SALVADOR
Ameaça à carne bovina na RMS
Por JORNAL A TARDE
Única fábrica processadora de carcaças da região metropolitana corre risco de ser interditada definitivamente
MARCIA GOMES
O abastecimento de carne bovina em Salvador e nos municípios da Região Metropolitana está ameaçado de ser suspenso, caso a graxaria Lucical localizada em Simões Filho e a única que processa as carcaças de animais dos quatro abatedouros que alimentam o mercado na Região Metropolitana de Salvador não atenda às exigências estabelecidas pelo Centro de Recursos Ambientais (CRA) num prazo de 90 dias. O prejuízo diário para o setor de carne seria de R$ 1 milhão.
Se a Lucical for paralisada, cerca de 1.200 abatimentos diários realizados nos matadouros Frimasa, Convel, Refril e Suíno Raposo (em Simões Filho) terão de ser suspensos, por não haver outro local para onde destinar os restos dos animais. Os quatro matadouros são responsáveis por 50% de toda carne abatida na Bahia. A Lucical processa cerca de 1.200 toneladas de resíduos bovinos mensalmente. Sem o processamento das carcaças, o abatimento de gado também fica legalmente impedido de acontecer.
A fábrica produz sebo (destinado à produção de sabão) e farinha de osso para ração de aves e peixes, e havia sido interditada no último dia 8 de março pelo CRA, por causar degradação ao meio ambiente, não possuir licença ambiental e colocar em risco a segurança de cerca de 30 empregados, expondo-os à contaminação.
Na última terça-feira, a equipe de reportagem de A TARDE tentou visitar a Lucical, a fim de ver de perto as irregularidades da fábrica e entrevistar funcionários, mas foi barrada pelo gerente administrativo Clóvis Araújo dos Santos.
AUDIÊNCIA Anteontem foi realizada uma audiência no Ministério Público de Simões Filho para discutir o funcionamento inadequado da Lucical, com a presença de representantes das secretarias da Saúde e do Meio Ambiente do município, CRA, Sudic, Sindicato das Indústrias de Carne e Derivados do Estado da Bahia (Sincar), Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) e o proprietário da graxaria, Luís Severino da Silva.
Funcionando desde 1999, a Lucical já foi notificada outras vezes pelo CRA. No dia 8, a determinação do órgão ambiental foi a suspensão das atividades, até que fossem corrigidas as irregularidades identificadas. Os técnicos do CRA detectaram restos de animais expostos ao ar livre em estado de decomposição, grande quantidade de vermes e moscas.
Os resíduos líquidos produzidos pela matéria-prima são absorvidos pela terra, contaminando o solo. Os restos dos animais exalam mau cheiro causado pela putrefação, que se espalha por toda a vizinhança, atrai urubus e favorece os focos de insetos. Durante as inspeções, os técnicos do CRA identificaram que os funcionários não utilizavam equipamento de proteção individual (EPI). O órgão presenciou trabalhadores calçados com sandálias, de bermuda e sem máscara.
Diante do quadro, a promotora Hortênsia Gomes Pinho, do Ministério Público de Simões Filho, propôs o fechamento da Lucical, em virtude do descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o MP, CRA e o proprietário da empresa em 28 de fevereiro de 2005. Na ocasião, o proprietário da fábrica se comprometia a acabar com as agressões ao meio ambiente e a oferecer condições de trabalho adequadas aos funcionários. O descumprimento dos itens implicaria multa diária de R$ 1 mil, acarretando uma dívida atual de R$ 380 mil, que, se for paga, será destinada ao Fundo Estadual de Meio Ambiente.
O presidente do Sincar, Júlio César Melo de Farias, e demais representantes do sindicato, diante da iminência de não ter mais para onde enviar as carcaças do gado abatido nos matadouros de Simões Filho, propuseram, na audiência, que o sindicato assumisse a responsabilidade administrativa e operacional da Lucical. Se a Lucical fechar, haverá um desabastecimento de carne em toda a Região Metropolitana de Salvador, argumentou. Diante da proposta, a promotora Hortênsia Gomes Pinho ofereceu novo prazo de 90 dias para a regularização da situação da fábrica.
