SALVADOR
Amanhã é dia de festa no Bonfim
Por JORNAL A TARDE
Espera-se que mais de 300 mil pessoas participem do segundo maior festejo popular de Salvador, comemorado desde 1754
SANDRO LOBO
Dentre as várias lavagens realizadas durante o ano na Bahia, nenhuma tem a força e o encanto da Lavagem do Bonfim. Amanhã é dia de a Cidade Baixa se transformar num mar de gente de todos os lugares, numa balbúrdia de sons, cores e cheiros sem tamanho, que só perde em volume para o Carnaval o que faz dela a segunda maior manifestação de rua do planeta.
Carros-de-som, carroças superenfeitadas, grupos de percussão, baianas vestidas a rigor compõem o cenário da grande festa. A Polícia Militar estima que mais de 300 mil pessoas dispostas a cantar e dançar vão transitar no percurso de cerca de 12 km que liga a Basílica da Conceição da Praia à Igreja do Senhor do Bonfim.
Às 7 horas, uma corrida organizada pelo Palácio dos Esportes marca a primeira atividade do dia relacionada à festa. Por volta das 8h30, um ato inter-religioso (diferente de ecumênico, que congrega apenas religiões cristãs) e a execução do Hino ao Senhor do Bonfim por uma centena de vozes de corais diversos já servem de mote para a concentração que se forma em frente à Conceição.
Entre 9 e 9h15, o cortejo sai em direção à Cidade Baixa, depois de um repicar de sinos. Este ano haverá uma parada em frente à sede das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) para que contribuições sejam feitas nas urnas que estarão colocadas ali.
O cantor e compositor Carlinhos Brown integrou o grupo de trabalho que reuniu representantes de entidades como Fundação Gregório de Mattos e Emtursa e tinha como objetivo dar novo gás à festividade, inclusive acentuando seu caráter religioso.
Diferentemente do que fez em outros anos, Brown vai levar sua maratona musicada o grupo Zárabe, com 300 percussionistas até o Bonfim somente a partir das 15 horas, em vez de partir com a procissão pela manhã, como fez em outros anos, junto com o Filhos de Gandhy.
Estamos motivados a dar uma manutenção à lavagem. Sempre parece que ela está precisando ser resgatada, mas ela não precisa ser resgatada. É uma novena de potencial turístico religioso e, no ano de Oxalá, eu não poderia deixar de colaborar, disse em entrevista coletiva ontem, no Palácio Thomé de Souza.
Esvaziamento A saída do grupo percussivo no meio da tarde tem como objetivo não permitir que haja desânimo ou esvaziamento em nenhum dos dois pólos do cortejo, o que habitualmente acontece naquele horário. Nosso grupo diagnosticou que um dos aspectos negativos da festa era esse esvaziamento que se dá pelo meio da tarde.
Programar a saída do Zárabe e de outras entidades para este momento foi uma idéia que Carlinhos aceitou prontamente. Ele, aliás, deu uma idéia que também foi acatada: a de usarmos fitões do Bonfim na decoração, explicou o presidente da FGM, Paulo Costa Lima.
De Roma até o Bonfim, os postes estarão ligados por reproduções em papel das tradicionais fitinhas, como forma de marcar o Corredor da Fé, que esperamos consolidar com a beatificação de Irmã Dulce, disse Benito Gama, da Emtursa.
O tema que a prefeitura escolheu este ano para a festa Andar com fé eu vou é uma variação de outros anteriores (como Quem tem fé vai a pé), que remete ao esforço físico de quem quer conhecer a verdadeira Festa do Bonfim.
A caminhada sob o sol é em geral regada a muita cerveja e roscas, com direito a paradas para repor as energias com pratos de feijoada, mocotó, sarapatel e outras delícias que pelo menos do ponto de vista dos nutricionistas não são nada adequadas para a situação. Um pecado para a saúde, talvez, mas escolhas quase imutáveis nesse ritual que se repete todos os anos, desde 1754, sempre na segunda quinta-feira do mês de janeiro.
Uma pausa para comer e beber
A Praça do Mercado do Ouro, a menos de um quilômetro do ponto de saída do cortejo, é tradicionalmente um local onde muita gente dá uma pausa para comer e beber. Tem quem se empolgue e fique por ali mesmo, mas, no caso de apenas querer fazer uma boquinha, os pratos são variados.
