O mundo literário se expande nas redes sociais e atrai jovens leitores | A TARDE
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O mundo literário se expande nas redes sociais e atrai jovens leitores

Publicado domingo, 07 de novembro de 2021 às 06:00 h | Autor: Bruna Castelo Branco
Amanda Quésia: o perfil também é um trabalho | Foto: Raphaël Müller / Ag. A TARDE
Amanda Quésia: o perfil também é um trabalho | Foto: Raphaël Müller / Ag. A TARDE -

Sabe quando você lê um livro maravilhoso e sente vontade de sair falando sobre ele para qualquer desavisado que encontrar pela rua? Pois é. Foi esse sentimento que levou o ator, escritor e mestrando Tiago Valente (@otiagovalente), de 23 anos, a se tornar o que hoje a gente conhece como BookToker: influenciador digital que fala sobre literatura no TikTok, a rede social mais amada pela Geração Z (nascidos depois de 1995).

Quando Tiago entrou na plataforma, lá em 2018, era tudo mato. “No comecinho, não tinha nichos ainda”, lembra. Naquela época, ele já escrevia, mas compartilhava as histórias apenas com os amigos e a família.

Dois anos depois, em 2020, já com um bom número de seguidores que conquistou com vídeos de receitas, o ator resolveu dar uma guinada no conteúdo que postava.

“Vi que podia fazer muito mais com a comunidade que estava construindo ali na plataforma. Decidi, com a visibilidade que estava tendo, colocar a minha paixão ali, e foi quando tomei coragem e comecei a divulgar os meus livros. E isso fez muita gente que estava sem costume de ler começar a se interessar pela leitura”.

A partir dali, ele não parou mais. Em vídeos de 30 segundos, Tiago resume e interpreta livros de centenas e centenas de páginas e alcança centenas e centenas de pessoas – hoje, o influenciador tem mais de 330 mil seguidores e 5,5 milhões de curtidas só no TikTok.

No Instagram, Tiago replica os conteúdos criados na rede vizinha e é seguido por 13,5 mil pessoas. E, nas duas plataformas, garante que recebe bastante retorno de quem o assiste.

“Essa é a melhor parte de tudo, ver que o pessoal está seguindo as minhas indicações, que estão curtindo e voltando para ver mais, mandam áudio comentando como foi a leitura, como foi a experiência. É bom ter uma influência boa na vida das pessoas”.

Parcerias

O sucesso é tanto que, no ano que vem, Tiago vai publicar um livro pela editora Burn Books, intitulado O Conselheiro. E não para por aí: juntando as parcerias e o “cachê” dos anunciantes, o influenciador já tem um retorno financeiro maior do que o que tinha como ator.

“Definitivamente, mil vezes melhor do que o que eu tinha como ator e em tudo com o que eu já trabalhei até aqui. Por isso, a criação de conteúdo nas redes sociais agora é o meu plano A”.

Publicar e compartilhar vídeos ou textos com resenhas de livros na internet não é novidade. Há anos, a gente vê isso em blogs (quem aí lembra do Flogão?) e no YouTube, plataforma que existe desde 2005. Então, por que esse alvoroço todo com o BookTok (no TikTok) e o Bookstagram (no Instagram)?

De acordo com a jornalista e doutoranda Natália Huf, uma das autoras da pesquisa O papel do algoritmo do TikTok na distribuição de fanfictions para novos leitores, ainda em andamento na Universidade Federal da Bahia, a palavra-chave é dinamismo.

Diferentemente dos Millennials (nascidos entre 1980 e 1995), que podiam passar o dia inteiro lendo textos em blogs e achavam o máximo sentar para ver um vídeo de 20, 30 minutos no YouTube, a geração atual tem um padrão de consumo diferente: nas redes sociais, um vídeo de três minutos já está de bom tamanho, obrigada.

“Antes, era comum sentar e assistir a um vídeo de 20 minutos, consumir textos… hoje, grande parte das plataformas está aderindo aos vídeos. O texto, mesmo que seja um texto não muito longo, você vai ter que parar para ler, se concentrar, gastar um tempo. Com o vídeo, em um espaço condensado de 1 minuto, você já tem informação. Tem muito esse espírito de ser algo de consumo rápido”, opina a pesquisadora.

E o TikTok tem mais uma vantagem: como explica Natália Huf, devido ao formato da plataforma, é mais fácil viralizar por lá do que em outras redes.

“O TikTok é muito dinâmico. Um diferencial bem marcante dele, diferente do Instagram, é que a bolha deles não é feita a partir de pessoas que você conhece. No Instagram, você recebe no Feed o conteúdo de quem você segue. A ferramenta ‘explorar’ é secundária. Já o TikTok cria mais bolhas de conteúdo do que bolhas de pessoas”.

Ou seja: quanto mais o usuário interage com um tipo de conteúdo, como vídeos sobre livros, por exemplo, mais esse conteúdo vai aparecer para ele. A hashtag #BookTok, até o momento, já tem mais de 25 bilhões de visualizações em todo o mundo. Já a #Bookstagram, do Instagram, foi mencionada 68 milhões de vezes em publicações no aplicativo.

As editoras já sabem disso e, cada vez mais, procuram influenciadores. Tiago Valente, por exemplo, já fez parcerias com a Burn Books (que vai publicar o livro dele), Companhia das Letras, Arqueiro (selo da Sextante), Harper Collins, Planeta, Novo Século, Rocco e Nacional. Ufa!

