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Filmes da Mostra Aurora reforçam resistência e as tradições

Por Rafael Carvalho | Especial para A TARDE | Fotos: Divulgação

25/01/2019 - 17:42 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
“A Rainha Nzinga Chegou” resgata a mítica tradição dos reinados e congados, muito comuns em Minas Gerais
“A Rainha Nzinga Chegou” resgata a mítica tradição dos reinados e congados, muito comuns em Minas Gerais -

A Mostra Aurora, janela competitiva dedicada ao cinema independente mais inventivo e pulsante é um dos principais destaques da Mostra de Cinema de Tiradentes. Dois dos filmes apresentados nos últimos dias lidam com a ideia de resistência de formas distintas, mas com alguns pontos de encontro, ambos dirigidos por uma dupla de mulheres.

O longa mineiro “A Rainha Nzinga Chegou”, dirigido em conjunto por Junia Torres e pela atual Rainha Conga da Guarda de Moçambique e Congo 13 de Maio, Isabel Casimira Gasparino, resgata a mítica tradição dos reinados e congados, muito comuns em Minas Gerais.

Adentramos um universo muito peculiar, também tão feminino, baseado num matriarcado e sua guarda, além de todo um sistema religioso marcado por regras e características muito próprias, manifestações ricas de resistência calcada no sincretismo religioso, atravessada pela história da colonização brasileira e pela escravidão dos povos africanos.

Mas apesar de todas essas marcas, o filme se constrói sem didatismos, sem a necessidade de explicitar os pormenores e o funcionamento daquelas práticas que resistem até hoje com muita força. É uma escolha curiosa para um documentário que trata de tema muito circunscrito culturalmente – e, em certa medida, marginalizado, como costuma acontecer com tais práticas religiosas ditas “não-oficiais”, especialmente as de matriz africana.

Porém, isso não quer dizer que o filme seja ahistórico ou negue o dado contextual, muito pelo contrário – as cenas iniciais de arquivo, os depoimentos de Dona Isabel sobre a fundação do Reinado por sua mãe, e mesmo na segunda metade, no encontro com tantos interlocutores em Angola, há muita informação e troca de saberes, mas sem a pretensão de seguir uma cartilha de conceitos, preceitos e seus significados.

Ao mesmo tempo, nós somos levados a nos inserir e familiarizar com aquele ambiente, com aqueles ritos, inclusive acompanhando um processo de transferência de coroa, de liderança. O filme está muito mais imbuído de registrar, mesmo que inconscientemente, um processo de amadurecimento e autoconhecimento centrado na personagem de Isabel Casimira (carinhosamente chamada de Belinha), a então filha de Dona Isabel, Rainha Conga e líder do reinado, que sucederia a mãe no trono.

O filme se divide mesmo em duas partes muito marcadas. Inicialmente nos dando a ver a ritualística do reinado – mesmo que em fragmentos –, suas vestimentas, músicas, danças e celebrações, bem como os preceitos morais e espirituais que regem o cotidiano daquelas pessoas – claramente conscientes do seu lugar de resistência.

Num segundo momento, os personagens empreendem uma viagem à África – o retorno às origens, em encontro com a ancestralidade – mais especificamente para Angola, região onde, em tempos de outrora, a mítica rainha Nzinga comandou um exército para combater a colonização portuguesa. São as raízes que culminaram, depois de muitos anos e práticas, nos reinados e congados brasileiros, que o filme e seus personagens reverenciam com respeito e adoração.

Resistência urbana

Imagem ilustrativa da imagem Filmes da Mostra Aurora reforçam resistência e as tradições
| Foto: Divulgação
“Tremor Iê” carrega um discurso político bastante firme e frontal

Através de um outro modo de resistência e gesto de ação é que se move o longa cearense “Tremor Iê”, dirigido por Elena Meirelles e Lívia de Paiva, filme que carrega um discurso político bastante firme e frontal. De imediato, trata-se de um filme de resistência urbana dentro de um país distópico, com toques de futurismo, mas muito calcado no Brasil de hoje, nas forças de poder que operam a fim de massacram e silenciar a periferia, a população pobre, os LGBTQs, as minorias.

É um filme muito centrado também na força de união feminina, evocando ancestralidade e sororidade, mais os toques dos tambores, zabumbas e demais instrumentos musicais que fazem parte das vivências de suas personagens.

Encontramo-nas separadas umas das outras, à medida em que vão se reencontrando e preparando uma cartada final. Aos poucos vamos vislumbrando um fio narrativo e descobrimos que elas se dispersaram, num passado difícil de prever, a partir de violenta ação policial que sufocou manifestações populares em que elas estavam envolvidas – que podem ser as de 2013. Seguiu-se um golpe de estado que deixou o país na mão de grupos escusos e opressores. O Brasil torna-se então esse modelo de Estado totalitário referenciado nas histórias de ficção científica distópicas.

Mas o que interessa ao filme é menos a constituição de uma narrativa e um universo diegético calcados no gênero em si, e mais no que esse contexto pode revelar de aterrador na postura política que oprime e sufoca as vivências, especialmente aquelas que se dão nas periferias.

É aí que a noção de resistência ganha protagonismo no filme a partir da vontade dessas mulheres de se reunirem e agirem contra o sistema, o que significa também celebrar sua própria persistência de estar no mundo. Inicialmente, esse ato se dá em foro particular, íntimo, de fortalecimento recíproco, para depois ganhar um movimento de ação mais objetivo, conjunto, que se quer de inquietação.

“Tremor Iê” constrói todo um imaginário sócio-político-futurista sem nunca abandonar as raízes de uma realidade brasileira latente em muitos sentidos (contextual, histórico, pessoal e íntimo) e é muito feliz em deixar isso exposto em toda a duração do filme. É certo que por vezes tais gestos sejam reiterados e cíclicos demais, dando voltas ao redor de si mesmos, mesmo que seja para continuar dizendo: “Não mexe comigo que eu não ando só”.

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