Alguns comerciantes estão bem interessados em vender cerveja em lata a R$ 2, mas a maioria confessou que vai esperar a reação dos colegas. O refrigerante em todas as barracas da praça vão custar R$ 1,50 a lata, enquanto a garrafa mineral sai por R$ 1. O preço da porção de feijoada varia entre R$ 5 (a maioria) e R$ 7 (Quiosque Encontro dos Amigos). A R$ 5 são servidas também porções de dobradinha, mocotó, sarapatel e moela.
Caruru com mil quiabos, 30 quilos de sarapatel, 20 de feijoada e, como se não bastasse, bacalhoada, moqueca de arraia e dobradinha. Dona de um bar ao lado do Posto Miranga, na Avenida Dendezeiros, a comerciante Rosângela Galeão tem que se virar para atender a grande clientela que procura seu tempero.
Vamos abrir na quarta à noite servindo feijoada e sarapatel e dar um virote pela quinta adentro, eu e minhas assistentes, promete.
Um dos principais pontos gastronômicos do Mercado do Ouro, o Restaurante do Juarez, não vai oferecer suas delícias no dia da lavagem. Não é o público que queremos, vem mais gente para beber, fazer zoada, bagunçar ou então apenas usar os banheiros, justifica o proprietário.
Opção para quem evita caminhar
Quem quer apenas aproveitar a festa como se estivesse no Carnaval não cumpre o trajeto até a colina sagrada. Fica circulando ali nas imediações do Elevador Lacerda ou na altura da Conceição da Praia.
Outra opção, mais cara, é participar das festas de camisa que acontecem no início do percurso e também no Clube dos Oficiais, já no Bonfim. Desde que a prefeitura proibiu os trios elétricos e limitou o número de carroças e carros de som no percurso, os blocos de trio encontraram a saída para continuar ganhando muito dinheiro com uma das mais fortes tradições do Estado.
Para quem está em Salvador e vai ter a oportunidade de conhecer a festa pela primeira vez, ir até o Bonfim é imprescindível para se entender melhor um pouco dessa tão propalada baianidade.
Nenhuma das festas populares aglutina tantos elementos típicos da cultura local a começar pela presença maciça de mulheres de todas as idades, mães-de-santo ou não, que se vestem como baianas, vaidosas em seus vistosos torços, turbantes, colares, vasos de água de cheiro, braceletes e badulaques de todo tipo.
Por volta das 12h45, a procissão profana chega até a escadaria da Igreja do Bonfim, onde uma multidão já espera pelas baianas. Ali elas têm seu momento de estrelas da festa e derramam água-de-cheiro na cabeça das pessoas que solicitarem, como forma de purificação, proteção e bênção.
Imagem do santo teria vindo de Portugal
O culto a Senhor do Bonfim em Salvador remonta ao ano de 1740. Há versões diferentes para a chegada da sua imagem à Bahia. A mais recorrente afirma que ela chegou trazida pelo capitão-de-mar-e-guerra Teodósio Rodrigues de Faria. Em cumprimento a uma promessa, ele teria trazido a imagem do santo da cidade de Setúbal, em Portugal.
Uma vez na Bahia, o Senhor do Bonfim que logo começou a ser identificado com Oxalá, divindade máxima do candomblé chegou a ser reverenciado numa pequena capela na Igreja da Penha. Em 1745, a Igreja do Senhor do Bonfim começou a ser construída na Colina do Monte Serrat, apelidada de Colina Sagrada. Cerca de nove anos depois, ela ficou pronta e a festa anual em louvor ao santo passou a ser realizada no novo templo.
Atribui-se à presença de grupos de samba-de-roda com carroças enfeitadas, obra dos romeiros que se reuniam para lavar a igreja e deixá-la pronta para a celebração, o início da aproximação entre catolicismo e candomblé na realização da festa.
Desde o século XVIII, três dias antes da missa do domingo de Bonfim que coincide com o segundo depois da Festa de Reis a arrumação era feita por esses grupos. Alguns historiadores acreditam que os escravos sem qualquer outra motivação aparente começaram a louvar Oxalá nesses dias de festa.
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