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Bizarros Peixes das Fossas Abissais faz mescla de nonsense e drama
Na trama, uma mulher, uma nuvem e uma tartaruga buscam as peças de um certo mapa
Por João Paulo Barreto | Especial para A TARDE
Uma nuvem atrapalhada e com incontinência pluviométrica. Um tartaruga mal humorada com transtorno obsessivo compulsivo por arrumação. Uma super-heroína mutante em busca das peças de um jarro que lhe dará o mapa para uma salvação. A inesperada e destemida equipe que se forma da junção desses três personagens é a espinha dorsal de Bizarros Peixes das Fossas Abissais, primeiro longa metragem do veterano Marcelo Marão, um dos heróis da animação brasileira com quatorze curtas metragens no currículo, mais de uma centena de prêmios, além de quase três décadas (seu primeiro filme data de 1996) de experiência.
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O mergulho nas tais "fossas abissais" dessa sua estreia no formato de longas é literal, mas, também, emocional e metafórica. Na trama, após uma enchente no Rio de Janeiro, a tartaruga vê o local onde "trabalha" arrumando itens à venda ser inundado. Ao cair no mundo fazendo valer seu esforço (leia-se TOC) por ordem, encontra a nuvem mijona, que salva a heroína das garras de rinocerontes espaciais que buscam, também, as mesmas peças do jarro que formam o mapa salvador.
Inserções autobiográficas
Conhecendo a filmografia de Marão (veja no YouTube), a destacar, aqui, os hilários curtas O Anão que Virou Gigante (2008) e Até a China (2015), é possível notar em Bizarros Peixes... a intenção de referenciar situações autobiográficas que se relacionam de forma cômica à própria vida do artista. No entanto, há um aspecto diferente que, uma vez percebido pelo espectador, vai tocá-lo de maneira mais emocional. Mas, para não estragar tal imersão (trocadilho intencional) do público, convém deixar que as fossas abissais e emocionais o alcancem dentro da escuridão do cinema. E são as mesmas fossas repletas de trevas que, quando surgem, acompanhadas de um denso monólogo da protagonista, levam a reflexão trazida pelo filme a um nível além do cômico. Mas é válido frisar que, antes disso, as gargalhadas diante das situações que beiram o nonsense e abraçam o absurdo se fazem presentes, como já é de hábito nas produções de Marão.
"O filme inteiro é autobiográfico", pontua Marão em entrevista ao A TARDE. "Mas é um autobiográfico onde tem cenas que, enquanto eu estava fazendo, eu dizia para quem estava comigo, pintando, escaneando: 'Ah, isso é sobre essa minha ex-namorada'. A pessoa falava: 'Mas é uma lula lutando. Como assim?' 'Não, mas é o meu jeito de falar sobre'. E outros momentos que são mais mas explícitos. Os lugares onde a história acontece, por exemplo. O filme começa no Rio, que é onde eu moro, agora. Depois ele passa por Nilópolis, que foi onde eu nasci", explica o diretor.
O simbolismo da busca do trio e o encontro com as fossas abissais ganham os citados contornos biográficos de um modo cuja relação do cineasta com a trama espelha sua própria vida, mas, também, a do espectador e suas próprias raízes. A citada cena do monólogo revelador da protagonista é um dos pontos de maior impacto emocional. “O monólogo da mulher, que eu não vou dar spoiler, pois é um momento importante, é um monólogo dela. Mas ele é todo literalmente meu. Tudo. Tudo o que ela fala ali aconteceu comigo e com o meu avô. Assim, não é uma adaptação", salienta Marão.
Financeiro X técnico
Em seus aspectos técnicos, Bizarros Peixes reflete muito da dificuldade em produzir um longa metragem de animação. Com oito anos de produção, o filme, que conta com as vozes de Natália Lage, Rodrigo Santoro e Guilherme Briggs, chega aos cinemas após longa labuta. Seu lançamento acontece através da Sessão Vitrine Petrobrás, que leva ao público filmes a preços populares. Marão relembra o processo inicial e como foi para encontrar o direcionamento e ver a produção engrenar. “Tirando a parte financeira, uma das dificuldades foi a de construir uma narrativa que não fosse irregular. Na prática, a gente improvisou na criação das cenas. A primeira cena foi a primeira a ser animada. A última cena é a última ser animada. Tudo foi evoluindo desse modo. Quando eu tinha 30 minutos prontos, eu tinha exatamente os primeiros 30 minutos do filme", explica.
Sobre o aspecto financeiro, Marão relembra uma comparação que fez durante uma entrevista concedida a um jornalista que lhe perguntou qual era o orçamento do filme. "Ao invés de dizer o valor total, eu comparei com o longa da Pixar/Disney que estava sendo lançado na época", ri Marão
“Quase todos os longas blockbusters de grandes estúdios têm o orçamento que é para fazer o filme e, em geral, eles têm outro orçamento, que é para divulgação, para mídia. Às vezes é o mesmo valor. Às vezes, é maior do que o valor do que foi para fazer o filme. Desconsiderando todo esse valor de divulgação de mídia no filme da Pixar, considerando só a produção, somando todo o dinheiro que a gente teve para fazer o Bizarros Peixes, de desenvolvimento, de produção e de finalização, daria para fazer nove segundos de um longa da Pixar", revela.
Dubladores de peso
As presenças de Natália Lage, Rodrigo Santoro e Guilherme Briggs despontaram para o filme a partir de convites especiais feito por Marão, que, ao conceder uma entrevista à Natália há alguns anos, percebeu sua força de entonação vocal quando ela proferiu uma das frases mote do longa. Já Santoro, experiente dublador, já possui sua voz em filmes como Uma História de Amor e Fúria, filme de 2013, além de Rio, filme lançado por Carlos Saldanha em 2011. Em sua versão brasileira, Santoro dublou seus diálogos em português e contou com a direção de Guilherme Briggs. Quando aceitou convite de Marão para Bizarros Peixes, o ator sugeriu a presença do próprio Briggs, uma das principais e mais famosas vozes do cenário recente.
"Desde o início do roteiro, quando o Guilherme, a Natália e o Rodrigo estavam lendo, já havia características mais explícitas dos personagens. A timidez da nuvem, a sisudez da tartaruga, por exemplo", diz o diretor. Tendo um processo natural de criação prática, com as cenas que iam sendo animadas seguindo a posição cronológica dentro do filme, nada mais de acordo, então, que o processo de dublagem seguisse a naturalidade de Marão e da dupla de animadores Rosária e Fernando Miller, com quem ele divide a atribuição.
"Uma das coisas que eu lembro mais pedia é para (a dublagem) ser menos interpretada, para ser menos atuada, para ser mais monocórdios, mais monotônico, mais espontâneo. E. às vezes, quando alguém gaguejava ou errava, se ele ou ela pedisse pra gravar de novo, a gente gravava para ter várias versões. Mas, em geral, eu optava pela versão que encavalou a letra, a palavra, gaguejou. Isso porque acaba sendo mais espontâneo e natural do que do que quando era atuado ", finaliza.
Bizarros Peixes das Fossas Abissais / Dir.: Marão / Com as vozes de Rodrigo Santoro, Natália Lage e Guilherme Briggs / Salas e horários: cinema.atarde.com.br
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