Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > POLÍTICA
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email
01/10/2023 às 15:23 • Atualizada em 01/10/2023 às 20:04 - há XX semanas | Autor: Divo Araújo

ENTREVISTA - LUIZ TRINDADE

‘A Reforma Tributária não simplifica; pelo contrário, complica mais'

Advogado tributarista afirma, em entrevista ao A TARDE, que reforma está mais para 'puxadinho tributário'

Luiz Eduardo Trindade, advogado tributarista
Luiz Eduardo Trindade, advogado tributarista -

Não há quase nada na Reforma Tributária do governo Lula que agrade ao advogado e professor gaúcho Luiz Eduardo Trindade. Para o especialista em Direito Tributário e recuperação judicial de empresas, a reforma que tramita atualmente no Senado está mais para um ‘puxadinho tributário’ e vai complicar ainda mais a vida dos empresários no Brasil.

“Com a Reforma Tributária, nós vamos ter dois sistemas convivendo simultaneamente por, no mínimo, 20 anos”, explica ele, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE. Trindade chega a afirmar que, se é para fazer a reforma deste jeito, é melhor deixar o sistema como está. Confira as críticas do advogado tributarista, que esteve em Salvador para participar de um Congresso, na entrevista que segue.

Em um artigo, o senhor chamou a Reforma Tributária que tramita no Senado de “puxadinho tributário”. Por que essa reforma é tão mal arranjada?

Primeiro porque ela foi pouco discutida com a sociedade. O texto da Reforma Tributária foi largado 42 minutos antes da votação. É um tema que tem que ser debatido com seriedade. Para você ter ideia, um tema dessa complexidade foi aprovado na Câmara de Deputados em primeiro e segundo turno em 48 horas. Não houve um amplo debate com a sociedade sobre os efeitos que ela vai gerar dentro da economia.

O setor de serviços e comércio, que é responsável por 52% do PIB nacional, será o mais prejudicado com essa reforma?

Exatamente. O que existe, na verdade, é a retirada do ônus que pesa sobre a indústria e o repasse dessa carga tributária para o setor de prestação de serviços, que mais emprega no Brasil e que mais gerou emprego durante a pandemia. Ou seja, é um setor que vai ficar totalmente fragilizado. E qual é o reflexo que a gente vai ter? Desemprego e aumento da inflação.

O setor de agronegócios também será afetado pela reforma?

O setor de agronegócio é um muito específico. Porque a gente está falando aqui de um setor que movimenta boa parte do PIB nacional. Existem muitos benefícios como, por exemplo, não tributar as aeronaves que vão trabalhar na pulverização. Existem algumas isenções. Porém, com a entrada do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) provavelmente as empresas do agronegócio vão perder alguns benefícios de ICMS, que é um grande fator que vai pesar no custo da produção. Outro ponto que pode pesar é que vai ter certa tributação sobre os produtos semi-elaborados, mas isso só será definido por lei complementar.

Nosso sistema tributário é conhecido por ser um dos mais complexos do mundo. Nem nessa questão de simplificar o sistema, esta reforma é positiva?

A Reforma Tributária não simplifica o sistema; pelo contrário, ela complica. Você imagina que hoje temos uma coisa chamada custos de conformidade, que é o quanto uma empresa gasta em contabilidade para manter as obrigações acessórias e tudo aquilo que o governo precisa para Receita Federal. E nós temos um sistema. Imagine que, com a Reforma Tributária, nós vamos ter dois sistemas convivendo simultaneamente por, no mínimo, 20 anos. Se os contadores hoje mal dão conta do que é o passado, que a gente não consegue compreender até hoje, eles vão ter que conviver simultaneamente com esse sistema e com o sistema que a gente desconhece ainda. Então, ela vai complicar. Se é para ser dessa maneira, é melhor deixar como já está.

O senhor falou da rapidez que a PEC foi aprovada na Câmara de Deputados. Agora, com mais tempo de discussão no Senado, está otimista com a possibilidade de o texto ser revisado?

É difícil a gente dar um uma visão do que vai acontecer. Porque hoje existe um lobby muito forte de setores que viram que estão sendo prejudicados. Existem muitos grupos de estudo de impacto da Reforma Tributária em vários setores. E os setores mais prejudicados estão fazendo corpo a corpo muito forte nos corredores de Brasília para que não sejam prejudicados. Um exemplo clássico é o dos advogados. Nós, advogados, vamos ter uma tributação altíssima. A gente não reclama da tributação; a gente reclama do quanto ela vai aumentar de uma hora para outra. Então, a gente tem esperança que algumas distorções que foram colocadas nessa PEC sejam corrigidas e minimizadas.

