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12/03/2023 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Vinicius Marques

MUITO

Nova geração de cineastas garante pluralidade no audiovisual baiano

Num mercado onde homens sempre estiveram à frente, hoje é possível encontrar mais mulheres e trans

Karol Azevedo: apaixonada por animação
Karol Azevedo: apaixonada por animação -

Na última década, uma leva de novos autores do audiovisual surgiu na Bahia. Com a chegada de novos cursos em faculdades privadas e públicas, além de leis de incentivos e editais para novos talentos, o cenário ganhou também mais pluralidade. Num mercado em que homens sempre estiveram à frente, hoje é possível encontrar mais mulheres e pessoas transexuais apresentando narrativas que contemplam mais gêneros, tornando-as protagonistas de suas histórias e buscando produzir seus primeiros longas-metragens.

Formada no Bacharelado Interdisciplinar em Artes com concentração em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Ana do Carmo é um desses talentos. Desde criança apaixonada por filmes de gênero, como Senhor dos Anéis, Harry Potter e Star Wars, a hoje cineasta não imaginava durante a infância e adolescência que poderia, de fato, trabalhar um dia nessa área.

“Nunca tive referências, nem na família, nem ao meu redor, muito menos no Brasil, de pessoas que faziam cinema e que se pareciam comigo. Sempre tive a impressão de que quem trabalhava com cinema já nascia em Hollywood”, lembra Ana. Para ela, o cinema estava apenas na condição de apreciação e hobby.

Ainda na época do colegial, Ana tentava colocar a fotografia e o audiovisual em todos os trabalhos escolares que dessem espaço para uma atividade mais lúdica. Era a forma de se conectar com esse lado cineasta que nem imaginava que seria sua profissão. Ao escolher a faculdade, tentou ir para o jornalismo, mas as artes gritaram com mais força dentro dela.

Festivais

Logo de cara, Ana começou a se destacar. Seus primeiros trabalhos feitos para as matérias do curso saltaram os muros da universidade e foram exibidos em festivais nacionais e internacionais, a exemplo do curta Frutos da Lua, que Ana codirigiu com a amiga Cláudia Sater e foi selecionado para o Festival de Cannes na categoria Short Film Corner, dedicado a novos realizadores e realizadoras.

“Conseguir chegar naquele lugar foi maravilhoso e a gente teve a oportunidade de ir pessoalmente para o Festival de Cannes em 2018. Para mim, uma mulher negra, jovem, nordestina, universitária, estar naquele lugar foi surreal”, conta Ana.

Ela lembra que o mais impactante foi voltar do festival francês e perceber que aquilo também havia surpreendido outras pessoas que não pensavam ser possível tal conquista.

Esse impacto fez com que Ana fundasse a produtora Saturnema Filmes, junto ao colega Ariel L. Ferreira. Hoje, eles estão acompanhados da produtora executiva Rubian Melo. Juntos, desenvolveram o Películas Negras Lab, um projeto de formação em roteiro para novos roteiristas da região Nordeste, negros, negras, e com cotas para mulheres e para pessoas trans, formado por uma equipe técnica 100% negra.

“Para nós foi revolucionário criarmos um projeto que não tivemos quando estávamos começando, um projeto de incentivo para entender que, sim, é possível trabalharmos como roteiristas”, destaca Ana.

Ela ressalta a importância desse projeto ao lembrar que se tornou roteirista com a meta principal de trazer os personagens negros nos lugares que gostaria de tê-los visto na infância.

Hoje, com alguns curtas produzidos, Ana está produzindo seu primeiro longa-metragem, Sol a Pino, onde assina como roteirista e diretora. O roteiro desse primeiro longa foi um dos cinco finalistas do Festival Frapo, o maior festival de roteiro audiovisual da América Latina, além de ter rendido o Prêmio de Roteiro do Festival Cabíria, voltado para mulheres roteiristas do Brasil.

Ana também participou do projeto Colaboratório Criativo da Netflix e como roteirista em uma série para a Amazon Studios. E agora está desenvolvendo um projeto secreto de longa-metragem para a Warner Bros., em que assina o roteiro.

Outra baiana do audiovisual que tem se dedicado a se ver representada nas telas é Tais Amordivino, bacharel em Comunicação Social e Cinema e Vídeo pela UniFTC. Diretora de obras documentais e ficcionais, ela se enxerga mesmo como uma documentarista. Seu trabalho mais conhecido, o curta-metragem Motriz, já passou por mais de 30 festivais e recebeu 15 prêmios nacionais e internacionais. Hoje a obra é licenciada pelo Canal Brasil.

