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ENTREVISTA - FRANCISCO FERRAZ LARANJEIRA

‘A Embrapa está comprometida com a revolução sustentável’

Chefe da Embrapa na Bahia fala sobre a importância da empresa que acaba de completar 50 anos

Por Divo Araújo

20/08/2023 - 19:46 h
Francisco Ferraz Laranjeira, chefe da  Embrapa Mandioca e Fruticultura
Francisco Ferraz Laranjeira, chefe da Embrapa Mandioca e Fruticultura -

Com 50 anos de existência completados em abril, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é referência no mundo no desenvolvimento de tecnologias para aumentar a produtividade das lavouras. Na Bahia, cabe ao engenheiro agrônomo Francisco Ferraz Laranjeira chefiar a unidade especializada em pesquisas para a evolução da qualidade das frutas e da mandioca cultivadas no Estado.

E resultado é o que não falta para mostrar, segundo contou Ferraz, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE. “A Embrapa nunca deixou de procurar novas formas de organismos, bactérias, fungos que pudessem, em associação com a planta, permitir que elas se desenvolvessem melhor”, disse ele, destacando a importância das parcerias com a iniciativa privada, universidades e outras agências governamentais. Confira mais sobre a trajetória da Embrapa na entrevista abaixo.

A Embrapa completou 50 anos de fundação em abril. Qual a importância desta estatal para transformar o Brasil nesta potência agropecuária mundial?

A importância da Embrapa é muito grande. Mas antes eu queria falar dos parceiros da Embrapa. Nós somos apenas um componente do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária. Esse sistema envolve universidades, outros institutos de pesquisa nos diversos estados da federação, empresas de extensão, agências de transferência de tecnologia e extensão rural. Junto com esses parceiros é que a Embrapa construiu essa história de sucesso. A gente pode dar diversos exemplos e fazer conexão com a agricultura baiana também. Quando você pensa no desbravamento do oeste baiano, esse boom de crescimento que teve na região, ele só foi possível graças a tecnologia que permitiu – e aí vou usar uma palavra que não é muito adequada para falar de terra - termos ‘domado’ os solos do cerrado. Os solos do cerrado são naturalmente muito ácidos e contém uma quantidade de alumínio muito grande. E a tecnologia para você corrigir isso, desenvolver variedades e sistemas de produção adaptados, foi uma conquista que permitiu o uso do cerrado e o desbravamento do oeste da Bahia. A gente pode falar também da fixação biológica do nitrogênio específico para cultura da soja. Você coloca uma bactéria, ela se junta com a raiz da planta e estabelece ali uma simbiose. A planta dá nutrientes para essa bactéria, que pega nitrogênio do ar e coloca na planta. Isso traz uma economia absurda de fertilizantes e permite que a soja seja uma cultura competitiva. Aí a gente fala de bioinsumos. A Embrapa nunca deixou de procurar novas formas de organismos, bactérias, fungos que pudessem, em associação com a planta, permitir que elas se desenvolvessem melhor.

Nesses 50 anos, a Embrapa ganhou um presente e tanto. A pesquisa agropecuária nacional receberá quase R$ 1 bilhão em investimentos até 2026 por meio do Novo PAC. Qual é a importância desses investimentos?

O primeiro ponto é a sinalização. Alguém está dizendo que a Embrapa é importante e por isso vai investir na empresa. A gente se sente realmente valorizado com isso e espera que esse investimento seja concretizado ao longo do tempo. Já tinha muito tempo que a gente não recebia investimento. Passou um tempo em que nós recebíamos apenas para custear nossos trabalhos. Mas reformar um laboratório era muito complicado, por exemplo. Então, esse recurso do novo PAC vai permitir que a gente reestruture os nossos laboratórios, faça reformas estruturais, inclusive para atender normativas ambientais de segurança do trabalho que a gente considera que são tão importantes quanto desenvolver as nossas pesquisas. Essa reestruturação de laboratórios e da área física também vai permitir que nós recebamos os novos “embrapeanos” que, tudo indica, vão começar a chegar em 2024, porque também está sinalizado que a gente vai ter um concurso. A gente precisa receber bem esses nossos colegas.

Em termos de recursos, esses últimos anos foram muito difíceis para a Embrapa?

Foi complicado porque o recurso, quando vinha, chegava atrasado. Mas os recursos para os salários sempre se manteve, porque é normativo. Recurso para luz, esse tipo de coisa, chegava. O que não vinha era recurso para projeto de pesquisa, investimento, você pagar uma viagem para o pesquisador avaliar um experimento. Isso chegava com muito atraso. Qual foi a estratégia da empresa como um todo em particular? Ampliar as parcerias público-privadas. Tanto que, nos últimos quatro anos, nós ampliamos essas parcerias. A gente tinha 5% do portfólio de projetos em parceria com empresas privadas. Hoje em dia a gente tem 46% dos nossos projetos em parceria público-privadas. Uma circunstância levou a isso, mas foi muito bom. A gente se adaptou e foi um momento de muito aprendizado para a empresa esse diálogo com parceiros do setor privado, não importa se grandes empresas ou pequenas cooperativas.