Resíduos sem destino final
O diretor técnico do Ministério da Agricultura na Bahia, Altair Oliveira, aponta que, se o novo TAC não for cumprido dentro do prazo de 90 dias, os abatedouros de Simões Filho terão de suspender o abate e isso vai causar um desabastecimento de carne bovina em toda a RMS. Uma alternativa de escoamento das carcaças de Simões Filho, de acordo com Oliveira, seria enviar o material para as cidades de Feira de Santana, Itapetinga, Jequié e Santo Antônio de Jesus, onde existem matadouros equipados com graxaria própria.
Para esse material ser absorvido, as empresas destas cidades têm que aceitar, mas acho isto difícil, pois o preço da farinha de osso e do sebo caiu muito e não é algo lucrativo, explica o diretor do Ministério da Agricultura. De acordo com ele, outro agravante é que os matadouros destas cidades não estão preparados para receber resíduos excedentes, já que o maquinário é construído para receber as carcaças diretamente da sala de abate.
Os prejuízos, caso o abatimento de gado em Simões Filho seja suspenso, não param por aí. O fechamento da Lucical gera risco de demissão para aproximadamente 800 funcionários que estão diretamente ligados ao setor. Os grandes comerciantes certamente irão comprar carne de outras localidades e até em outros Estados, se preciso for. Mas os pequenos estabelecimentos certamente serão prejudicados, advertiu o diretor, ao revelar que enviará equipe técnica do Ministério da Agricultura para ver de perto a situação na Lucical.
Sindicato das indústrias tem 90 dias para resolver a situação
O Sindicato das Indústrias de Carne e Derivados do Estado da Bahia (Sincar) se comprometeu, dentro do prazo de 90 dias dado pelo Ministério Público, a assumir a gestão administrativa da Lucical, cumprir o novo TAC (redigido após a audiência) e, se necessário, entrar com a injeção de recursos financeiros, segundo o presidente do sindicato, Júlio César Melo de Farias. Em paralelo a isto, com o objetivo de alcançar maior competitividade no mercado de produção de farinha de osso, o sindicato entrou com pedido de isenção fiscal do produto junto às secretarias estaduais da Agricultura e da Fazenda.
O proprietário da Lucical, Luís César da Silva, admite não possuir recursos para remodelar a Lucical dentro do que é exigido para garantir a segurança do trabalhador e a proteção ambiental. Ele afirma que o faturamento mensal da fábrica é de R$ 150 mil. A melhor solução é a intervenção do Sincar, que passará a receber 50% dos lucros da empresa, disse. Silva acredita que serão necessários pelo menos R$ 500 mil para reformar as dependências, dar manutenção nos equipamentos e fornecer EPI aos funcionários.
O especialista em fiscalização do CRA Marco Antônio Gama de Albuquerque declarou que, em virtude de a Lucical ter continuado suas atividades mesmo depois de ter sido interditada no último dia 8, a empresa terá de pagar uma multa de aproximadamente R$ 20 mil. O Sincar tem mais recursos para administrar a Lucical. Vamos dar mais uma oportunidade, mas algumas medidas terão que ser implementadas imediatamente, como utilização de EPI pelos funcionários e manutenção de equipamentos como o reator, a caldeira e o sistema de tratamento de emissão de gases, avisou o técnico do CRA.
De acordo com Marco Antônio Gama de Albuquerque, a interdição da Lucical foi suspensa na quarta-feira em caráter emergencial, mas ele frisou que estaremos por perto fiscalizando e, se as melhorias não começarem a ser implementadas logo, a fábrica estará sujeita a nova interdição, desta vez em definitivo.
A promotora de Justiça Hortênsia Gomes Pinho afirmou que não acredita que o Sincar, juntamente com o proprietário da Lucical, consigam corrigir todas ou a maioria das irregularidades da fábrica nos próximos 90 dias, quando está agendada nova reunião com todos os órgãos envolvidos. Se o novo TAC for descumprido, a multa não mais será de R$ 1 mil por dia, mas de R$ 5 mil, avisou a promotora.
RESUMO DO TAC
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