Com tantas pressões e dúvidas, corre o risco desta PEC da reforma caducar?

Embora o Senado diga que até o dia 15 de outubro a PEC vai ser votada, se ela não for aprovada até o final de novembro, a gente sabe que o ano acaba. Salvo se o Congresso se reunir para aprovar alguma coisa no apagar das luzes, ela fica para o ano que vem. E a Reforma Tributária é uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), ou seja, depende de lei complementar. É na lei complementar onde vai estar a Reforma Tributária efetivamente. A previsão é que a Reforma Tributária entre em vigor em 2026. Ou seja, nós teríamos dois anos pra construir uma lei complementar. E aí, sim, o corpo a corpo em Brasília será muito grande de diversos setores para conseguir os seus benefícios, as suas exclusões, os seus interesses. Pode ser que nós tenhamos uma PEC aprovada e não tenhamos uma lei complementar e ela morra na casca, como aconteceu em outras situações do Brasil.

O senhor falou dos advogados, mas a reforma prevê aumento de tributação para diversas outras categorias...

As profissões que são regulamentadas, prestadores de serviços, enfim, todas elas serão atingidas, com exceção da área médica. Vai valer muito mais a pena para empresas que são formadas por prestadores de serviço de profissão regulamentada, serem pessoas físicas. O que isso estimula? O desemprego. Não tem porque ter uma empresa, se é muito mais econômico eu ser tributado em 27,5% do que ter uma tributação de IVA, mais CBS, e mais tudo que vai ser muito mais alto do que isso. Então, esses setores vão ser fortemente atingidos. Além disso, esse custo vai ser repassado.

Outro aspecto muito criticado é o funcionamento do Conselho Federativo que será responsável por distribuir os recursos arrecadados. Ele aumentará as desigualdades regionais como muito se tem dito?

Ele aumenta a desigualdade principalmente para o Nordeste porque quem vai definir e vai ser por votação que é 50% da representatividade econômica. E aí o Sudeste vai definir para onde vai esse dinheiro. Com isso, nós vamos ter um aumento de desigualdade para o Nordeste. Então, provavelmente, os governadores do Nordeste estão insatisfeitos, porque vai aumentar essa desigualdade. Esse conselho parte do pressuposto de que ele será democrático. Mas, na verdade, não é porque a votação não será por cabeça, mas por poder econômico.

A reforma, pelo que o senhor está explicando, não simplifica tributos e nem diminui carga tributária. Por que ela então foi construída dessa forma?

O que nós temos hoje no país? Nós temos um governo que precisa, primeiro, fazer uma Reforma Administrativa, que é a reforma mais importante para controlar gastos. Enquanto a gente tem um governo que está gastando muito mais do que pode, um governo que estourou o teto orçamentário. O governo anterior já não estava pagando os precatórios. Tem uma PEC que prevê o não-pagamento dos precatórios, que inclusive foi objeto agora de um ofício da própria AGU (Advocacia-Geral da União), no qual afirma a inconstitucionalidade dela. Imagina um governo que não tem dinheiro para pagar as contas e tem dado um milhão de benefícios sem ter como dar. De onde é que ele vai tirar esse dinheiro? É aquela velha história do bota o bode na sala e tira o bode. Nós botamos o bode na sala para obrigar uma votação e agora a gente tem que arranjar o dinheiro de algum lugar. Então, por óbvio, que o principal motivo dessa reforma passar dessa maneira é que o governo tem que arranjar dinheiro de algum lugar para cobrir parte desses gastos que vem fazendo de forma, vamos dizer assim, sem responsabilidade.

Só para concluir as questões sobre a Reforma Tributária, tem algo nesta PEC que o senhor considera que faz sentido?

Eu acho que faz sentido a unificação de tributos. Nós temos hoje 86 tributos vigentes no Brasil. Mas pessoas não param para pensar que a Reforma Tributária está atingindo só cinco tributos, que reduz para três na verdade. Por isso que chamo de “puxadinho fiscal”, porque quando a gente pensa na reforma da sua casa, a gente pensa em reformar tudo. Na verdade, a gente está vendo um puxadinho, porque os outros 86 tributos permanecem no sistema. A ideia de simplificar é boa, mas ela tem que ser uma simplificação ampla. E não com dois sistemas paralelos, mas sim com o fim de um sistema e o início de outro.

