CINEMA
Moussa Sène Absa aponta semelhanças com a Bahia
Convidado da 'Mostra de Cinemas Africanos', cineasta senegalês conversou com A TARDE
Por Rafael Carvalho | Especial A TARDE
Trajado com típicas roupas africanas, o cineasta senegalês Moussa Sène Absa, de 65 anos, esbanjava alegria na noite de abertura da Mostra de Cinemas Africanos, que aconteceu na última quarta-feira na capital baiana e segue até amanhã. Antes disso, o diretor recebeu o A TARDE na área externa do Cinema do Museu para uma conversa sobre seus filmes. Ele, que veio ao festival apresentar uma trilogia que demorou mais de 20 anos para ser finalizada.
Moussa, como prefere ser chamado, não esconde a alegria por estar de volta à Bahia, agora pela terceira vez. E a primeira delas foi por um motivo especial: “Eu estive na Bahia em 1996 e vim conhecer Jorge Amado. Eu li Capitães da Areia e me apaixonei tanto pelo livro que eu queria adaptar essa história e filmá-la no Senegal”, relembrou o cineasta.
O encontro memorável entre esses dois grandes artistas permanece cristalizado na mente de Moussa, que revisita detalhes do encontro que eles tiveram no Pelourinho. Infelizmente, o diretor não pôde fazer a adaptação do filme porque, tempos mais tarde, Amado daria preferência para que sua neta tivesse os direitos sobre a obra literária.
“Eu não fiquei decepcionado com ele, isso acontece. Meu encontro com Jorge foi como conhecer um gênio, uma pessoa cheia de amor, de imaginação. Ele amava a Bahia, mas acima de tudo, amava o povo baiano. Passei a ler todos os livros dele que eu pude e era como se ele estivesse conversando comigo. Aquelas histórias poderiam acontecer no meu bairro, na minha rua. Ele é com certeza meu escritor favorito”, confessou Moussa.
Agora, de volta à Bahia, o diretor apresenta parte de sua obra ao público. Seu último filme, Xalé – As Feridas da Infância, abriu a programação do evento e marca o encerramento da trilogia intitulada O Destino das Mulheres, formada ainda por Tableau Ferraille (1997) e Madame Brouette (2002), todos eles exibidos durante a Mostra.
Tradição e modernidade
Moussa é, hoje, um dos principais nomes do cinema africano, mas sobretudo no Senegal, país com forte tradição de cinema e berço de uma série de grandes cineastas com quem ele conviveu e foi aprendiz. “Eu conheci Safi Faye, Ousmane Sembène – que costumava me chamar de ‘pai’ porque o nome do pai dele também era ‘Moussa’ –, mas o diretor ao qual eu estava mais conectado e que realmente condizia com minha visão de cinema era o Djibril”, revelou o cineasta, fazendo referência a Djibril Diop Mambéty, diretor do clássico Touki Bouki – A Viagem da Hiena (1973), para quem ele seria diretor assistente em Hienas (1992).
Toda essa longa tradição de cineastas faz do Senegal um celeiro de grandes obras. Mesmo com suas dificuldades de produção, os diretores têm alcançado êxito e destaque no cenário internacional. No caso de Moussa, ele demorou 20 anos entre Madame Brouette e Xalé, apesar de ter feito uma série de outros filmes e séries de TV nesse intervalo.
“Na verdade, eu passei muito tempo buscando um tema que seria uma boa conclusão para toda a trilogia. Em Tableau Ferraile eu falei sobre poligamia, sobre não ser capaz de ter filhos, política e corrupção; Madame Brouette é uma história de amor que termina mal; e eu estava buscando algo que fosse muito forte em termos dramatúrgicos para encerrar o ciclo. Eu tive a ideia de falar sobre estupro porque há alguns anos esse era um assunto recorrente nos jornais do Senegal”, pontuou o diretor.
A trama do filme conta a trajetória de um casal de irmãos gêmeos na adolescência que seguem caminhos distintos. Ela quer viver livremente no Senegal, trabalhando em um salão de beleza, enquanto ele deseja partir para a França, mas não tem dinheiro para fazer a travessia.
Além de finalizar a trilogia, Moussa também comemorou o fato de Xalé ter sido feito com uma equipe de técnicos e atores 100% senegaleses e africanos. “Essa foi a mais bela experiência cinematográfica que eu tive. Era um desafio lidar com tantas pessoas jovens que poderiam ser meus filhos, gente de 30, 35 anos. Foi muito satisfatório filmar cercado por jovens fantásticos, cheios de paixão e olhando para mim como um pai e um mestre”, confidenciou.
Cinema musical
Os filmes de Moussa talvez não sejam classificados estritamente como musicais, pelo menos não aos moldes hollywoodianos, mas estão cercados por música.
A concepção das obras, na verdade, começa por aí. Xalé, por exemplo, nasceu depois que Moussa passou a escrever algumas canções, tocado que estava pelo caso de uma menina de 11 anos que morreu depois de ser estuprada.
“A música é a primeira coisa que ressoa na minha cabeça quando eu penso em um filme”, revelou o diretor sobre seu processo criativo.
“Música é parte de nossa vida. Quando alguém nasce, tem música; quando você se casa, tem música; quando você morre, tem música. Quando se trabalha, você canta”, observou Moussa.
Imagine a cena: as mulheres em uma casa fazendo os trabalhos domésticos cotidianos; uma fala algo e a outra responde cantando; esta se anima e engata outra cantoria como resposta, enquanto outra começa a batucar na mesa ou em um utensílio qualquer.
Logo, a casa está envolta em uma festa. Essa é uma lembrança que Moussa tem de suas tias quando criança. “Fui criado por mulheres que tinham lindas vozes. Elas eram como divas e conversam umas com as outras cantando”, relata o artista.
Essa marca está em todos os filmes da trilogia que o cineasta apresenta aqui e cria uma narrativa complexa, cheia de vida e graça, mesmo que os filmes tratem de temas duros e trágicos.
“Em África, narrar histórias é algo basicamente musical. Eu fico muito impressionado como as músicas falam sobre nós. Tem um CD que me deram no Rio de Janeiro há muito tempo, chamado O Canto dos Escravos, da Clementina de Jesus [e outros intérpretes]. Eu não entendo tudo, mas quando eu escuto as músicas, elas me remetem ao que vocês chamam de saudade. Algo muito perto de mim. E mesmo que eu não entenda, eu sinto que é algo com o qual eu estou relacionado”, complementou o cineasta.
Nesse momento da conversa, Moussa relembra sua evocação pela Bahia através da literatura amadiana. “É por isso que eu me interesso tanto por Jorge Amado, porque ele traz nos seus livros a música, o candomblé, a capoeira, tudo que se relaciona à cultura baiana. E eu sei que os baianos irão encontrar um pedaço de Jorge Amado nos meus filmes também”, apostou o diretor.
Isso porque depois de encontrar o Senegal nas obras de Amado, Moussa quer mais do que nunca transpor Capitães da Areia para as telas do cinema, em versão senegalesa, e mostrar como a África e a Bahia têm tanto em comum.
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