MOBILIDADE
Cresce procura por veículos elétricos, mas regras geram dúvidas
Falta de regras específicas para a utilização nas grandes capitais, inclusive Salvador, preocupa novos adeptos
Por Daniel Brito

A pandemia da Covid-19, que reforçou a necessidade do distanciamento social em sua fase mais aguda, e a mais recente alta dos combustíveis derivados do petróleo, como a gasolina e o óleo diesel, colocaram em evidência, no Brasil, a chamada micromobilidade. Ela engloba veículos leves de transporte, que circulam em baixas e moderadas velocidades e possuem propulsão elétrica ou humana, ou seja, não utilizam motores a combustão.
Entre os exemplos de veículos, estão bicicletas e patinetes elétricos, além de scooters - que são semelhantes a motocicletas, mas se diferenciam pela velocidade máxima que atingem e por não serem movidas a gasolina ou álcool. Todos eles se destacam pela sustentabilidade, já que não poluem o meio ambiente. Mas, ao mesmo tempo, a utilização traz insegurança a quem tem interesse em adquirí-los.
Apesar de o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabelecer regras para a utilização dos equipamentos, em Salvador e em grande parte das capitais não há normas específicas que detalham como pode ser feita utilização desses veículos, o que tem causado dúvidas e temores em possíveis novos adeptos, além de lojas que comercializam os itens. O Portal A TARDE conversou com alguns deles, que se queixam da insegurança gerada.

Insegurança na aquisição
A jornalista Paula Pitta sempre gostou de novas tecnologias para a mobilidade e já tinha interesse em adquirir um patinete elétrico. A alta do preço da gasolina fez com que ela adiantasse a busca pelo produto, a fim de garantir uma economia no orçamento.
No entanto, a insegurança causada pela falta de uma legislação específica para a utilização na capital baiana e o medo de ter o veículo apreendido em uma fiscalização de trânsito fizeram com que ela ficasse com um 'pé atrás' na compra. “Não gosto de seguir nada na ilegalidade, sempre me preocupo em me manter dentro daquilo que é previsto em lei. Fico com receio de adquirir e, logo depois, ser parada em uma blitz ou ter qualquer tipo de complicação”, conta.
Moradora do bairro de Praia do Flamengo, na orla, onde está concentrada a maioria da estrutura cicloviária da capital baiana, ela cita o constrangimento que teria caso o veículo fosse apreendido durante uma eventual fiscalização, com precedentes em outras regiões do país. “Já pesquisei e vi matérias em outros estados mostrando situações em que a pessoa é parada, tem o bem apreendido e não tem nem como recuperar, como acontece no caso de um carro, já que não tem nem como emplacar, a não ser por meio de uma ação judicial. É um absurdo”, adiciona.
Diferenciando os tipos
Nacionalmente, o Contran estabelece tipos para veículos que circulam por vias comuns de trânsito: ciclo-elétricos e ciclomotores. O primeiro reúne “todo veículo de duas ou três rodas, provido de motor de propulsão elétrica com potência máxima de quatro quilowatts, cujo peso máximo, incluindo o condutor, o passageiro e a carga, não exceda a 140 kg e cuja velocidade não ultrapasse 50 km/h”.
Já o segundo engloba “veículos de duas ou três rodas providos de motor de combustão interna, cuja cilindrada não exceda 50cc, equivalente a 3,05 pol³ (três polegadas cúbicas e cinco centésimos), ou de motor de propulsão elétrica com potência máxima de 4kW (kilowatts), e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a 50 km/h.
Os ciclo-elétricos são exemplificados pelas scooters, que são as motos elétricas, cujo combustível é, na verdade, uma bateria recarregável. Já os ciclomotores têm como principal exemplo as chamadas motos “cinquentinhas”, que têm esse apelido pelo fato de possuírem no máximo 50 cilindradas de potência. Elas são movidas a combustíveis, como gasolina. Para conduzi-los, é necessário ter uma Autorização para Conduzir Ciclomotores (ACC).
Por sua vez, há ainda os equipamentos de mobilidade individual autopropelidos, cuja utilização é permitida apenas em áreas de circulação de pedestres, ciclovias e ciclofaixas e não é necessária autorização ou habilitação. Seu maior exemplo são os patinetes elétricos. Para isso, precisam cumprir algumas condições, como velocidade máxima de 6 km/h em áreas de pedestres ou de 20 km/h nas ciclovias e ciclofaixas, além do uso de velocímetro, campainha e sinalização noturna, dianteira, traseira e lateral, incorporados ao equipamento.
Além disso, as medidas devem ser iguais ou menores do que as de cadeiras de roda, segundo a norma NBR 9050/2004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Para isso, precisam medir até 1,15 m de comprimento, 70 cm de largura e 92,5 cm de altura.
Disponibilidade à população
Embora visados nos últimos tempos, esses veículos ainda são inacessíveis para muitas pessoas devido a alguns fatores, como o alto preço e o desconhecimento acerca deles. É o que ressalta Daniel Guth, pesquisador em políticas de mobilidade urbana e diretor executivo da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), que cita o caso das bicicletas elétricas.
“O preço dela ainda está bastante desajustado ao poder de compra dos brasileiros e a principal razão é a tributária. Só o imposto é de 35% sobre o produto, e se você somar a carga tributária média dá 85% sobre o custo. Por mais que se consiga chegar a um produto acessível no sentido de peças e componentes mais baratos, o preço final de venda é muito alto justamente por causa disso. Não acessa mercados importantes que popularizariam esses produtos", ressalta.
