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02/07/2023 às 6:20 • Atualizada em 02/07/2023 às 7:29 - há XX semanas | Autor: Priscila Dórea

ENCANTADOS DA FESTA

Caboclo e Cabocla carregam histórias, misticismo e beleza

Para além de representarem a luta popular na Independência, personagens são cultuados com devoção

José Dirson Argolo, mestre do restauro, restaurando a armadura do Caboclo na Lapinha
José Dirson Argolo, mestre do restauro, restaurando a armadura do Caboclo na Lapinha -

Carregados de histórias, resistência, misticismo e fé – além de beleza! –, o Caboclo e a Cabocla não são apenas as grandes estrelas do Desfile ao Dois de Julho. Eles são os Encantados que enquanto desfilam são ovacionados, homenageados e, por que não?, venerados: muitos se aproximam apenas para tocar neles, outros deixam bilhetes aos seus pés com pedidos e agradecimentos, enquanto outros tantos deixam presentes - flores, frutas, diversos objetos -, e ainda há aqueles que, em silêncio ou não, rezam aos seus pés.

“Quando pequena, tudo era festa, porque o que me encantava nos Caboclos no Desfile ao Dois de Julho eram os trajes indígenas, mas eu entendia que precisava fazer pedidos a eles, então deixava bilhetinhos pedindo para passar de ano na escola. Na adolescência, entendi a importância deles no fato de eu ter o direito de estar ali celebrando uma vitória enquanto criança e mulher negra, e comecei a levar presentes, como maçãs ou cachos de uva”, conta a jornalista e produtora de conteúdo digital para escritores, Patrícia Bernardes.

Foi na fase adulta que Patrícia se deu conta da real importância da história em meio a presença dos Caboclos e do próprio desfile, assim como de outras personalidades históricas. Porém, quem ela incorporou na própria vida foi Maria Felipa, para ela, o reflexo de tudo que acredita, relacionado aos Caboclos. “Foi nessa fase adulta que eu passei a fazer pedidos espiritualmente. E como filha de Oxum, trago toda essa ancestralidade de uma Cabocla (...), que é o prospecto da cura, da resistência, da doação e de como se fazer libertar através da própria cultura”, afirma.

O Caboclo é um Encantado que ganha conexões cívicas e religiosas, e não há como separar em categorias, explica a jornalista, doutora em antropologia, autora da coluna A TARDE Memória e a apresentadora do REC A TARDE, Cleidiana Ramos. A devoção ao Caboclo e a Cabocla extrapola o pertencimento religioso, e no cortejo você vê as pessoas murmurando com as mãos nos carros, - geralmente quando eles estão estacionados no caramanchão onde o acesso é mais tranquilo -, e se você se aproxima, afirma a jornalista, raramente alguém te conta a conversa ou o teor do bilhete.

“É uma devoção sem intermediação de hierarquia ou ortodoxia religiosa. É muito misturado e isso faz tudo ainda mais bonito. Quem tem fé nesse poder, não vai fazer raciocínio complexo de separação. É acreditar que ele pode curar a dor imediata e isso independe de ser católico praticante, espírita, candomblecista ou até um materialista mágico. O Caboclo está ali para resolver as causas impossíveis, geralmente quando já se tentou de tudo. E isso é feito na discrição, no silêncio, no diálogo entre o devoto e ele ou ela. É a intimidade da conversa com o mais velho e que só interessa a quem está envolvido”, explica.

Demonstrações de devoção encantam até aos que vão apenas assistir ao desfile com a família, como é o caso do operador de máquinas Josevã Reis. “Moro perto da Lapinha, mas não é todo ano que consigo acompanhar o desfile. (...) é essa fé que as pessoas trazem para a festa que torna tudo muito bonito de ver, e isso para mim é muito a cara da Bahia”, afirma.

Expressões de fé

Pedidos de casamento, aquisição de casa, carro, terreno, cura de doença… assim como agradecimentos por pedidos já atendidos. O professor e restaurador de obras de arte, José Dirson Argolo, já viu um pouco de tudo entre os pedidos deixados nos carros dos Caboclos nos últimos 26 anos. Ele e sua equipe são os responsáveis pela restauração do Caboclo, da Cabocla e seus carros. “Já aconteceu, por exemplo, de uma pessoa que teve o seu pedido de conseguir uma casa atendido, e (...) ela trouxe a maquete de uma casinha para deixar nos pés do Caboclo”, conta.