Assim como Ana do Carmo, Tais também chamou a atenção dos serviços de streaming e faz parte de um programa de aceleração para roteiristas negros e indígenas, chamado SegundoAto, também da Netflix. Por ser tudo sigiloso, ela apenas revela que é “uma experiência surreal e muito importante”.

Mas não foi apenas a Netflix que viu os talentos de Tais. Atualmente, ela também está trilhando o caminho do primeiro longa-metragem para um outro serviço de streaming, a HBO Max.

A baiana prepara-se para rodar no meio deste ano um documentário sobre a jogadora Formiga, com o título Miraíldes Mota – A Lendária Formiga, que tem roteiro e direção de Tais e previsão de estreia para 2024.

Na ficção, ela lança neste ano o curta-metragem A Menina Que Queria Voar, cujo roteiro é da sua autoria e está em etapa de finalização. O segundo longa-metragem de Tais, também de ficção, Registros da Ausência, foi selecionado em 2020 no laboratório da Flup/Rede Globo, mas ainda não tem previsão de lançamento.

“O meu perfil mesmo é trabalhar o drama, trabalhar vidas reais e as subjetividades das pessoas enquanto indivíduos no mundo. Obviamente, as questões raciais eu nem preciso falar, porque é da minha existência mesmo enquanto mulher preta”, pontua Tais sobre suas obras.

“Me coloco no mundo enquanto mulher preta, periférica, lésbica. Então, isso é o que eu sou e, obviamente, isso vai estar nas minhas construções”, acrescenta.

Desafios

Mas mesmo que esteja atingindo novos marcos em sua carreira, Tais sabe que tudo isso faz parte de um processo: “É um desafio ser mulher preta trabalhando com cinema em qualquer lugar, sobretudo no Brasil, na Bahia, em Salvador”.

Mesmo com esses desafios, ela lembra que outras cineastas negras fizeram e fazem cinema por aqui, então, por mais desafiador que seja, pensa que esse também é um lugar onde consegue enxergar outras e isso, de certa forma, a acolhe.

“Não gosto de ficar naquele discurso de ‘somente desafiador’, é desafiador, a gente precisa fazer a denúncia. É desafiador ser mulher preta, sapatão e uma mulher escura. Eu sou uma mulher preta retinta. Uma mulher preta retinta fazendo cinema no Brasil é complicado, mas também ver outras é estimulante e altamente representativo”, afirma.

Como é comum em muitas profissões, a migração para o sul, no eixo Rio-São Paulo, onde concentram-se o maior número de produções audiovisuais do país, também é um desafio para essas produtoras baianas.

No entanto, Tais revela que não pensa em abandonar a Bahia. Ela diz que até pode ir trabalhar em outros lugares, como já fez, mas tem os pés aqui.

“Eu sei para onde eu posso voltar e sei que aqui também me estimula muito criativamente. Estar em Salvador, dentro da minha periferia com os meus, me estimula muito criativamente. Eu conheço muitos amigos e colegas que saíram daqui porque não havia trabalho e adoeceram lá no País das Maravilhas. A gente pode rodar o mundo, mas a gente tem que saber para onde voltar, onde descansar”, afirma.

Animação

Karol Azevedo também está trilhando caminhos para seu primeiro longa-metragem. Pessoa não-binária, Karol nasceu em Recife, mas mora em Salvador há 11 anos. Foi aqui que se formou em Produção Audiovisual, na Unijorge, e tem se dedicado às áreas de pós-produção, com foco em montagem, motion design e à sua grande paixão: a animação.

Com três curtas no currículo, Karol já fez com que suas obras conhecessem o mundo. Assim como Ana e Tais, o primeiro trabalho de Karol surgiu ainda na faculdade. O curta-metragem de stop-motion, Hortipub, foi produzido em 2012. O segundo, também em stop-motion, O Espectador, ganhou o Festival do Minuto como Melhor Animação em 2014. O trabalho em animação mais recente de Karol é Maratonista de Quarentena, codirigido por ela e Eduardo Tosta.

Esse trabalho, apelidado apenas como Maratonista, chegou até ao Short Film Corner do Festival de Cannes. Atualmente, Karol está trabalhando em um outro curta de animação, chamado Norma, que conta a história da personagem que dá título à obra.

Na história, Norma é uma mulher transgênero e idosa que está de mudança para um asilo. Acompanhada da filha e do neto, Norma aborda a relação de gênero pensada para o público infantil.

