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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos

ACERVO DA COLUNA
Publicado Saturday, 15 de October de 2022 às 6:00 h | Autor:

Anúncios dão dimensão de hábitos culturais e de consumo em Salvador

Na primeira edição de A TARDE, as páginas dois e quatro trouxeram anúncios publicitários

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Textos longos marcaram anúncios na primeira edição de A TARDE
Textos longos marcaram anúncios na primeira edição de A TARDE -

O jornalismo e a publicidade, duas áreas da comunicação social, têm uma relação antiga. Os anúncios começaram a ser publicados em jornais brasileiros a partir do século XIX. Na primeira edição de A TARDE, que circulou em 15 de outubro de 1912, a última página foi reservada para cerca de 20 peças de publicidade com chamadas para produtos e serviços variados, como horários de saídas de embarcação e gêneros alimentícios.

“Germano F. de Assis Dantas- 8-Rua Conselheiro Dantas- 8- Grande Emporio de generos alimentícios-Conservas- Nacionaes, Francezas, Alemães e Inglezas dos melhores fabricantes. Vinhos finíssimos para mesa e sobremesa- Licores finíssimos Nacionaes e Francezes-Champagnes das melhores marcas- Casa especialista em fructas e fornecimento para casas particulares, collegios, pensões, barcaças, navios etc. etc. Preços sem competidores”, promete um dos anúncios.

Os produtos oferecidos por Germano F. de Assis Dantas estão próximos dos que compõem os estoques das modernas delicatessens. Pelas ofertas listadas pode-se imaginar a potencialidade de fazer um jantar com a inclusão de produtos importados, por exemplo. É pena que não há informação sobre os preços.

A oferta dos serviços da Navegação Bahiana incluiu horários e dias da semana de partidas de embarcações para Valença e Taperoá, Cachoeira, Nazaré e Santo Amaro e a informação da programação de retorno para Salvador. Em outros trechos do anúncio aparece a disponibilidade de paquetes para outros estados.

“O luxuoso paquete nacional- Bahia-Esperado do Rio de Janeiro com escala pela Victoria no dia 27 do corrente, seguirá no mesmo dia para Maceió, Recife, Natal, Ceará, Maranhão, Pará e Manaus. Recebe cargas e passageiros de 1ª, 2ª e 3ª classes”.

Há também a informação de que cancelamentos e despachos federais seriam aceitos apenas até a véspera da partida. A página tem também anúncios da Drogaria Brasil a partir de encomendas feitas na representação localizada em Salvador.

Guinle & Cia ofereceu serviço para a área de construção ou reforma. No anúncio há a informação de que a empresa dispõe de mão de obra em engenharia elétrica, mecânica e hidráulica.

“Uma análise dos anúncios dessa primeira edição de A TARDE indica que não houve uma mudança significativa nos serviços e produtos que são objetos da publicidade atual. Os anúncios feitos para os meios de comunicação atualmente têm volume em áreas como construção civil, o que ocorre no da Guinle & Cia, transportes, mas com a diferença de que em 1912 a ênfase era nos marítimos”, analisa Mirtes Santa Rosa, publicitária e especialista em Comunicação Estratégica e Gerenciamento de Marcas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom-Ufba).

A publicitária cita outros anúncios, como os de loterias. Na página há uma chamada para apostas via o sistema federal. “Isso é interessante, afinal, hoje, além dos sorteios regulamentados pela Caixa Econômica Federal, têm outras modalidades que inclusive usam o sistema oficial de sorteio, como as rifas. No futebol aumentaram muito os sites de apostas. O que há, portanto, é uma atualização das plataformas, linguagem e estética, mas os interesses parecem não ter mudado tanto”, destaca.

Mensagem restrita

Embora produtos e serviços apresentados pelos anunciantes na primeira edição de A TARDE não tenham uma distância muito grande em relação aos hábitos e interesses de consumo atuais, a mensagem veiculada nas peças possuía um alcance reduzido. Elas eram baseadas em textos.

