CINEINSITE
Pantera Negra eleva autoestima ao mostrar força do povo negro
Baianos ressaltam valor da representatividade na tela do cinema
Por Lila Sousa*
Representatividade dentro e fora das telas é o que experimenta o povo baiano ao assistir a grande produção da Marvel Studios, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre. O filme estreou comovendo, sensibilizando e provocando conexões com a ancestralidade em quem se permitiu embarcar na nova jornada do povo de Wakanda.
A morte do ator Chadwick Boseman que interpretava o Rei T’Challa pegou a todos de surpresa, deixando saudade com a sua passagem e a expectativa de como seria a continuidade da história nas telas.
“Senti muito com a perda irreparável de Chadwick Boseman, porém, a forma que a presença do Pantera Negra passou pela Terra e o legado que ele deixou foram honrados, e isso foi sem dúvida transferida para o ator em vários momentos. Vários sentimentos foram mobilizados durante o filme: tristeza, o alivio cômico, tensão, revolta, ternura, entusiasmo, mas acima de tudo, me senti abraçada”, relata Naiara Felipe, 41, professora do ensino fundamental que trabalha com educação antirracista.
Em território nacional, foram escolhidas como embaixadoras do filme a filósofa Djamila Ribeiro e a cantora Margareth Menezes. Elas integraram a campanha de lançamento, estiveram presentes na pré-estreia e em diversas atividades repercutindo a nova produção. Ambas, mulheres negras símbolos da representatividade afrodiaspórica que dialoga diretamente com o protagonismo feminino representado na narrativa do longa, onde a Rainha Ramonda (Angela Bassett) e a princesa Shuri (Letitia Wright) são personagens fundamentais.
"É com muita honra e alegria que recebi esse convite para ser embaixadora do filme Pantera Negra: Wakanda para Sempre aqui no Brasil, junto com Djamila Ribeiro. Isso é muito grandioso para mim! O filme traz pra nós uma ideia revolucionária pelo objetivo de mostrar a produção artística cinematográfica negra, e nessa linguagem moderna, tecnológica, avançada, mostrando mais um perfil do nosso povo afro no mundo, provocada por essa diáspora enorme que houve da distribuição do povo negro pelo mundo", afirma Margareth Menezes.
A cantora também menciona a marca que Pantera Negra tem deixado em todo mundo que assistiu, ao entrar no reinado de Wakanda, desvendar seus mistérios e riquezas. Além de ser uma grande produção que retrata a relação da vida e morte, com várias mensagens de continuidade da vida, da existência. “Acho que a homenagem ao artista está de parabéns, muito propícia. É raro a gente ver uma produção de cinema fazer isso”, declara.
Entre as cenas que se destacaram aos olhos de quem acompanhou atenta a estreia do filme, Luiza Gonçalves, 21, estudante de jornalismo descreve uma em especial: “o cortejo do caixão que mostra uma despedida para o ator. Ele pegou todo mundo de surpresa. Colocar na narrativa e reforçar esse ponto da ancestralidade, espiritualidade, da morte não ser um fim e de que a missão continua. Acho que é muito carregado de significado, traz outra visão pro momento fúnebre. Além de ser muito emocionante ver como os personagens encaram a morte”.
O mesmo momento retratado e descrito por Luiza, foi o que tocou a professora Naiara: “O ritual da passagem com celebração e deixando explícito que a morte, para os africanos, não é o fim – e que quem morre volta a se encontrar com os ancestrais foi muito especial. Talvez por eu estar nesse movimento de volta para meus ancestrais ainda em vida”, lembra.
Representatividade importa
Yuri Silva, coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN) ressalta a importância de produções como Pantera Negra, por permitirem que uma geração cresça se vendo representada na mídia. “Não se trata meramente de uma questão estética, se trata de uma questão de ocupação de espaço. Espaços esses que foram historicamente negados à população negra. A nossa geração e as gerações anteriores a nossa não se viram na TV, nas novelas, no cinema. E quando se viam, era sempre de forma marginalizada, estigmatizada”, argumenta.
Para Yuri, Pantera Negra traz um outro lugar, uma alteração no paradigma da falta de representatividade, que diz que pessoas negras podem ser super-heróis, reis e rainhas. “Nós somos herdeiros de reis e rainhas no continente africano, que foram escravizados nas Américas. O Brasil promoveu a escravização de pessoas negras trazidas da África durante quase 400 anos e o processo de abolição formal, porque a abolição prática ainda não chegou, não está sequer próximo de 200 anos ainda, ou seja, a gente ainda tem uma dívida enorme, uma lacuna grande, a pagar e a preencher”, opina.
O coordenador geral do CNE expõe quão libertador é o processo de representatividade ao permitir que espaços dentro da cultura pop, cinema, TV e tantos outros espaços considerados de prestígio, possam ser ocupados por pessoas negras. “É um processo que nos ajuda pelo menos um pouquinho a quebrar os grilhões da escravidão”, complementa Yuri.
Ver personagens que parecem com você fisicamente gera identificação, criando um sentimento de proximidade, é o que relata a estudante Luiza. Ela ressalta que mesmo sendo um universo fictício, que aborda outros costumes, músicas, estética, imagens e elementos culturais, eles acabam se conectando com a ancestralidade e até com a cultura afrobaiana. “Isso é fundamental, te aproxima, faz você se enxergar na obra, faz pensar coisas possíveis a partir disso. Acho que é importante incentivar essa presença de atores negros nas telas, novas narrativas que desloquem um pouco o eixo”, afirma.
Pensando na educação antirracista das crianças com as quais trabalha, Naiara reflete como os filmes de ficção cientifica em geral apontam para tecnologias futuras possíveis, sociedades futuras possíveis (ainda que muitas vezes distópicas), porém, trazendo como protagonistas personagens brancos. “Ora, se nós negros não podemos ser protagonistas dessas histórias, que futuros podemos vislumbrar”?, questiona.
Naiara ainda podera sobre a quebra de paradigmas proposta por Pantera Negra ao trazer à tona a possibilidade do negro como um super herói. “Aciona a ludicidade na criança e no adolescente negro, que por muitos anos foi negada e até hoje é raro em Hollywood. Agora Wakanda Forever traz um outro elemento que considero de suma importância: a representação dessa nova geração de mulheres negras representadas como fortes, belas, inteligentes, bem humoradas e agentes de suas vidas. É uma representação necessária para nós mulheres. Convivemos por anos com o auto ódio, então amar personagens como essas pode ser um dos caminhos para que possamos alcançar o auto amor”, conclui a educadora.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes