Ação Ei, Moça pode ajudar mulheres assediadas em bares e restaurantes | A TARDE
Atarde > Bahia > Salvador

Ação Ei, Moça pode ajudar mulheres assediadas em bares e restaurantes

Campanha disponibiliza cartaz em banheiros femininos com “código” para busca de apoio

Publicado segunda-feira, 06 de fevereiro de 2023 às 06:00 h | Autor: Jane Fernandes
Café e Cana, no Carmo, aderiu ao protocolo  ‘Ei, Moça’
Café e Cana, no Carmo, aderiu ao protocolo ‘Ei, Moça’ -

A prisão sob acusação de estupro do jogador Daniel Alves chamou a atenção para o protocolo No Callem (“não nos calemos”), criado pela prefeitura de Barcelona, na Espanha, para combater agressões sexuais. 

A importância do conjunto de ações para o encaminhamento do caso incentivou a apresentação de propostas para a implantação de protocolos semelhantes em cidades brasileiras, mas até o momento há apenas iniciativas pontuais, a exemplo da campanha ‘Ei, Moça’, em andamento na capital baiana. 

No banheiro feminino de bares e restaurantes participantes da iniciativa, um cartaz atrai a atenção com o título ‘Ei, Moça’ e em sequência informa para as frequentadoras um drink fictício que funciona como código de alerta à equipe. Quando uma mulher pede essa bebida, cujo nome é dado por cada estabelecimento,  sinalizará a necessidade de ajuda para sair de um encontro que esteja gerando insegurança ou tomando rumos indesejados. 

“É a forma da gente dar a essa mulher a possibilidade de sair daquele local de uma forma discreta e se livrar da situação. É um trabalho feito dialogando com donos de bares e restaurantes, na época, e todos que colocaram foi porque concordaram. É positivo porque eles se interessaram mesmo”, comenta a titular da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), Fernanda Lordêlo.

A campanha é resultado de uma parceria entre a SPMJ e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Segundo a secretária, a intenção é expandir o alcance, mas o foco inicial foi os estabelecimentos do Centro Histórico e da Barra. Procurada para comentar a receptividade do setor à proposta, a Abrasel não deu retorno até o fechamento desta edição. 

Localizado no Santo Antônio Além do Carmo, o Café e Cana é um dos bares que colocaram o cartaz  no seu banheiro feminino. “Um funcionário da prefeitura esteve no local apresentando a placa e perguntando se queríamos participar”, recorda a proprietária, Débora Arnoso. Embora o código de alerta – o pedido do drink fictício – nunca tenha sido utilizado no local, ela acredita que a mensagem dá uma sensação de acolhimento às mulheres, pois as clientes costumam elogiar a iniciativa. 

Conforme informado ao final do cartaz usado nos banheiros, as medidas de suporte vão de providenciar companhia para que a mulher embarque em segurança no próprio carro,  táxi ou veículo por aplicativo, até chamar a polícia. Em nota, a Polícia Militar reforçou ser “fundamental, em face de quaisquer situações que fujam à normalidade, o acionamento da PM pelos canais institucionais, além do registro dos fatos junto à delegacia que atende a  região”. 

Encaminhamento

Na avaliação da diretora de operações e tecnologia do Instituto AzMina, Marília Moreira, iniciativas como a campanha ‘Ei, Moça’ são úteis, mas insuficientes. A efetividade estará sempre condicionada ao que ocorre após a utilização desse código, seja o pedido de um drink fictício ou um X vermelho na mão, como recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça para denunciar violência doméstica durante a pandemia.

Sem um conjunto de ações bem estabelecido, Marília considera elevado o risco do desenrolar dessas denúncias resultar em revitimização. “É uma situação bem delicada, então a solução precisa do compromisso de toda a sociedade civil e de todas as instituições públicas e privadas, porque a gente sabe que a mulher é sempre o lado mais fraco”, enfatiza. Ela lembra que no caso envolvendo Daniel Alves, mesmo com o protocolo acionado, a mulher abriu mão da indenização à qual teria direito para evitar relativizações sobre a sua condição de vítima. 

A necessidade do engajamento de todos os segmentos é reforçada pelos números levantados há um ano na pesquisa “Bares Livres de Assédio”, realizada pela fabricante de bebidas Diageo e a startup Women Friendly. Das 2.221 mulheres que responderam o questionário, em diferentes partes do Brasil, 66% afirmaram já ter sofrido assédio em bares, restaurantes e casas noturnas. Os casos mais frequentes são de insistência em falar com elas, mas em 40% das situações o assédio incluiu segurar pelo braço ou cabelo, e 34% envolveu toque sem consentimento.

Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres do Ministério Público da Bahia, a promotora Sara Gama considera que a replicação de protocolos na linha do espanhol seria positiva para Salvador e outras cidades do país. “Sobretudo em locais voltados para o entretenimento porque é um momento de descontração, em que, infelizmente, alguns homens sentem como se pudessem  invadir o espaço das mulheres, inclusive seus corpos”, defende. 

Sara esclarece que um protocolo desse tipo não funciona como uma lei, representando a sistematização de ações, permitindo um procedimento unificado para o encaminhamento adequado desses casos. Na esfera federal, pondera, talvez algo possa ganhar força de lei, mas em sua opinião não é o caminho mais interessante, pois não nos falta legislação e sim “políticas públicas que as tornem mais eficazes”.

Publicações relacionadas

MAIS LIDAS