CINEINSITE
Custódia foge do lugar comum ao abordar a violência doméstica
Por Rafael Carvalho l Especial para A TARDE
Miriam (Léa Drucker) e Antoine (Denis Ménochet) estão se divorciando. O casal tem dois filhos e brigam na Justiça para manter a guarda do filho mais novo de 11 anos. A cena inicial, no gabinete da juíza, revela as negociações e deixa entrever o desconforto de todos, inclusive do garoto, perante a simples presença do pai. Ainda assim, a juíza decide por manter a guarda compartilhada, com a criança morando com a mãe.
Custódia lida, portanto, com tema delicado e investe em um drama de verniz social para falar de assédio e opressão em ambiente familiar. O filme fez parte da programação do Festival Varilux de Cinema Francês e entra em cartaz esta semana nos cinemas. Ano passado, quando estreou no Festival de Veneza, venceu o prêmio de Direção e ainda foi escolhido como o Melhor Primeiro Filme.
O diretor Xavier Legrand estreia na cadeira de direção – após uma longa trajetória como ator – da melhor forma possível. Além de desenvolver uma das temáticas mais discutidas e relevantes da atualidade, o cineasta tem um domínio muito preciso de cena, especialmente quando precisa dar a ver o estado de tensão que surge entre os personagens, especialmente quando o pai revela seu lado mais agressivo.
Custódia, no entanto, é muito feliz no desenho de seus personagens. O filme se esquiva de construir um tom maniqueísta, incluindo aí a figura paterna. Sabemos desde o início que os próprios filhos têm receio do comportamento do pai, mas Antoine tenta ao máximo demonstrar carinho pela família e também arrependimento pelas atitudes grosseiras do passado.
Dualidade do opressor
Custódia caminha sempre nessa linha tênue de ter de acreditar ou não no homem de que se diz violento – o que exemplifica muitos casos reais em que o agressor busca provar que mudou de atitude e comportamento. Isso só reforça o clima de apreensão que permeia todo o filme. Antoine possui uma expressão fechada e dura, tem no corpo avantajado de seu ator um dado a mais de alarme, tal qual um brutamontes prestes a partir para o ataque.
Uma das maiores qualidade do filme é expor essa atmosfera de ameaça constante que paira no ar pela simples presença de Antoine. Vemos no rosto dos demais personagens a inquietação e o nervosismo quando eles têm de compartilhar o mesmo espaço que o homem, que busca a todo instante se reaproximar da família e demonstrar ser um bom pai.
Nesse movimento de tentativa de reintegração, o filme caminha em uma progressão inquietante até chegar ao ápice nos incríveis minutos finais quando a verdade se revela sem máscaras, e a violência mostra sua real faceta. O filme até parece que vai terminar de forma branda, mas ainda guarda um último recado a dar.
Segundo declaração do próprio diretor, “o filme começa com a racionalidade das palavras e termina com um horror quase irreal. A quem não conhece de perto, essa violência parece incompreensível e inimaginável”.
Isso faz com que Custódia não deixe nada a dever a nenhum grande filme de suspense atual, calcado em uma realidade assustadora e opressiva. O horror da violência doméstica ganha aqui tratamento sem estereótipos ou lugares-comuns.
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