SALVADOR
A TARDE Memória: 15 de novembro tem tradição em eleições
Por Cleidiana Ramos*
![João Durval venceu 1º pleito direto pós-64 | Fotos: Arquivo A TARDE | Cedoc](https://cdn.atarde.com.br/img/2020/11/1200x720/joao-durval_2020111322383411-ScaleDownProportional.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.atarde.com.br%2Fimg%2F2020%2F11%2Fjoao-durval_2020111322383411.jpg%3Fxid%3D4564569%26resize%3D1000%252C500%26t%3D1739217962&xid=4564569)
Amanhã, 15 de novembro, milhões de brasileiros irão, mesmo em meio à pandemia do coronavírus, eleger prefeito e vereadores. Há 38 anos, na mesma data uma eleição aconteceu, mas com algumas diferenças. Os cargos submetidos à consulta foram em maior número: governador, senador, deputado federal, deputado estadual, prefeito e vereador. Mas a escolha dos prefeitos das capitais, consideradas áreas de segurança nacional, não entrou nessa consulta. A eleição para esse fim específico só ocorreu em 1985.
Nos tempos em que já nos acostumamos ao conforto e rapidez nos resultados devido ao voto eletrônico, é compreensível estranhar a demora e tensão no sistema eleitoral dos EUA, como ocorreu há duas semanas. Mas, naquela eleição de 1982, a Bahia viveu algo muito parecido ao contexto norte-americano, sobretudo na demora para apuração, que só foi concluída dez dias depois da consulta. O voto ainda ocorria em cédulas de papel, o que pôs mais drama na eleição realizada em meio a uma ditadura militar. Além disso, completavam-se cerca de 20 anos da última vez que os baianos elegeram um governador de forma direta.
Quando ocorreu o golpe militar em 1964, o governador da Bahia era Antônio Lomanto Junior. Segundo a narrativa de Luís Henrique Dias Tavares em História da Bahia, o mandato do governador esteve ameaçado pela ditadura, mas negociações com a mediação do então arcebispo de Salvador, o cardeal dom Augusto Álvaro da Silva, o mantiveram no cargo até o fim do seu mandato, em 1967.
Após este governo, sucederam-se quatro gestões dos chamados “biônicos”, ou seja, que foram indicados em eleições indiretas, sem voto popular. Com os partidos políticos dissolvidos, apenas duas legendas passaram a atuar na legalidade: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), sigla do regime ditatorial, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que passou a abrigar os opositores ao governo militar. Foram quatro mandatos neste modelo de escolha indireta: Luiz Viana Filho (1967-1971); Antônio Carlos Magalhães (duas gestões – 1971-1975 e 1979-1983) e Roberto Santos (1975-1979).
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Brecha
A realização de uma eleição direta para governadores, prefeitos e casas legislativas ocorreu no contexto do enfraquecimento lento e gradual da ditadura. Uma crise econômica e o aumento dos movimentos internos e externos contra as violações de direitos, especialmente a tortura e morte de presos políticos, resultou em avanços para o fim do governo dos generais, como a Lei da Anistia promulgada em 28 de agosto de 1979. A lei não foi tão ampla como se desejava, mas permitiu o retorno ao país de personagens importantes para a articulação em defesa do retorno da democracia. Um mês depois foi aprovada a reforma partidária que extinguiu o bipartidarismo.
A Arena virou Partido Democrático Social (PDS) e o MDB transformou-se no PMDB. Surgiu também o Partido Popular (PP) sob a liderança de Tancredo Neves em 1980, mesmo ano da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).
“Waldir Pires havia voltado para a Bahia, após o exílio, em 1979. Ele era indicado como candidato para o PMDB. Era esperada uma pulverização das oposições, mas Roberto Santos e o próprio Tancredo Neves migraram para o PMDB. Waldir fez uma excelente avaliação do contexto e preferiu aguardar, pois avaliava que setores conservadores na Bahia poderiam resistir devido ao seu histórico de enfrentamento forte à ditadura. Como grupos no interior do PMDB insistiam na sua candidatura a governador, Waldir soltou uma carta de apoio a Roberto Santos, sem consultá-lo. Parece que Roberto ficou irritado, mas depois tudo se acalmou. Com a integridade de Roberto e sua trajetória intelectual respeitada, mostrou-se que a decisão foi acertada. Dessa forma, Waldir ficou com a candidatura para o Senado e Roberto saiu como governador”, conta Emiliano José, jornalista, professor, escritor e doutor em comunicação. Recém-eleito para a Academia de Letras da Bahia (ALB), Emiliano José é autor, dentre outras obras, da biografia de Waldir Pires, em dois volumes.
Roberto Santos, que exerceu o cargo de governador eleito pelo modelo indireto, acabou conquistando a anuência mesmo de alas do PMDB que no início não se entusiasmaram com a sua candidatura. Médico, ex-reitor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), filho do fundador da instituição, Edgard Santos, fez uma campanha que se mostrou vigorosa e com o forte apelo de compromisso com o retorno da democracia. Com o lema “Roberto é 5, Waldir é 50”, tinha um jingle que proclamava a chegada de novos tempos para a Bahia e cansaço pelos longos anos de ditadura:
Chega / chega de medo / Chega de briga / chega de enrolação / chega / chega de uso / chega de abuso não quero mais isso não / Esse é o grito do povo baiano / um povo alegre que não gosta de opressão / Mas tá chegando / tá chegando a sua hora / a resposta não demora / Vamos nessa meu irmão / Roberto, Roberto é hora / minha Bahia não aguenta isso mais / Ela quer um tempo de paz / deixar a tristeza pra trás / E quer você para seu governador / ô ô ô / Roberto!