A Editora Sextante, como explica a diretora de marketing da companhia, Mariana Lima, já vê um aumento na procura por livros dos gêneros Young Adult e Fantasia. Para ela, os influenciadores têm um papel fundamental nisso: “Estou convicta de que os BookTokers expandiram o universo de leitores jovens. Temos escutado com frequência das livrarias que o interesse por determinados livros aumentaram por influência da plataforma. Os leitores já chegam pedindo pelo livro do TikTok, muitas vezes sem lembrar o título ou o autor”.

Na Companhia das Letras, a percepção é a mesma. Paulo Santana, responsável pelo marketing dos selos Seguinte e Paralela, comenta que, depois de viralizar nas redes, algumas obras que nem eram mais tão lidas voltam, meio que de repente, a explodir no catálogo.

“Definitivamente, o BookTok, de 2020 para 2021, tem se tornando bastante definidor nas vendas. O maior caso que a gente tem na editora é o do livro Mentirosos, de E. Lockhart, que foi publicado pela Seguinte em 2014. Então, é um livro antigo que já teve o seu bom momento de vendas na época do lançamento, mas que foi diminuindo com o passar dos anos. Agora, ele retornou e atingiu um patamar de venda bastante surpreendente e maior do que o de muitos outros livros da editora. E foi muito influência desse efeito do TikTok. Então, certamente, a partir desse exemplo, dá para dizer que a gente está alcançando novos leitores”.

Rede vizinha

O TikTok pode até ser a rede mais habitada pelos adolescentes de 13 a 17 anos, mas o Instagram ainda não perdeu o lugar dele entre os criadores de conteúdo literário. Para a pesquisadora Natália Huf, o crescimento do TikTok entre os mais novos pode ser explicado pela adesão dos mais velhos – os pais da Geração Z – ao Instagram: sem querer, eles estão espantando os jovenzinhos para outra rede.

E a gente tem até um exemplo recente desse fenômeno: o Facebook (agora, Meta) que, depois da popularização do Instagram há uns 5 anos, virou sinônimo de uma rede social para pais, mães, tios e tias.

“De repente, os pais começaram a fazer perfis lá, então, os mais jovens foram para o Instagram, que era uma rede nova. Depois, veio TikTok. O TikTok é ‘difícil’ de usar por pessoas mais velhas, ele tem muitas funcionalidades de edição de vídeo e áudio. Quem usa o aplicativo de forma mais séria faz coisas mais difíceis, ele é um app que é feito para quem é um nativo digital, que já nasceu mexendo no celular”, aponta Natália.

Para tentar deslanchar também nesse universo de vídeos curtos, Mark Zuckerberg decidiu criar o Reels no Instagram – nesse formato, que lembra bastante o TikTok, dá para postar dancinhas, vídeos de receitas rápidas e qualquer coisa que caiba em 30 segundos. E é lá que o baiano Adriel Bispo (@livrosdodrii), de 14 anos, publica dicas de livros para os mais de 500 mil seguidores que o acompanham.

O estudante pegou gosto por postar sobre literatura, cinema e televisão em 2019, inspirado pela prima, Bruna Souza, dona do perfil @meumundoemlivros.

No ano passado, durante a pandemia, o perfil de Adriel começou a crescer tanto que ele passou a precisar da ajuda de uma assessoria para dar conta de tudo. Afinal, é muito trabalho: leituras, resenhar livros, criar e gravar vídeos e, é claro, ir à escola. Mas, ele assegura: compensa.

“Eu interajo bastante com as pessoas que me seguem e vice-versa. Eles respondem os meus stories (ferramenta do Instagram), eu respondo os deles. Vejo que eles seguem as dicas de leitura que dou, vão nas páginas das editoras e comentam: ‘Vim pelo Dri’”, conta ele. Recentemente, Adriel decidiu levar esse conteúdo para o TikTok: lá, ele acabou de chegar, mas já tem mais de 4 mil seguidores e 116 mil curtidas.

Conteúdo

A professora de artes Morganna Lôbo (@morgannalobo), de 22 anos, escreve poesia, participa de eventos literários e divulga todo esse conteúdo no Instagram. Em fevereiro deste ano, depois de participar de concursos literários online e publicar textos em antologias, como o Vozes Poéticas e Toma Aí um Poema, ela publicou independentemente o livro No Caos da Minha Mente.

Na rede social, Morganna fala sobre outros autores e convida os mais de 2 mil seguidores para eventos de literatura. Por enquanto, ela ainda é nova nessa vida de “Bookstragrammer”, mas já vê um impacto positivo: a constante troca de ideias.

“Uma vez, perguntei o que as pessoas estavam lendo, e duas falaram que estavam lendo Sherlock Holmes. Aí fiquei curiosa e fui ler. Depois, eu postei sobre a leitura e apareceram mais pessoas dizendo que querem ler também. É uma troca, eu sempre me permito ser influenciada também”.

A estudante de psicologia e escritora Amanda Quésia (@universos_emmim) também é, por enquanto, mais adepta ao Bookstagram. Lá, além de postar as próprias poesias e falar sobre o ato de escrever, também dá dicas de português para jovens que vão prestar vestibular.

De uns tempos para cá, depois de ser convidada para participar de eventos literários virtuais, a estudante tem percebido que a rede também pode ser uma fonte de renda. “Já fui chamada para dar palestras e participar de oficinas. A partir desse momento, vi um retorno financeiro. Começou de forma espontânea. Como tudo isso leva tempo, criar conteúdos, fazer a logomarca, estudar, comecei a ver o perfil como um trabalho também”.

E ela não trabalha sozinha. Além de ter recitado um poema em uma música de um seguidor e divulgar trabalhos de vários colegas artistas dessa comunidade virtual, Amanda ganhou de presente de outro seguidor a ilustração da capa de um livro que pretende publicar em breve. “Gosto muito de fazer parcerias. Quero ir longe, mas também quero levar os meus”.

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