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Mercado de carros premium e de luxo cresce imune à crise
Por Lúcia Camargo Nunes | De São Paulo

A realidade do mercado automotivo da Bahia é majoritariamente a venda de veículos compactos e utilitários, no entanto existe um pequeno, mas expressivo mercado de luxo, que só cresceu neste ano de pandemia. De esportivos a SUVs sofisticados, até robustas picapes, são carros a partir de R$ 200 mil.
“Temos identificado muito a ‘revenge spending’ (tendência pós-pandemia), com a tradução literal ‘compras de vingança’. São compras baseadas na sensação do merecimento, de nos mimar para recompensar todos os sentimentos negativos pelos quais passamos. Algumas marcas estão trabalhando essa ideologia para incentivar a retomada das compras”, explica Lígia Mello, sócia e CSO da Hibou Monitoramento de Mercado e Consumo.
Lígia expressa o carro como um outro espaço, controlado como a casa. “Nesse momento, é uma oportunidade de sair, tendo controle do que acontece. Tanto que as viagens para o final de ano serão em sua maioria automotivas, inclusive no alto padrão”, avalia.
Crescimento de vendas
Os sócios da loja de veículos seminovos multimarcas de luxo AvantGarde Motors, em Belo Horizonte, se assustaram com o lockdown na cidade no momento em que abriam o novo showroom de seis mil metros quadrados, em março passado. Os planos foram adiados, mas por pouco tempo. “Bateu um desespero, março foi nosso pior mês em 16 anos. Em abril começou a mudar: o que faturamos de abril a julho foi o equivalente a 2019 inteiro”, lembra Rodrigo Freitas, um dos sócios da AvantGarde. O faturamento quadruplicou no segundo trimestre em comparação ao mesmo período do ano passado.
Freitas diz que possui clientes da Bahia. “Com a pandemia, ampliamos nossas vendas online. Tivemos aumento de grande relevância no Nordeste. Na Bahia temos clientes, sim, um deles de Porto Seguro, que já nos acompanha há uns sete anos, compra cerca de oito carros por ano, sempre modelos esportivos”, cita o empresário.
A AvantGarde trabalha com modelos de baixa oferta no Brasil. São produtos específicos e com poucas unidades disponíveis, duas, três ou quatro no país, quase exclusivos. O perfil, detalha o sócio, em geral é do empresário, bem-sucedido, CEOs, artistas e jogadores de futebol. O ticket médio da loja gira em torno de R$ 390 mil, com foco no veículo premium seminovo, desde SUV, esportivo a superesportivo.
“São pessoas que deixaram de gastar nessa pandemia, não vão mais a restaurantes nem viajam. Se tinham um sonho de ter um carro, percebem que este é o momento certo. Clientes com medo de contrair a doença, morrer, passar por uma dificuldade, então não querem deixar isso para depois se podem fazer agora. Algo de imediatismo”, avalia Freitas, que diz ter clientes de 20 a 85 anos, mas na média são de 50 anos, a maioria homens.
“Temos encomendas de carros porque falta produto no mercado. Uma das marcas mais procuradas é Porsche, todos os modelos. Como o novo tem espera de seis meses, o seminovo é vendido por preço mais alto que o zero-quilômetro, porque o comprador desse tipo de carro quer na hora, não aceita esperar”, afirma Freitas.
Entre tantos atendimentos, ele lembra de um cliente que compra de 20 a 25 carros por ano, três dele e um para a esposa. “Chega a trocar todos a cada dois meses. Ao ouvir a esposa se queixar de que ele perdia dinheiro, ele disse: ‘Eu não saio, não vou para a pescaria, não jogo futebol, não jogo baralho, não tenho fazenda, então esse é meu hobby’”, conta o lojista. É comum receber carros com apenas 300 quilômetros rodados.
Uma dificuldade que a loja tinha com a venda de carros para a Bahia foi recentemente resolvida: a Difal, diferença de ICMS entre estados, nesse caso entre Minas Gerais e Bahia. “Antes era inviável. Se a gente vendia um carro de R$ 800 mil para a Bahia, a nota era de R$ 90 mil por causa da Difal. Mas a cobrança acabou faz um mês, o que facilita as negociações. Já estamos notando mais consultas de clientes baianos depois disso”, conclui o sócio da AvantGarde Motors.

Amplo mercado
“Quando falamos de luxo, consideramos uma grande gama de modelos. Há desde as picapes até esportivos customizados, o que gera perfis de clientes diferentes. A razão para cada marca crescer ou ser menos impactada pela pandemia é diferente. Mas, de uma maneira geral, o mercado de carros de luxo cresceu, enquanto o mercado geral de veículos teve queda. O ideal aí é avaliar as variáveis”, diz Alessandra Giovana, professora de administração e pós-graduação em administração estratégica da Estácio Salvador. Um dos aspectos é o perfil desses clientes: são aqueles que tiveram pouco impacto financeiro com a pandemia.
A segunda variável diz respeito às marcas, que já inovavam antes de existir a pandemia. “As estratégias foram adotadas antes, então eles colheram os louros este ano. Eles chegaram a 2020 preparados para encarar essa mudança que ninguém esperava”.
Alessandra também aponta para a digitalização dos canais de atendimento, o que deu às marcas de luxo uma situação confortável durante a pandemia. Também são marcas que já focavam na experiência dos consumidores, o que passou a ser mais valorizado por eles. “Essas marcas de luxo já trabalhavam com isso. E o cliente, que está sensível à experiência, vai encontrar isso dentro de seu habitat. Por exemplo, a Porsche, que oferece a customização de veículos. Esse mercado já tinha esse know-how”.
Outro aspecto que pode explicar o aumento do segmento de luxo é a baixa dos juros básicos da economia, desde agosto a 2%. “Esse público tem investimentos atrelados à taxa Selic e decide não aplicar mais em investimentos de retorno tão baixo. Ele prefere resgatar e investir em sua qualidade de vida. Do tipo ‘vou me dar um mimo’”, explica a professora. Se esse é um público acostumado a viajar para fora do país de avião e agora vê tanta restrição, um automóvel de luxo é muito mais seguro e lhe proporciona uma viagem em família de algumas horas com conforto.

Melhor mês da Volvo
“Parte desse mercado de automóvel de luxo é composto por picapes. No geral, quem consome esses veículos é do agronegócio, um dos setores que mais cresceu na pandemia”, conclui Alessandra.
Seja premium (de maior volume) ou de luxo (mais sofisticado, caro e escasso), a Bahia tem sua representatividade. A Volvo, por exemplo, comemora seu melhor mês da história no Brasil: a marca sueca emplacou 1.033 veículos em novembro de norte a sul e se consolida na vice-liderança do segmento (premium). Na Bahia, dados da Fenabrave indicam que a Volvo vendeu 30 unidades no mês passado.
“Na verdade não existe um desejo de troca de carro. Existe um momento em relação especificamente à Volvo. É uma marca que acertou muito nas estratégias, ao combinar seu produto com a tendência da eletrificação. Existe uma aceleração natural de final de ano. E como são carros de ticket médio muito alto, o consumidor prefere fazer uma troca agora no final do ano, quando paga menos pelo emplacamento, e isso é uma oportunidade de troca. E também se antecipa aos aumentos que todos sabem que sempre acontece na virada do ano”, explica Luiz Francisco Oliveira, gerente comercial da Volvo Suécia, de Salvador, do Grupo GNC.
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