Um marcante e antigo bilhete, lembra José Dirson, dizia: Senhor Caboclo, só vós podeis arranjar um marido para minha filha, que se encontra encalhada a quase 20 anos. “Não sei se nesse caso o Caboclo atendeu, mas espero que sim”. A própria ligação de José Dirson com os caboclos, embora não seja religiosa, é muito forte. “Restauro-os há 26 anos, então desenvolvi certa amizade por eles e esse culto que a população tem pelos caboclos não deixou de me impregnar também. Então é muito emocionante quando estou fazendo a restauração, pois pessoas de todas as idades se aproximam e perguntam se podem chegar perto e tocar neles”, conta.

Neste Bicentenário, no entanto, isso não aconteceu, pois pela primeira vez José Dirson pôde restaurar as duas estátuas em seu atelier. Em todos os anos anteriores ele realizava seu trabalho no lugar de descanso do Caboclo e da Cabocla, o Pavilhão da Lapinha. O motivo da mudança foi a reforma do espaço, inaugurado ontem como Memorial ao Dois de Julho, e ficará aberto o ano todo para visitação. Moradora do entorno e proprietária da loja de decoração de festas Lyss Decor (@lyssdecor), o negócio de Lissandra Maria de Assis Costa é vizinho do Pavilhão, espaço que, ela afirma, já estava na hora de ser aberto ao público.

“As pessoas realmente gostam do Desfile do Dois de Julho e isso acontece muito por causa dos Caboclos. É muito comum que as pessoas tirem fotos na frente do pavilhão, pois sabem que os dois estão lá dentro. Muitos jovens, e principalmente turistas, passam aqui na loja perguntando se o Pavilhão não abre em algum momento. As pessoas querem ver os Caboclos para além do desfile, então acho muito importante existir esse acesso a eles, porque será uma nova forma das pessoas verem e entenderem essa festa”, afirma a empreendedora.

O simbolismo de cada detalhe no desfile

A criação da estátua do Caboclo, é provável, foi a primeira vez que um indígena foi esculpido e projetado em uma obra como representante da nacionalidade brasileira, estima o professor e restaurador de obras de arte, José Dirson Argolo.

“Ele representa o herói brasileiro, o nativo brasileiro que, com uma lança, fere o dragão que simboliza os portugueses vencidos. Todo o carro dele é cheio de simbologias: as rodas são de carroças originais que levaram canhões para a guerra e na frente há dois anjos anunciando a vitória, além da armadura, que é colocada à frente da figura do Caboclo como uma espécie de troféu de guerra”, conta.

José Dirson e seu atelier têm sido o responsáveis pela restauração do enorme monumento do Caboclo na praça Dois de Julho (Campo Grande), assim como a imponente estátua de Maria Quitéria, na Soledade, e conta que nenhum deles tem o mesmo apelo popular que os Caboclos. “Toda a atenção do Dois de Julho, das pessoas ou mesmo da mídia, se concentra bastante nos Caboclos. O cortejo é extenso e cheio de atrações, mas eles abrem o Desfile e são as grandes estrelas”.

E quem também dá uma atenção especial aos Caboclos este ano é o artista visual, restaurador de obras de arte, professor, tatuador e de Umbanda, Jackson Santos, que faz parte da equipe de José Dirson. A última vez que ele foi ao desfile tinha apenas 5 anos, mas por inúmeros motivos, ficou 40 anos sem acompanhar o cortejo.

E este ano, finalmente, e junto à família, Jackson assiste os Caboclos desfilarem outra vez.

“É um ano especial de diversas formas e tudo conspirou para essa minha ‘volta’: além de ser o bicentenário da Independência, essa é a primeira vez que participei diretamente da restauração dos Caboclos, e além disso é um ano muito bom, pois ele possui o número da data de meu aniversário, 23. Minha ligação com os Caboclos é muito direta também, pois sou de Umbanda, de Oxóssi, e cultuamos muito o Caboclo. Estou ansioso para o desfile e acho que neste vou até deixar um bilhete aos pés dele”, conta o artista.

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