“Muita gente nunca ouviu falar, nunca viu, nunca pedalou. Acham até que é parecida com uma moto, basta acelerar e vai, ou então que não traz ganhos ou vantagens. Então, quanto mais temos bicicletas elétricas rodando, mais as pessoas irão vê-las, mais elas se tornam desejadas, compreendidas e, aí, as pessoas vão buscar informação, testá-las, pedalar, participar de eventos onde elas serão expostas", acredita.
Segundo dados da Aliança Bike, 40.891 bicicletas elétricas foram vendidas em todo o Brasil em 2021, o que representa um volume 27,3% superior ao ano anterior, quando foram comercializados 32.110 equipamentos - número mais alto até então. A projeção para o setor, em um cenário conservador, é de alta de 22%. “No cenário otimista, apontado pelas empresas atuais, o crescimento seria de 50%, chegando em 60 mil unidades até o final do ano. Acredito que ficaremos mais próximos do conservador por várias razões: crise econômica, guerra na Ucrânia, falta de componentes no mercado global de bicicletas e alta inflação", diz Guth.
Falta de regras municipais
Proprietária da Patinetando Salvador, loja virtual que vende patinetes, bicicletas elétricas e scooters na capital baiana desde o começo de 2020, Iloma Sales também vê com preocupação a falta de regras mais aprofundadas e claras para a utilização dos equipamentos na capital baiana. Ela acredita que o aumento da demanda reforça a necessidade de esclarecimento.
“Acho que, quando chega em um determinado momento que aumenta o volume de unidades desses veículos nas cidades, é necessário começar a organizar, ordenar. Se não, vira bagunça. Pode parecer, a princípio, algo negativo, mas no final das contas, não será”, conta.
Uma outra preocupação citada por Iloma é que agora, alguns modelos de scooters precisam ser homologados junto à Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), o que poderia encarecer os itens. “É necessário para que possamos fazer o emplacamento se precisar. Esse seria um custo adicional a ser repassado aos clientes, mas pensamos em alternativas para evitar esse repasse. Uma delas seria terceirizar esse serviço, como algumas concessionárias já fazem”, visualiza.
Para ela, a chegada dessas normas deveria facilitar a vida dos futuros compradores, de quem vende e, por fim, do usuário que já adquiriu o equipamento em um momento anterior.
“Tem scooter, por exemplo, que atinge uma velocidade máxima de 40 km/h. Às vezes, uma velocidade superior a essa é atingida até mesmo pedalando uma bicicleta comum. Por isso, seria importante ter esse cuidado na legislação para não atrapalhar”, frisa.
Paula Pitta também reivindica essa especificidade no regramento local. Ela relata que já conversou com agentes de trânsito, que informaram que não há um protocolo definido para a fiscalização do uso de equipamentos elétricos, o que aumenta os temores. "Aí é que mora o perigo. Não pode ficar algo subjetivo, que vai depender da decisão naquele momento. Precisa de uma lei que valha para todas as pessoas, não pode ser algo específico, individual", queixa-se.
O Portal A TARDE procurou a Transalvador para esclarecimentos. Através da assessoria de comunicação, a autarquia informou que está analisando a última resolução do Contran, publicada no final de março, e deverá, nas próximas semanas, definir regras específicas para a utilização desses veículos na capital baiana, com base na legislação nacional vigente.
Necessidade de clareza
Embora as regras do Contran especifiquem a maioria dos casos, alguns detalhes não estão bem explicados, na avaliação de Daniel Guth. Ele cita o caso dos equipamentos de mobilidade individual autopropelidos, incluindo os patinetes.
“É confuso, porque só diz onde pode circular e estabelece o limite de velocidade, mas deveria estabelecer o limite de velocidade do veículo, e não do espaço em que irá circular. A confusão está aí. A pessoa vai dizer 'ah, mas o veículo chega a 50km/h, mas na ciclovia tem que rodar a 20 km/h'. Confunde a cabeça das pessoas. Então o texto deveria estar mais claro no que se refere ao veículo. Se não entrar nessa, vai entrar como ciclomotor, e se não for como isso, vai como motocicleta e por aí vai. Esse quadro progressivo de classificação deveria estar muito mais claro", alerta.
Porém, o especialista lembra que o fato de o texto não estar totalmente claro não significa que a regra não existe. Segundo ele, empresas que comercializam os produtos podem se aproveitar da situação para vender mais, causando confusão nos clientes e os induzindo ao erro, utilizando os equipamentos nas ruas de forma incorreta. "Elas estão equivocadas. O que sugerimos é que o texto tenha cada vez mais clareza justamente para evitarmos que empresas ajam de má fé ou queiram jogar na confusão para desinformar o cliente", reforça.
"E como fazer isso? Fazendo essa progressão da classificação muito mais clara, colocando pelo menos dimensão, potência de motor e limites de velocidade para cada veículo. A definição de onde cada um deles irá circular cabe aos municípios. Eles têm que regulamentar a velocidade máxima em uma ciclovia e todos terão que respeitar. Quem está na ciclovia com uma bicicleta comum a 20 km/h tem que respeitar essa velocidade", diz.
Guth lembra ainda que os municípios, como é o caso de Salvador, precisam regulamentar de acordo com as definições da resolução do Contran. "Podem ser mais restritivos? Podem, até porque o pacto federativo oferece essa possibilidade mas, por outro lado, não podem ser mais permissivos. Alguns, por exemplo, regulamentam o uso específico de uma via, de uma ciclovia por uma questão pontual, mas o código brasileiro de trânsito não pode ser ferido", finaliza.
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