“Os anúncios da edição têm grandes textos comparados ao que se faz hoje em dia. Isso reduz o alcance, afinal a leitura era para poucas pessoas no período. Além disso, a técnica não permite o uso de imagens, o que reduzia o uso de mensagens curtas e objetivas”, analisa Mirtes Santa Rosa.

De fato, no conjunto de anúncios da página, apenas quatro têm imagens. Destas, uma é uma espécie de logomarca na chamada da Navegação Bahiana. Outra é de um objeto que não é de fácil identificação e aplicada na publicidade da Casa Mozart que oferece, ironicamente, serviços de engenharia e desenho. Os dois mais visíveis são de peças que anunciam equipamentos técnicos: um é da máquina Underwood apontada como a melhor e mais aperfeiçoada no ramo. A informação complementar foi a de que as encomendas poderiam ser feitas com Guinle & Comp. A outra publicidade com imagem foi a da Casa Edson, que ofereceu gramofones, discos duplos, mas também máquinas de escrever. A empresa aproveitou para anunciar vagas para revendedores.

“É um período em que as agências de publicidade são uma raridade. Isso implicava, na maioria das vezes, em uma montagem de anúncios realizada pela própria equipe dos jornais. Estava-se ainda muito distante de critérios como um conceito de marca e da imagem unindo-se ao texto para transmitir melhor a ideia do produto ou serviço oferecido”, avalia Mirtes.

Esta observação pode ser percebida na distribuição dos anúncios pela página. Não há um padrão rígido na forma como eles são organizados. A principal meta ao que parece era aproveitar o máximo do espaço para acolher os anunciantes que procuravam divulgação. “Há anúncios na horizontal, aliás a maioria, mas alguns também na vertical”, aponta.

Censura e escravidão

No Brasil, a chegada da publicidade foi mais lenta do que na Europa, onde desde o século XVIII ela já se expandia. Foi o caso da Inglaterra. Na condição de colônia, o Brasil não tinha sequer autorização para a circulação de jornais. O periódico que é considerado o brasileiro pioneiro, o Correio Brasiliense – o atual em atividade no Distrito Federal é uma homenagem a ele –, era editado em Londres e chegava ao Brasil de navio, por um sistema de assinaturas, mas circulava de forma clandestina. O jornal não tinha anúncios.

O primeiro jornal brasileiro com anúncios foi a Gazeta do Rio de Janeiro, editado pela imprensa oficial, fundada com a chegada da família real em 1808. Mas o aumento de anúncios e serviços só cresceu em larga escala na segunda metade do século XIX. Com a tragédia da escravidão ocupando um lugar central na economia brasileira, o comércio de gente alimentava esse tipo de publicidade: anúncios de vendas, proveniência regional e denúncias de fuga. Esse tipo de anúncio foi tão disseminado que Gilberto Freyre escreveu o livro intitulado O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX.

Com o fim oficial da escravidão em 1888, os anúncios seguiram na linha do que conhecemos hoje como classificados. A partir do início do século XX e o aumento de títulos de jornais, empresas com mais visibilidade foram ocupando as páginas de anúncios.

Na primeira edição de A TARDE, por exemplo, já há uma indicação de uma tênue especialização, ou seja, o entendimento de quais produtos poderiam estar relacionados a um espaço de conteúdo jornalístico específico. A página dois trouxe a coluna “Mundanas e Sociaes” com destaque para notícias sobre aniversários, casamentos, dentre outros temas semelhantes. A página tem ainda notícias sobre esportes e atos do setor de justiça. Nela foram publicados três anúncios. O conteúdo foi sobre moda, cigarros e uma programação no Teatro São João que dialoga com uma novidade daquele período em Salvador: o cinema.

O anúncio era de uma atração programada para o Teatro São João, que ficava na hoje Praça Castro Alves: o filme A Tormenta, da Eclair, uma empresa francesa dedicada à produção cinematográfica. Informou-se que a produção seria exibida em duas partes. Ao final, como uma repetição da capacidade de inovação do Teatro São João, o anúncio destacou que no local sempre havia fitas novas com o fecho em um chamado enfático: “Ao S. João! Ao S. João!”.

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