“Acredito que a educação vem de base. Não adianta estar aqui batendo a cabeça e tentando educar quem já está mais velho. Há cabeças que não vão mais mudar a certa altura de idade. Norma é voltado para a família toda, mas está abordando uma relação familiar que é liderada por uma mulher trans, numa tentativa de construir uma nova narrativa do que está posto aí, uma vez que pessoas trans têm uma expectativa de vida baixa, de até 35 anos de idade”, afirma Karol.

Atualmente com 31 anos, Karol conta que cresceu sem nenhuma referência e nenhuma noção sobre assuntos de transgeneridade. Socializada como mulher durante toda a vida, foi só depois que terminou a faculdade, em 2013, que começou a ter mais conhecimento sobre o assunto. Foi quando iniciou o processo de produção para Norma, que passou a questionar certas construções sociais.

“Eu cheguei onde estou hoje em relação ao meu gênero por conta de Norma, por estar sempre pesquisando essa questão e lendo bibliografias e biografias de outras pessoas trans que foram surgindo. Foi ganhando mais espaço, mais visibilidade e a gente foi tendo mais referências para poder se entender”, pondera.

Karol acredita que, agora que se entende como pessoa não-binária, pode ampliar uma discussão sobre o gênero nas suas obras e mostrar outras perspectivas de ser mulher. “A gente sai totalmente do que está construído e vai mostrar uma outra forma de estar sendo mulher. É muito intrínseco à subjetividade das pessoas como a gente se sente uma coisa e como a gente tem que estar sempre num embate social para ser aceito da forma como a gente é, porque muitas vezes o que a gente só quer é que as pessoas respeitem as nossas diferenças e abraçar mesmo”.

Espectro

Uma das pessoas responsáveis pela criação da Mostra Lugar de Mulher é no Cinema, a cineasta Hilda Lopes Pontes também tem deixado sua marca na produção baiana. Além da mostra, Hilda também fundou, junto com o marido e cineasta Klaus Hastenreiter, a Olho de Vidro Produções, que já conta com mais de 20 obras produzidas.

Hoje, também se identificando como uma pessoa não-binária, Hilda conta que se entende dentro do espectro feminino dessa identidade, porque, segundo ela, esse é o seu lugar de apoio. Assim como Karol, Hilda também cresceu e foi socializada como mulher, portanto enfrentou – e enfrenta – as violências que o machismo opera.

Na direção das obras da Olho de Vidro, Hilda está acompanhada de outros dois diretores. Ela conta que sempre que precisava dar entrevista ou estavam em reunião como um grupo, as perguntas eram direcionadas aos dois homens ao lado dela.

Ao longo dos nove anos que a produtora existe, eles precisaram pensar juntos em técnicas para contornar essa situação. Hoje, com mais experiência, Hilda conta que conseguem driblá-las.

“Na parte criativa é um pouco menos sofrido, porque também foi-se criando equipes que dão muito suporte, e as equipes estão cada vez mais femininas também. Isso foi gerando um conforto maior, mas no começo foi muito difícil para eu ter voz. Eu tinha voz com eles dentro da produtora, mas às vezes a gente trabalhava com pessoas que só perguntavam coisas para eles ou que parecia que eu era invisível no lugar”, lembra.

São quase 10 obras no currículo da cineasta, entre direção e roteiro. No final do ano passado, ela dirigiu dois novos curtas com roteiro assinado pelo marido.

O último curta que filmaram, Borderô, é a versão curta de um longa que estão prospectando. Esse pode ser o primeiro longa da produtora de Hilda, que já tem três roteiros de longas escritos.

“Todos esses roteiros passaram pelo Pan Lab, do Festival Panorama. Tivemos consultoria e eles estão prontos. Esperamos que entre 2023 e 2024 possamos financiar esses filmes. Com essa perspectiva de mudança de governo, a gente tem esperança que a Ancine volte a funcionar direito”, antecipa Hilda.

Neste ano, ela também pretende dar largada à sexta edição da Mostra Lugar de Mulher é no Cinema, que além de filmes produzidos por mulheres cis e trans, também recebe obras de pessoas não-binárias. “Por mais que a gente esteja dentro de uma bolha e ache que existe uma maior representatividade, ainda existe muita invisibilidade”.

A cineasta se queixa de que a maioria das mulheres fique dentro dos curtas com poucas fazendo longas, mas afirma que viu esse cenário mudar durante os seis anos da mostra.

“Vi mais animação e mais ficção dirigida por mulheres. Acho que a melhor coisa da mostra é que as pessoas possam assistir esses filmes e ver essa existência, porque quando a gente começou perguntavam se conseguiríamos fazer, se tinham tantos filmes assim, e sim, tem sim”.

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