BAHIA
Ataques à integridade de crianças e adolescentes aumentam em 2023
Estupro e submissão à prostituição estão nessa classificação do Disque 100, que engloba também maus-tratos
Por Jane Fernandes
Na próxima quinta-feira acontece o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, mas a sanção da Lei 2.466/2019 em agosto do ano passado estendeu a mobilização para o mês inteiro, com a criação do Maio Laranja. A dimensão do problema é reforçada pelo números do Disque 100, que, apenas na Bahia, recebeu 3.096 denúncias de violações contra a integridade de crianças e adolescentes entre janeiro e abril.
Estupro, importunação sexual, tráfico de pessoas e submissão à prostituição são enquadrados como violação à integridade, mas outros crimes, a exemplo de maus-tratos estão inseridos nessa classificação do Painel da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Solicitado à Polícia Civil, o número de casos denunciados nas delegacias da Bahia não foi enviado até o fechamento desta edição.
Com dados de 2021, o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública levantou 45.076 casos de estupro, 1.797 de pornografia infanto-juvenil e 733 de exploração sexual - aqui entendida como submissão à prostituição -, vitimando crianças e adolescentes até 17 anos no país. Considerando a taxa de ocorrências a cada 100 mil habitantes, houve crescimento nos casos de estupro entre 2020 e 2021, com elevação de 94,6/100 mil para 96,8/100 mil.
O serviço nacional Disque 100 e o Disque Denúncia Bahia (181) são canais pelos quais alguns casos chegam à Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Dercca), mas o mais comum é que as ocorrências sejam registradas pelas mães das vítimas ou outros membros da família, segundo a titular da unidade, Simone Moutinho.
Embora perceba um avanço na compreensão das crianças e adolescentes como agentes de direitos e do papel da sociedade na proteção desse público, a delegada alerta que ainda há subnotificação, principalmente no ambiente virtual. “ Há um aumento da pornografia infantil pela internet, de armazenar e transmitir imagens de nudez, ato sexual e até estupro”, afirma.
Além do trabalho de conscientização do público infanto-juvenil sobre os perigos e a preparação dos pais para conseguir acompanhar melhor esse aspecto da vida dos filhos, Simone defende o fortalecimento das redes de apoio. “É necessário investir em tecnologia para que a gente possa investigar esses crimes que ocorrem através da internet”, completa.
Citados pela titular da Dercca entre as fontes de denúncia, as escolas e os serviços de saúde também são lembrados pela chefe do escritório do Unicef em Salvador, Helena Oliveira, como espaços que precisam estar preparados para a identificação de casos e encaminhamento. A condução cuidadosa em cada etapa é fundamental para a proteção da vítima, pois como ressalta “é uma violação que não se encerra no ato do crime, ela deixa histórias, sequelas”.
Os crimes sexuais contra crianças e adolescentes são perpassados pelo sexismo, observa Helena. Um panorama divulgado pelo Unicef no final de 2021, com dados entre 2017 e 2020, mostra que na faixa etária de 10 a 19 anos, 91% das vítimas são do sexo feminino, e elas representam 77% do total com idade entre 0 e 9 anos.
Na avaliação da coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Luciana Reis, o enfrentamento passou por um retrocesso equivalente a duas décadas nos últimos seis anos, representado, sobretudo, pela dissolução ou esvaziamento de conselhos e comissões voltadas para esse público. “Hoje a gente tem a possibilidade de um diálogo, de repensar políticas estratégicas voltadas para as infâncias”, pondera.
“A gente não consegue um enfrentamento efetivo sem que as políticas de assistência estejam funcionando, então é necessário que o governo cumpra o papel em ofertar políticas públicas eficazes, com dotação orçamentária para suprir as demandas, seja Município, seja Estado, seja Federal, esteja na baixa ou na alta complexidade”, defende.
Coordenador do Núcleo de Atendimento e Orientação a Crianças Vítimas e Testemunhas de Violência, o advogado Marcus Magalhães alerta para a necessidade da sociedade perceber que esses crimes não são pontuais, episódicos, nem cometidos só por pedófilos. “É um ato de subjugação, as pessoas praticam porque se aproveitam da oportunidade”, diz.
Na concepção de Magalhães, a vigilância deve ser permanente e não excluir ninguém. “Na sua casa, você tem que ter atenção com a sua filha, seu filho, com as crianças que estão lá, porque o avô delas pode praticar esse ato, o vizinho, o primo, o irmão, é alguém próximo, o professor de banca…”, alerta.
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