CINEINSITE
Blow Up está de volta aos cinemas em versão restaurada
Por Adalberto Meireles | Especial para A TARDE

Consta que quando viu Blow-Up (1966) pela primeira vez, o mestre do suspense, Alfred Hitchcock (1899-1980), exclamou sobre o filme de Michelangelo Antonioni (1912-2007): "Meu Deus, esses italianos estão um século à frente de mim em termos de técnica!". Exageros à parte, os dois grandes cineastas pareciam em permanente diálogo, pelo menos desde Pacto Sinistro (1951) e sobretudo Janela Indiscreta (1955), o filme do diretor inglês em que James Stewart interpreta o fotógrafo L. B. Jeffries.
Preso a uma cadeira de rodas, com a perna engessada, Jeff acredita que presenciou um assassinato da janela de seu apartamento e empreende uma investigação ao lado da noiva para provar o crime. Em Blow-Up, David Hemmings vive o entediado e arrogante fotógrafo de moda Thomas, que um dia faz algumas fotos de um casal em um parque de Londres e quando vai revelar o filme constata que registrou um assassinato.
Mas se em Janela Indiscreta tudo se explica, embora a princípio o crime pareça mera especulação de um voyeur momentaneamente inválido, no filme de Antonioni tudo aponta para a indefinição, desde o início e em todo o decorrer, com um frenético grupo de mímicos em eterna agitação a bordo de um Jeep com bandeiras, cartazes e em protestos pelas ruas de Londres. Obra aberta por excelência, em Blow-up o cineasta italiano desenha uma grande interrogação na mente do público. Houve de fato um assassinato? O que realmente significa aquilo?
Para além do tempo
Blow-up, uma expressão. É apenas o detalhe que se revela pelas sucessivas ampliações das fotografias feitas por Thomas até um limite máximo de saturação. Um corpo jaz sobre a grama e depois desaparece. Ali, o cineasta examinou com precisão o momento em que vivia e lançou um olhar para além do tempo, ao vislumbrar o futuro tomado por câmeras digitais, celulares, vídeos e computadores domésticos que certamente não explodiu, como fez com geladeiras, televisores e que tais no final de Zabriskie Point (1970), porque não existiam pelo menos em profusão.
Na Swinging London, nos meados dos anos 1960, quando Londres foi apontada como a capital cultural do mundo, o hedonismo e o vazio existencial é espelhado na figura de Thomas, que, aliás, parece indefinido e chateado com aquilo tudo. Mais uma vez, como já o fizera sobretudo em sua trilogia - A Aventura (1959), A Noite (1960) e O Eclipse (1961) -, Antonioni torce o princípio básico do cinema hollywoodiano com a desarticulação do discurso dramático clássico e introduz a antinarrativa.
Conhecido poeta do tédio e da incomunicabilidade, ele aprofunda o estudo da cor que iniciara em 1963 com Deserto Vermelho e radicaliza na manipulação do som e da imagem em um registro absolutamente sensorial. Um momento é exemplar, nesse sentido, quando os mímicos jogam sem a bola em sequência que ao mesmo tempo remete e se contrapõe à partida de Pacto Sinistro e seu inusitado balé de cabeças em torno da partida de tênis.
Blow-Up, lançado comercialmente no Brasil com o título Depois Daquele Beijo, foi o primeiro filme de língua inglesa de Antonioni. Produzido pelo italiano Carlo Ponti com U$ 1,8 milhão, a partir do conto do argentino Julio Cortázar, As Babas do Diabo, faturou mais de R$ 20 milhões. As filmagens ocorreram entre abril e julho de 1966. No ano seguinte, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Foi instantaneamente aclamado como uma obra-prima.
Filme está associado à iconografia de uma época
Antonioni mostra também que é seduzido pelo drama americano, ao imprimir em suas imagens uma aura de sofisticação característica de produções hollywoodianas. Um exemplo é o ambiente do estúdio fotográfico em que Thomas, em um ensaio sensual e orgasmático, disseca a alma, o corpo e o espírito da modelo Veruschka.
Mas são os domínios da antinarrativa, sempre, que se fazem notar à exaustão. Ninguém pense que vai encontrar um discurso pronto. Blow-up é um filme de cinéfilo, cuja fama se expandiu para o grande público por estar intimamente associado à iconografia de uma época. Eram os ventos da contracultura soprando em uma Londres que ditava para o mundo os rumos na música, no cinema, nas artes plásticas e na moda.
The Yardbirds aparece em uma instigante sequência em que Jeff Beck recria a cena de Pete Townshend destruindo a guitarra no palco. O jazz de Herbie Hancock na trilha sonora. Vanessa Redgrave, Sarah Miles e Jane Birkin no elenco. A efervescência de uma cidade na mesma época em que a Inglaterra deu ao mundo bandas como The Rolling Stones, The Beatles e The Who está lá, em Blow-up, que escandalizou também pelas cenas de nudez exibidas pela primeira vez em um filme feito para grande público.
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