SALVADOR
Áreas verdes nos entornos de terreiros são suprimidas
Por Yuri Silva

Há três anos, quando o táta (pai de santo) Anselmo dos Santos foi acordado pelo barulho de tratores, ele nem imaginava que funcionários de construtoras tentavam derrubar a área de Mata Atlântica preservada no fundo do Terreiro do Mokambo, no bairro Trobogy.
Ao se deparar com a ação de desmatamento, que também resultou no aterramento de um rio que corria próximo ao templo, o sacerdote recorreu ao Ministério Público da Bahia (MP-BA), órgão que investigou o crime e ofereceu denúncia à Justiça, após perícias de Ibama, Inema e Polícia Técnica. Os implicados, responsabilizados no caso, aguardam decisão da Justiça.
Casos iguais ao do Mokambo têm se repetido na capital baiana, provocando a redução de áreas verdes no entorno dos templos de matriz africana.
De acordo com dados da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro (Fenacab), dez invasões ou ocupações irregulares desses espaços de preservação foram registrados nos terreiros da cidade somente em 2016.
Presidente da entidade, o babalorixá Aristídes Mascarenhas explica que a destruição dessas reservas ambientais impede a preservação da tradição religiosa, uma vez que o candomblé cultua justamente os elementos da natureza. "A folha, para nós, é o sangue verde, tem grande importância ritual", diz.
"Além das entidades que cultuamos serem espíritos da natureza, como Iemanjá é ligada ao mar, Oxum às águas doces e Oxóssi às matas, é nessas áreas que estão as árvores sagradas", completou o babalorixá.
Proteção
Quem vai aos fundos do Terreiro do Mokambo depara-se com poucas mudas resistentes ao crime denunciado pelo Ministério Público. Os galhos magricelas de um jovem baobá vindo de Angola também compõem o ambiente, protegido desde 1975 por ser área de Mata Atlântica e por possuir o título de Área de Proteção Cultural e Paisagística (APCP).
Além disso, o terreiro é inventariado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac). Esse instrumento é um dos previstos na Lei Estadual 8.895/03 para a salvaguarda de bens culturais materiais e imateriais. O tombamento é outro meio de proteção previsto na legislação.
O Tumba Junçara, outro terreiro que sofre com a perda de área verde, é tombado provisoriamente pelo Ipac.
O tombamento dos terreiros do candomblé por órgãos públicos não protege os templos de construções irregulares em áreas verdes. Nem mesmo nos casos de tombamento definitivo, quando a área do entorno é incluída dentro do espaço de proteção patrimonial.
Essa questão, de acordo com o diretor de preservação do patrimônio cultural do Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (Ipac), Roberto Pelegrino, deve ser tratada do ponto de vista da regularização fundiária - ou seja, de responsabilidade das prefeituras.

Tata Anselmo mostra desmatamento na região do Mokambo (Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE)
Insuficiente
O tombamento do bem material, ele explica, não impede que uma construção seja feita no entorno: "O que não pode é tapar a fachada do terreiro, que descaracterize a arquitetura do prédio histórico. A construção em si é uma questão municipal'", afirma Pelegrino.
O gestor afirma, ainda, que terreiros considerados Área de Proteção Cultural e Paisagística, como o Mokambo, devem ter proteção ambiental. O título foi conferido a alguns templos pelo novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Salvador.
A TARDE procurou as secretarias de Urbanismo (Sucom), responsável pelo plano, e Cidade Sustentável (Secis), pasta municipal de proteção ambiental, mas nenhum dos órgãos assumiu a responsabilidade sobre a fiscalização dessas áreas.
Fundação e estado
A Fundação Gregório de Mattos (FGM), entidade municipal responsável pelo tombamento de terreiros, também foi contatada, mas, segundo a assessoria de comunicação do órgão, essa questão não seria atribuição da fundação.
A Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) também informou que não pode agir diretamente nesses casos, segundo a titular do órgão, Fabya Reis.
Conforme a secretária, as denúncias de situações semelhantes que chegam à instituição são encaminhadas para órgãos do governo estadual que possuem poder de resolução - nesses casos, o Instituto de Meio-Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e a Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR).
Instalado irregularmente no bairro do Engenho Velho de Brotas desde o ano de 1938, a casa de candomblé administrada pela mameto (mãe de santo) Iraildes Maria da Cunha ocupa, atualmente, uma área aproximada de 1.000 m².
Esse espaço, entretanto, "já foi muito maior", de acordo com o filho do terreiro Paulo França, relações públicas da Associação de Manutenção e Defesa do Tumba Junçara (Abentumba).
Os motivos para a perda do terreno, explica Paulo França, são fundiários. Sem o título de posse do local, que o terreiro diz ter buscado junto aos órgãos públicos municipais, o terreiro foi sendo cercado e perdendo as área verdes ao longo dos anos.
Esse fato é comprovado em visita ao templo, guiada pelo presidente da Abentumba, táta Esmeraldo Emetério Filho. Hoje restrito a uma área cercada por construções em um dos bairros mais populares da cidade, o terreiro possui poucas reservas de área verde.
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