel Rangel, há uma revisão da historicidade da arte brasileira através do acervo do MAM Bahia e de outras obras emprestadas.

O fio narrativo perpassa pela própria história política e social do país, construída entre utopias e distopias: da imigração europeia do pós-guerra, momento que Lina desembarca no Brasil; passando pelo período do regime militar, com o cerceamento às artes; pela redemocratização nas últimas décadas do século 20, com o florescimento cultural de novos protagonismos; até as dissonâncias do mundo contemporâneo fragmentado.

As obras não são apresentadas cronologicamente, mas intercaladas entre si por similitudes e, assim, ao conectar passado com presente, projeta o futuro, pois a arte sempre desafia o tempo.

A ambiciosa mostra traz mais de 100 artistas majoritariamente brasileiros e ocupa os dois andares do casarão principal, como também o espaço da capela e seu mezanino. Proponho aqui nessa análise evocar, deliberadamente, três artistas baianos negros de diferentes gerações que estão apresentados na mostra: Rubem Valentim, Pedro Marighella e Augusto Leal.

Autodidata

Rubem Valentim (1922-1991) iniciou de forma autodidata sua produção artística na década de 1940, tornando-se um dos expoentes do movimento de arte moderna baiana. Nos idos de 1950, o artista enveredou pelas pesquisas relacionadas às religiões de matrizes africanas (ele era Obá do Ilê Axé Opô Afonjá), refletindo posteriormente na sua obra.

Em 1966, e participou do Festival Mundial de Artes Negras em Dacar, Senegal, importante festival que buscava reposicionar a arte africana e afrodiaspórica a partir do continente africano. Duas pinturas em óleo sobre tela, Emblemático 78 e Emblemático 79, dos referidos anos, estão inseridas na mostra do MAM Bahia.

Observa-se nelas a evidente relação imagética com os símbolos e ferramentas dos Orixás, como os abebês, os paxorôs, os oxês. Sem dúvida, a Bahia e sua exuberância cultural popular foram o esteio maior de sua poética visual, sintetizada entre a modernidade construtiva e as tradições afro-brasileiras. Sua estrutura é simétrica e, sobretudo nas esculturas, quase totêmica. Ele próprio definiu sua linguagem como “plástico-visual-signográfica”, profundamente ligada a valores da cultura “mestiça-animista-fetichista”.

Embora não pertencesse a nenhuma corrente artística, o vigoroso abstracionismo geométrico da sua obra ajudou a sedimentar o movimento concretista brasileiro. Ainda que os anos 1970 fossem de incertezas políticas, sua obra carrega um certo otimismo, uma certa utopia de um Brasil que poderia dar certo, reconectando-se à amálgama de suas culturas.

Pedro Marighella é formado em Artes Plásticas (Ufba) e, desde o início dos anos 2000, tem participado de importantes exposições coletivas em Salvador, São Paulo e Recife, com residências em Madri e Milão. Sua primeira individual foi em 2010.

Ele participa da mostra com uma pintura da série Templo (2019), 170 x 375 cm, tinta acrílica sobre lona, num processo que parte da fotografia digital. A obra retrata a dançarina Acácia oliveira do grupo de dança Ballet Puro Swing,

O ponto de partida dessa série do artista são as esfuziantes danças e coreografias produzidas por grupos de jovens em festas populares da cidade ou postadas em redes sociais. A moça retratada parece convidar o observador a entrar no inebriante ritmo da música, a cair na “swingueira”. Swingueira são celebrações de música e dança praticada em sua maioria por jovens, negros e periféricos, muitas vezes como únicas fontes de diversão.

A obra reproduz essa catarse coletiva, mas também nela está contida uma certa inquietude. Como é possível tanta celebração e alegria num contexto tão racista, desprovido de políticas públicas, com a presença de um aparato policial que dizima tantos jovens negros? A arte de Marighella traz essas reflexões. Talvez ao subverter a realidade distópica possa haver chances de um sonho utópico.

Augusto Leal é de uma geração ainda mais jovem. Mestre em Artes Visuais (Ufba), começou a participar de exposições coletivas em 2010, com design industrial, ampliando seus interesses para a arte. O artista é natural do município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, cujos índices de violência estão entre os mais altos no país.

Além disso, é quase que desprovido de equipamentos culturais. É a partir dessa sua realidade e vivência que sua arte traz tensionamentos geopolíticos e sociais.

Sua obra apresentada na mostra, Gangorra (2020), é uma instalação em madeira e metal, em forma de gangorra, com a palavra “poder” escrita no centro, inicialmente fixada numa praça pública onde as crianças podiam nela brincar. Ele acredita que a arte tem o poder social de transformação, daí sente necessidade de tornar sua instalação urbana o mais acessível possível, para que as pessoas possam nela participar e a partir dela estabelecer diálogos e reflexões. E assim, talvez, possamos estabelecer novas formas de se relacionar com o ambiente e a cidade, e quiçá construir utopias possíveis para o futuro.

Acervo de Dona Lina

Com a finalização da exposição O Museu de Dona Lina, o MAM e a Secretaria de Cultura buscaram uma reparação histórica para o acervo de arte popular reunido por Lina Bo Bardi.

Tal acervo ficou muito tempo guardado na Fundação Cultural da Bahia, foi posteriormente exposto na Galeria do Solar do Ferrão, equipamento cultural do estado, onde ficou por cerca de 10 anos até o período pandêmico.

Desde então, foi recolocado no MAM, inicialmente para participar da exposição de curta duração, e agora de forma permanente e dinâmica, na exposição Reminiscências: Museu de Arte Popular, que ocupa o Espaço Lina próximo ao galpão das oficinais de artes.

O movimento traz um protagonismo para essa tipologia de acervos, que por muito tempo foram vistos como “arte menor”. A expografia faz jus ao pensamento original de Bo Bardi, inspirado em feiras livres populares.

Assim, são expostos uma profusão de objetos desde grandes carrancas em madeira, jarras e potes de cerâmica, ex-votos em madeira, insígnias e adereços de orixás em metal, até figuras e personagens em argila.

Importante resgatar esses ofícios e saberes populares, visto que são os grandes vetores da tradição oral, quase sempre carregado de caráter sagrado. A arte popular é a expressão material composta de crenças, costumes e festas de um grupo social, e está em constante processo de recriação.

Historicamente, a arte popular foi posta à margem da cultura elitizada. Assim, devemos também compreendê-la como uma forma de resistência à ideologia dominante ou como fruto da própria dominação, reproduzindo simbolicamente as relações de poder vigentes na sociedade.

Como grande parte das peças não tem autoria conhecida, acredito que o museu ainda tem um desafio hercúleo de pesquisa para tentar tirar esses artistas do anonimato. Não é uma tarefa fácil, mas essencial para o efetivo resgate social desse acervo.

*Museólogo e doutorando em Estudos Étnicos e Africanos (Ufba)

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