Além das parcerias com empresas, a Embrapa também tem parcerias com universidades, a exemplo da UFRB. Como estão essas parcerias?

A Embrapa sempre valorizou essas parcerias, seja aqui na Bahia ou nacionalmente. Sempre nos esforçamos para estabelecer convênios com diversas instituições. Hoje, aqui no estado, a gente tem esse convênio com a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, que engloba o desenvolvimento conjunto de trabalhos de pesquisa, recepção de estagiários, sejam bolsistas de iniciação científica, mestrado ou doutorado nas dependências da Embrapa. Engloba também a atuação de pesquisadores da Embrapa em cursos de pós-graduação, inclusive em cursos nos quais nós temos paridade. Cursos que são da Embrapa e da universidade, como por exemplo, o mestrado em Defesa Agropecuária. Temos essa parceria mais próxima com a pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais e Ciências Agrárias de maneira geral. Temos também um convênio similar com a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) voltado mais para biotecnologia. Estamos assinando agora um convênio similar com a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).

A Embrapa Mandioca e Fruticultura tem sido fundamental na criação e manutenção de dezenas de polos de produção na Bahia. Quais são os principais atualmente?

Eu vou citar algumas ações que são exemplos de como a Embrapa trabalha. No oeste baiano, apesar de não ser uma região tão tradicional de fruticultura quanto é com a soja e algodão, nós temos um trabalho com desenvolvimento de bioinsumos e seleção de variedades de banana. No sudoeste, a gente sempre teve um trabalho forte com mandioca, inclusive em associação com a Universidade Estadual do Sudoeste (Uesb). Já foram desenvolvidas cultivares de mandioca resistentes a doenças e mais adaptadas ao solo da região. Na Chapada Diamantina temos um projeto com fruticultura orgânica em que desenvolvemos sistemas de produção de cultivo do maracujá, abacaxi, manga e acerola. Quando a gente pensa no Vale do São Francisco, um dos trabalhos históricos que permitiu a exportação de manga foi desenvolvido pela Embrapa com o tratamento hidrotérmico. O que significa isso? Você aplica calor na manga via água quente e garante que uma praga, a mosca das frutas, não sobreviva. Essa é uma das maneiras que os países importadores aceitam a manga. A tropicalização das uvas no Vale do São Francisco também tem uma mão da Embrapa. Quando você fala do Litoral Norte, todo trabalho que nós desenvolvemos historicamente no desenvolvimento de copas e raízes para laranja mais adaptados a região. Quando se fala em laranja pêra hoje na Bahia e no Nordeste, você está falando da laranja pêra D6, desenvolvida pela Embrapa aqui na Bahia e hoje buscada até por produtores de São Paulo. O Recôncavo e a região dos tabuleiros costeiros, de Laje com o desenvolvimento de variedades de mandioca. No extremo sul, temos a produção de mamão com qualidade para evitar muita pulverização de agrotóxico para controle de pragas, o que também permitiu uma exportação do mamão com mais facilidade. E aqui no Baixo Sul há um trabalho de inclusão socioprodutiva em que nós já temos, há muito tempo, uma associação com as casas familiares rurais em Nilo Peçanha, Tancredo Neves e Igrapiúna e também com a cooperativa em Tancredo Neves. Essas parcerias permitem uma maior inserção dos jovens que estão ali naquele ambiente como empreendedores rurais. E não poderia deixar de falar do trabalho histórico com o abacaxi na região de Itaberaba. Essa associação entre os produtores de Itaberaba e a Embrapa ermitiu que aquela região se transformasse no principal polo produtor de abacaxi da Bahia. São apenas exemplos e olhe que não estou nem falando de outras unidades da Embrapa.

Qual é o peso da mandioca e das frutas tropicais para a segurança alimentar nutricional do brasileiro e também para a sustentabilidade socioeconômica?