Porque é importante votar a Reforma Administrativa antes da Reforma Tributária?

Porque simplesmente o governo gasta mais do que arrecada e tem um custo altíssimo hoje que não dá conta. A Reforma Tributária vem para cobrir custos desenfreados. Então, o governo precisa enxugar a máquina estatal. O que é um bom governo? É um governo leve e não um governo que praticamente acabe com boa parte da arrecadação, pagando o seu custo. Mas acho pouco provável que o governo faça a Reforma Administrativa, porque inclusive tem anunciado a abertura de concursos públicos, aumento do funcionalismo, sem ter de onde tirar. Aí volto a pergunta inicial. Essa Reforma Tributária passou para quê? Para justamente cobrir esses custos desses benefícios, ou aumentos, ou reposições, sem ter de onde tirar. Existe a previsão da abertura de concursos públicos que os governos anteriores pararam porque não tinham de onde tirar dinheiro. Concurso público é necessário, mas para isso tem que ter uma Reforma Administrativa e não uma Reforma Tributária para botar dinheiro para pagar isso.

Mudando de assunto, o número de recuperações judiciais no Brasil saltou 52% em 2023. Mais de 590 empresas solicitaram recurso entre janeiro e junho deste ano, segundo dados da Serasa Experian. O que explica esse aumento?

Esse número de recuperações já era esperado durante a pandemia. O que aconteceu durante a pandemia? Os bancos, que são os maiores credores, entenderam a situação e renegociaram com as empresas. Esse é um dos pontos. Outro ponto que refletiu na diminuição naquela época, foi a mudança da lei que colocou praticamente a parte tributária, a mais importante da recuperação judicial. E os profissionais pouco entendiam disso, então preferiam não arriscar entrar com uma recuperação e ter uma convolação em falência. Por que esse movimento está aparecendo hoje? Porque acabou o prazo da negociação com os bancos e os escritórios entenderam melhor como atuar na forma tributária. Então, agora elas estão vindo como uma forma de liberar aquele represamento da época da pandemia.

O quanto é importante esse mecanismo de recuperação judicial?

A recuperação judicial é um instrumento moderno, que o Brasil basicamente copiou do modelo americano. Nós passamos por uma reforma agora na na lei em 2020. Ela sendo bem utilizada, sim, proporciona a condição das empresas se reestruturarem financeiramente para poder voltar ao mercado. A gente tem que ter em mente que isso se aplica às empresas recuperáveis. Àquelas empresas que caminham para um caminho de falência, elas também buscavam a recuperação judicial como uma forma de postergação. Por isso que os índices do Serasa revelavam recuperações exitosas tão baixas, na faixa dos 3%. Porque boa parte das recuperações era para blindar as empresas das suas dívidas fiscais, que não eram executadas, não tinham prosseguimento. E também para planejar uma falência ali na frente. Mas hoje a gente tem tido muitos casos de êxito no mercado, de empresas que entraram em recuperação judicial e já saíram e hoje estão voltando a ser dominantes no mercado.

Recentemente, tivemos casos de empresas muito conhecidas e que estavam envolvidas em denúncias de fraudes, a exemplo da Americanas e da 123 Milhas, que entraram com pedido de recuperação judicial. Nesses casos os pedidos são justificados?

A recuperação judicial foi o recurso utilizado tanto pela Americanas como pela 123 Milhas e pela Samarco também que teve um prejuízo enorme na tragédia de Mariana. Mas são casos totalmente diferentes. Por exemplo, 123 Milhas é uma empresa que trabalha com turismo, mas não tem patrimônio. E está afetando milhares de consumidores. Então, essa me parece que tem um agravo de instrumento agora recentemente que suspendeu a recuperação judicial. No caso das Americanas é diferente. A gente deveria ter uma responsabilização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), porque estamos falando de uma empresa com cotação em Bolsa. E nós estamos falando de uma empresa que é auditada por uma Big Four (uma das quatro maiores empresas de auditoria do mundo) e anunciou na verdade que seria apenas um erro contábil. Para isso, no Brasil, existe dentro da recuperação judicial um instrumento chamado procedimento prévio. Em que o juiz determina que seja feita uma avaliação prévia para identificação de possíveis fraudes, para daí, sim, conceder ou não, a recuperação judicial. O procedimento prévio já existe, é uma mudança na lei e está sendo aplicado nesses casos inclusive.

