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'Pinóquio' inova ao ambientar trama no nefasto período fascista

Dirigida por Guillermo del Toro, obra foi toda filmada em animação de bonecos stop motion

Por Tiago Freire*

24/12/2022 - 6:00 h
Gepeto (voz de David Bradley) dá os últimos acabamentos no polêmico nariz de Pinóquio (voz de Gregory Mann): detalhismo dos cenários impressiona e encanta
Gepeto (voz de David Bradley) dá os últimos acabamentos no polêmico nariz de Pinóquio (voz de Gregory Mann): detalhismo dos cenários impressiona e encanta -

Quem acompanha notícias sobre cinema deve ter visto que 2022 foi o ano que coincidiu o lançamento de dois grandes filmes adaptando o livro Pinóquio, do italiano Carlo Collodi: um live action da Disney dirigido por Robert Zemeckis e o longa animado dirigido por Guillermo Del Toro. Então ficou esse certo “embate” sobre qual das duas versões faria maior justiça à história original – e sem sombra de dúvidas, a animação é que se sobressaiu.

Para quem já conhecia o trabalho do Del Toro sabe da forma que o diretor consegue imprimir essa estética e histórias que misturam o macabro, o drama e, em especial, o fantástico. Em seu Pinóquio, vemos essa mistura em seu ápice em todos os aspectos, e ainda sendo muito bem auxiliada pela animação em stop motion.

A palavra chave sobre o que torna este filme tão único é “estética”. A maior parte da comunicação que temos sobre personagens, situações etc está nela. O stop motion é a principal ferramenta que contribui neste sentido. A forma que os personagens se movem e se expressam é exagerada o bastante para reforçar o lado fantástico e surreal que a história do menino de madeira carrega, mas ainda mantém o pé do espectador no mundo real.

Outro elemento que o filme não deixa de incluir são cenas de música, as quais sabe usar bem à seu favor. São poucas cenas musicais, mas são muito bem utilizadas e com claro propósito. Conforme a trama avança, os riscos vão ficando maiores e as músicas vão sumindo. Mais que agrados auditivos, temos a música no filme como uma referência para acompanhar o amadurecimento de Pinóquio.

Toda essa parte da ambientação, design de personagens e música só conseguem ser tão bem feitas como são por conta da incrível direção de arte. Desde a casa do Gepeto até o acampamento da juventude fascista carregam muita identidade. Além disso, o cenário contribui perfeitamente para a história, com todos eles trazendo pequenos detalhes que dizem muito sobre os personagens ali presentes.

A cinematografia também é um show. Há vários enquadramentos que, além de bonitos, também espelham-se em outros, fazendo paralelos entre momentos diferentes. Além disso, o filme consegue usar da linguagem visual para trazer pequenos momentos de desenvolvimento sem diálogos.

Crianças e autoritarismo

Uma excelente escolha criativa para o filme foi incluir novas tramas e novos temas para a história do menino de madeira. Neste filme, Gepeto cria Pinóquio em um momento de luto pela morte do filho – e ele projetou seu filho em Pinóquio. Por consequência vemos esse conflito entre os dois, mas de uma forma que o espectador consegue não só entender, mas se relacionar também. Esse conflito geracional e outros temas conseguem rechear a história e deixando ela extremamente rica, até mesmo incrementando em cima do material fonte.

Um dos motivos para essas tramas funcionarem tão bem está na dublagem. Todas as vozes se encaixam perfeitamente. Quem consegue se destacar bem, em especial, é Gregory Mann, que interpreta Pinóquio em seu primeiro papel de protagonista. Mann consegue equilibrar bem sua atuação entre o otimismo, a curiosidade e as frustrações do personagem de forma extremamente orgânica.

Um ponto curioso é como mesmo todas versões sendo ambientadas na Itália, o filme decide usar isso de forma criativa. Del Toro opta por fazer o filme se passar durante a era Mussolini, mais precisamente durante a Segunda Guerra. Essa escolha traz alguns temas e conflitos interessantes para a trama. Pinóquio, na sua inocência de criança, questiona e confronta os hábitos e ideias daquele regime, pela sua simples vontade de querer poder ser criança, o que traz um paralelo interessante com Candlewick, que é filho de um oficial do governo e segue o fascismo do pai biblicamente.

Esse contraste do autoritarismo com a fantasia e a imaginação juvenil é algo que Del Toro já havia explorado no Labirinto do Fauno (2006). Nele, Ofélia escapa das garras de seu padrasto, um coronel fascista espanhol, e entra em um mundo fantástico. Em Pinóquio esse contraste é ainda mais forte, em especial porque o Podesta, o oficial do governo, é uma ameaça constante para o protagonista e vemos o quão longe ele segue na trama para provar seu ponto.

Ilha da Fantasia Fascista

Pinóquio se vale muito bem da temática do fascismo versus crianças na cena equivalente à Ilha da Fantasia. No filme de 1940, somos apresentados à Ilha da Fantasia, onde crianças são transformadas em burros e vendidas, além de uma cena digna de pesadelos – uma metáfora para como crianças enxergam o crescer. No de Del Toro, a Ilha da Fantasia é transformada em um acampamento da juventude fascista – e consegue ser uma cena tão igualmente memorável, passando o senso de angústia de ver aquelas crianças em um lugar tão insalubre.

Essa escolha na ambientação também é uma ponte para os acontecimentos recentes na Itália hoje, com a ascensão do partido neo-fascista Irmãos da Itália. Também coincide com a eleição de vários outros partidos reacionários pelo mundo. O que Pinóquio nos oferece é esse olhar, que apesar de inocente, mostra como o autoritarismo, além de extremamente perigoso, não tem qualquer apreço pelo o que nos faz “meninos de verdade”, que é nossa vida e nossa liberdade de sermos quem somos.

Por fim, o maior acerto de Pinóquio é trazer todos esses elementos em um filme com pouco mais de uma hora e meia, mas que consegue dialogar todos eles de forma super sensível. Tudo que é possível ser usado, é aproveitado ao seu melhor e de forma muito bem organizada. Todos esses aspectos técnicos e artísticos contribuem para uma das melhores experiências em animação do ano.

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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