Recentemente saiu numa das revistas mais conceituadas do mundo, a “Science”, um estudo falando sobre como deveria ser o consumo de diversos produtos agropecuários para balancear, seja em termos de qualidade e quantidade, a nutrição e a proteção ao meio ambiente por meio de mitigação dos efeitos de mudanças climáticas. Esse estudo mostra que culturas com bastante amido, como é o caso da mandioca, continuariam a ser uma importante base alimentar das diversas regiões do mundo. Em alguns países, diz o estudo, o consumo deveria ser reduzido para aumentar a proteína. Mas isso não aconteceria aqui no Brasil, onde o consumo de alimentos como a mandioca e outros que têm amido poderia até crescer mais. O consumo de frutas também deveria crescer muito mais no mundo de maneira geral para equilibrar a nutrição e mitigação dos efeitos climáticos. E veja só, não só na quantidade, quantidade é importante, mas na diversidade das frutas consumidas. Nutricionalmente falando, se você consome só maçã é uma coisa, mas se você consome maçã, maracujá, mamão, uva, laranja, limão, a sua qualidade nutricional aumenta. Puxando para nosso trabalho, a gente está sempre em busca de uma mandioca que possa dar mais qualidade de amido para que você possa, por exemplo, fazer o beiju. Para a gente ter mais beiju na mesa da nossa população, a gente precisa de mandiocas que produzam mais num espaço menor. Porque aí você vai utilizar menos terra para produzir a mesma quantidade de beiju, digamos assim. E no caso das frutas, a gente está comprometido não só com a diversidade nutricional ou com a quantidade de frutas produzidas, mas também com a manutenção das fruteiras que existem. Existem diversas ameaças, pragas, por exemplo, da banana, da laranja, do próprio cacau que são ameaças para produção dessas fruteiras. Por isso, buscamos desenvolver variedades que sejam mais resistentes.

O senhor falou da questão climática. Como a Embrapa vem trabalhando essa questão do mercado de carbono, da agricultura sustentável?

A chamada revolução sustentável é um assunto muito caro para a Embrapa como um todo, principalmente para a nova diretoria. A presidente Silvia (Massruhá) nos pediu prioridade para ações dessa natureza. Inclusive, ela e o diretor de pesquisa estão estabelecendo um grupo de trabalho, pegando os melhores cérebros da Embrapa que trabalham com sustentabilidade para montar um arcabouço de atuação como um todo da empresa. No momento, a gente tem diversas ações. Cada unidade de pesquisa tem suas ações, mas a presidente Silvia quer uma ação mais integrada de desenvolvimento de indicadores que permitam não só desenvolver tecnologias mais sustentáveis para a agricultura, mas principalmente que permitam mostrar ao mundo que, sim, a agricultura brasileira é sustentável. Mostrar que onde tiver gargalos, o Brasil estará trabalhando para suprir. E que, sim, a Embrapa está comprometida com a revolução sustentável no Brasil e no mundo. Eu vou dar o exemplo do desenvolvimento de bioinsumos. Outras unidades da Embrapa trabalham com isso também, mas nós aqui estamos desenvolvendo diversas ações de melhoramento genético. A gente seleciona em laboratório bactérias que tenham alguma função. Por exemplo, um fungo que combata outro fungo. Uma bactéria que permite que a planta absorva mais nutrientes. Uma bactéria que permite que as condições do solo sejam mais favoráveis. A gente pega esses micro-organismos associados com nossas variedades que naturalmente já apresentam mais resistência a determinadas pragas. E junto com os produtores desenvolvemos sistemas de produção que sejam mais sustentáveis, ou seja, com menor aplicação de fertilizantes, menor uso de água. Nós, por exemplo, temos uma variedade de banana que precisa de 30% menos água do que outras variedades. São esses bioinsumos que evitam que o produtor considere aplicação de produtos químicos, de agrotóxicos ou defensivos, como queira chamar. Ou seja, a gente trabalha nessas três frentes. Sistema de produção que diminua o uso de fertilizantes, o uso de agroquímicos em geral e permitam o menor uso da água.

A questão da desertificação do semiárido baiano preocupa muito?

Esse assunto sempre preocupou. Ele tem relação com o uso da terra, mas também com a potencialidade do uso dos recursos naturais. Voltando um pouco à minha escola de agronomia, onde é ensinado o manejo correto da água e solo. Sempre que você se desvia do uso correto da água e do solo você corre o risco de degradar a áreas e aí não importa se é no semiárido, no cerrado. Como eu falei antes, nós estamos sempre empenhados em capacitações, a mostrar como se usa corretamente a água e o solo nos diversos ambientes. Você não pode pegar um solo que não seja apto e colocar uma grande cultura como soja. Então, em determinados ambientes como semiárido, muitas vezes a gente tem que utilizar os recursos locais, típicos do bioma. E isso a Embrapa semiárido de Petrolina tem se empenhado dia e noite em descobrir esses diversos usos corretos da água do solo no semiárido.

Raio-X

Chefe da Embrapa Mandioca e Fruticultura (Cruz das Almas ), Francisco Ferraz Laranjeira é engenheiro agrônomo (1993), especialista em Proteção de Plantas (1997) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), mestre e doutor em Fitopatologia (2002) pela Universidade de São Paulo (USP). Com pós-doutoramento em Biomatemática pela University of Cambridge (2010), foi pesquisador visitante em Rothamsted Research (2012), trabalhando com Biologia Computacional.

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