No site do escritório de advocacia, vocês se definem como um catalisador entre o direito tributário e a recuperação judicial de empresas. Como é que funciona esse trabalho para quem é leigo entender melhor?

Nós sempre trabalhamos com recuperação judicial que é a parte de insolvência de empresas em crise econômica e financeira. E sempre trabalhamos com direito tributário. São dois mundos que nunca conversaram, mas eles se intercalam e se cruzam por diversas vezes. Nós fomos pioneiros no Brasil em tratar os dois temas dentro da mesma estratégia. Com a vinda da transação tributária, que é uma conversão da Medida Provisória 899, da lei 13.988, nós já trabalhávamos e criamos inclusive um guia que foi utilizado no início como guia oficial da Fazenda Nacional de como fazer a transação tributária. E aí nós acabamos nos especializando hoje na negociação de passivos tributários de empresas em recuperação judicial, que é diferente de empresas que não estão em recuperação judicial. Então, como disse, hoje nós temos a transação tributária, que é um instrumento moderno e vem arrecadando muito. A transação tributária já arrecadou mais de R$ 22 bilhões até a metade deste ano. Ela é um instrumento que veio para substituir os antigos Refis (programa de recuperação fiscal) que não virão mais, porque ele dava desconto para quem não precisava. A transação tributária é uma negociação que analisa a realidade concreta de cada empresa e a capacidade de pagamento. Dentro da recuperação judicial, a transação tributária é estratégica porque tem que analisar os reflexos dentro da reestruturação financeira, econômica e da própria recuperação judicial para que não se tenha decisões conflitantes lá na frente. Somos conhecidos como referência no Brasil nessa área. Isso foi um reconhecimento do mercado e inclusive só nós falávamos disso em todos os congressos de insolvência que sequer tinham um painel tributário à época.

Para concluir, o senhor tem uma carreira consolidada, convidado para congressos e livros a serem lançados. Que conselho o senhor daria a um jovem advogado para prosperar nesta área tão concorrida?

Quando meus alunos me fazem essa pergunta eu sempre digo: A vida é una, não existe como separar sua vida profissional da sua vida pessoal. A gente passa por problemas pessoais, de saúde, separação, perda de entes familiares e tudo isso afeta muito a nossa vida. O que a gente não pode nunca deixar é de estudar, de buscar conhecimento e o principal, nunca ficar numa zona de conforto. Quando você estiver numa zona de conforto, desconfie, busque conhecimento e soluções. Eu vejo a advocacia moderna como uma advocacia que apresenta soluções e não litígios. Nós somos educados na faculdade a litigar. Eu brinco que nós temos diversas cadeiras de processo civil, processo penal, mas nós não temos cadeiras de negociação ou de mediação. Então, eu digo para o jovem que acredite, o Direito é um grande mercado, a Reforma Tributária vai trazer muito trabalho ainda futuramente para muitas gerações. A recuperação judicial de empresas é um mercado ainda pouquíssimo explorado e muito fechado. O estudo e buscar aprender na prática fazem toda diferença. Isso que fiz na minha vida toda e quando a oportunidade passou eu estava pronto.

Raio-X

Luiz Eduardo Trindade é advogado, doutorando em Direito Empresarial pela Uninove/SP, mestre em Direito da Empresa e dos Negócios pela Unisino e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários É professor universitário, autor de livros, artigos, palestrante em diversas instituições públicas e privadas. É membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (Abrat) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Repórter cidadão

Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro

ACESSAR

Publicações Relacionadas

A tarde play
Luiz Eduardo Trindade, advogado tributarista
Play

Bolsonaro chora durante evento conservador; veja

Luiz Eduardo Trindade, advogado tributarista
Play

Jerônimo Rodrigues assina acordo de compra dos trens do VLT

Luiz Eduardo Trindade, advogado tributarista
Play

Colbert recebe 'chuva de vaias' em evento com Lula; ASSISTA

Luiz Eduardo Trindade, advogado tributarista
Play

Biden “trava” em debate com Trump e aliados pedem troca de candidato

x

Assine nossa newsletter e receba conteúdos especiais sobre a Bahia

Selecione abaixo temas de sua preferência e receba notificações personalizadas

BAHIA BBB 2024 CULTURA ECONOMIA ENTRETENIMENTO ESPORTES MUNICÍPIOS MÚSICA POLÍTICA