No comício de encerramento da campanha, por exemplo, cerca de 50 mil pessoas se reuniram no Campo Grande. A concentração chegou ao ponto alto com o show de dois dos maiores artistas da Bahia que foram presos pela ditadura e tiveram que sair do país em exílio: Caetano Veloso e Gilberto Gil.
“Na Bahia, o candidato do PMDB ao governo estadual, Roberto Santos, e seus companheiros de chapa majoritária encerraram sua campanha com um grande “Show da Vitória”, que teve a participação de Caetano Veloso e Gilberto Gil e arrastou milhares de pessoas ao Campo Grande. Milhares de baianos se acotovelavam para ouvir os discursos oposicionistas e as canções dos dois músicos. Depois foi feito o “Desfile da Vitória”, com uma grande multidão indo até o Bomfim”. (A TARDE, 13/11/1982, capa).
Já o PDS, na Bahia sob a liderança do então governador Antônio Carlos Magalhães, lançou a candidatura do advogado e presidente do Banco do Estado da Bahia (Baneb) Clériston Andrade. Em meio à campanha, Clériston morreu em um acidente de avião e foi substituído por João Durval Carneiro, deputado federal e ex-secretário de Saneamento no governo de ACM.
O PT também lançou candidaturas ao governo e Senado: Edival Passos e Sérgio Guimarães.
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Espera
A apuração foi prometida para ser iniciada logo após o encerramento da votação e ser concluída em tempo breve, como anunciou A TARDE na capa da edição de 15 de novembro de 1982. Mas ela foi finalizada após dez dias. Neste intervalo ocorreram várias polêmicas, como o PMDB e o PDS se declarando vitoriosos; pedido do PDS para que fossem anulados 1.382 votos dados ao PMDB em 19 municípios, que acabou rejeitado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Na edição de 19 de novembro de 1982, cinco dias após a eleição, só 20,74% das urnas estavam apuradas. Na capital o trabalho era ainda mais vagaroso: 264 urnas apuradas contra 2.775 no interior.
A vitória foi de João Durval, que obteve 1,6 milhão de votos (1.609.519) contra o mais de um milhão recebido por Roberto Santos (1.024.221), uma diferença de 585.298 votos. No governo da Bahia atualmente, desde 2006, o PT, na sua primeira participação na eleição para este posto, conseguiu 24.996 votos para o seu candidato, Edival Passos. O PDS elegeu 295 prefeitos e o PMDB, 41.
Mais um 15/11
Quatro anos depois, mais uma vez, 15 de novembro foi dia de escolha do novo gestor da Bahia. Mas a eleição teve diferenças relevantes em relação à anterior: a mais importante é que o país estava livre dos generais ditadores. Uma assembleia constituinte estava sendo preparada, o que resultou, dois anos depois, na progressista Constituição que temos.
A corrida eleitoral também teve mais candidatos. Foram quatro e com a participação de duas mulheres: Agostinha Rocha (PH); Delma Gama (PMB); Josaphat Marinho (PFL); e Waldir Pires (PMDB). A eleição também já estava desmembrada da escolha para prefeitos e vereadores.
A campanha de Waldir Pires foi o destaque da eleição. Se na anterior com Roberto Santos já havia um sentimento de entusiasmo nos grupos de oposição à ditadura, ele foi ampliado. Até o jingle da campanha fez história acompanhando o ritmo da jovem axé music. Dançava-se o “deboche” com as mãos fazendo o “W” de Waldir: “Eu quero ver / um tempo novo / de vencer e construir / A Bahia vai mudar / trabalhando com Waldir”, dizia o refrão.
Mais uma vez a apuração de votos durou alguns dias, mas os resultados expressivos em favor de Waldir Pires não deixaram dúvidas. Tanto que cinco dias depois da eleição, em 20 de novembro, A TARDE anunciava que ele viajou a Brasília para apresentar pedidos ao presidente José Sarney que também era do PMDB. Na edição de 6 de dezembro de 1986, A TARDE publicou o placar final: Waldir Pires foi eleito com mais de 2,6 milhões de votos (2.675.108). Josaphat Marinho ficou em segundo com 1,2 milhão (1.218,520). Delma Gama teve 55.895 votos e Agostinha Rocha, 45.933.
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Dessa forma, a estratégia de Waldir Pires relatada por Emiliano José concretizava-se. Foi acertado esperar. Em seguida ocorreram desdobramentos surpreendentes, como a sua renúncia ao governo da Bahia para concorrer como vice na chapa encabeçada por Ulysses Guimarães na primeira eleição direta para presidente, em 1989, uma decisão que muitos até hoje não entendem ou não perdoam. Em 1990, Antônio Carlos Magalhães venceu sua primeira eleição pelo voto direto. E muito mais reviravoltas e polêmicas continuaram a encher a política baiana da paixão que a caracteriza. Além disso há uma certeza em histórias como essas: não há sistema conhecido melhor do que a democracia.
Fontes: edições de A TARDE; Cedoc A TARDE; História da Bahia (Luiz Henrique Dias Tavares, Editora Unesp, Edufba, 2001); Waldir Pires – biografia, vol. 1 e vol. 2 (Emiliano José, Editora Versal, 2018 e 2019). A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantêm a grafia ortográfica do período.
*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia
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