SALVADOR
Crustáceo com risco de extinção, guaiamum ainda resiste em Patamares
Por Franco Adailton

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) adiou a proibição da venda do guaiamum, assim como a captura do animal, que passaria a valer a partir desta quarta-feira, 3, para o ano que vem. O crustáceo corre risco de extinção devido à caça predatória, agravada pela degradação dos manguezais onde completam seu ciclo de vida.
Apesar de ameaçado, o guaiamum – que se diferencia do caranguejo pela coloração azulada – ainda resiste na capital baiana, no último remanescente de manguezal da orla atlântica de Salvador, o estuário do rio Passa Vaca, que deságua na praia de Patamares.
Também em perigo, o estuário teve sua área drasticamente reduzida desde a década de 1980, quando caiu de 50 para 14 hectares, de acordo com o livro “Manguezal do Rio Passa Vaca”, de autoria do professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Carlos Caetano.
Se eu pegar as fêmeas, vou ajudar a acabar com a reprodução do guaiamum e, assim, do sustento de minha família
Nos dias atuais, o ecossistema litorâneo alimentado pelo encontro da água doce com a do mar tem conseguido suportar a pressão da cidade, mas é castigado pela expansão urbana, despejo de esgoto no rio, aterramento das nascentes e lixo.
Captura
É nesse cenário que o extrativista Florisvaldo Pereira, 35 anos, consegue tirar o sustento da família ao armar “ratoeiras” para pegar guaiamum. O apetrecho é confeccionado com um cano de PVC de 100 milímetros, onde são colocadas iscas para atrair o crustáceo, que vive em buracos na terra em áreas de manguezais.
Nativo de Salinas das Margaridas, no Recôncavo, o homem chega ao local por volta das 5h para verificar as armadilhas, mesmo na temporada de reprodução. A época de captura vai de maio a agosto, mas Florisvaldo diz não capturar as fêmeas (abdômem largo) que espalham os ovos.
“Se eu pegar as fêmeas, vou ajudar a acabar com a reprodução do guaiamum e, assim, do sustento de minha família”, assegura o pai de quatro filhos, que vende a dúzia do crustáceo por R$ 40. “Quando for proibida a captura, o governo tem de pensar numa alternativa para a gente”, emenda.
Abundância
A fertilidade do estuário é tamanha que, durante o período de andada (reprodução), os animais aparecem em abundância no condomínio Veredas do Atlântico II, ao lado do manguezal. É o que conta o técnico ambiental Nelson Araújo, 61 anos, morador local há pouco mais de duas décadas.

Crustáceo está ameaçado de extinção (Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE)
“Na temporada de reprodução, as fêmeas, chamadas de patas-chocas, surgem por todo o canto, inclusive, entram nas casas, se a porta estiver aberta”, relata. “O próprio condomínio foi construído na área que era do manguezal. Por isso, a memória dos animais o trazem aqui”, continua.
Araújo clama pela necessidade de conservação do ecossistema, a partir da retirada do lixo trazido pelo rio, em conjunto com a supressão de espécies vegetais invasoras. “Eu fico até triste em ver a situação em que o manguezal se encontra atualmente”, lamenta.
Preservação
À época da construção do condomínio, no início da década de 1990, o estuário não era reconhecido pelo Município como Área de Preservação Permanente, conta o professor Caetano, que conseguiu transformá-lo na Unidade de Conservação Parque do Manguezal do Rio Passa Vaca.
“Esse foi o legado de um trabalho junto com o ativista Antônio Reis, no qual nos esforçávamos para a conservação do Parque do Abaeté”, lembrou, em memória do ambientalista da ONG Nativo de Itapuã, que foi assassinado em julho de 2007, em um crime até hoje não solucionado.
“O projeto incluído no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de 2009 previa transformar o manguezal numa área de educação ambiental”, explica.
“Além disso, os extrativistas seriam orientados sobre manejo e seriam monitores do projeto, que nunca foi implantado. Continuo à disposição dos poderes públicos, como voluntário”, convida.

No período de reprodução, animais aparecem em condomínio (Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE)
“Criticamente em perigo”
Essa é a terceira vez que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) adia a decisão relacionada ao consumo do cardisoma guanhumi, nome científico do guaiamum, que, desde 2014, passou a ser classificado como “criticamente em perigo” na lista de 475 espécies ameaçadas de extinção da Portaria 445.
O Ministério informa que uma rede composta por universidades, pesquisadores e órgãos ambientais constatou a diminuição das populações de crustáceos como o guaiamum e o caranguejo uçá no Brasil, além de algumas espécies de peixes.
Se não definirmos regras mais fortes, no futuro breve, as próximas gerações não conhecerão o guaiamum
O diretor do Departamento de Conservação e Manejo de Espécies do MMA, Ugo Vercillo, argumenta que as mudanças nas regras quanto ao consumo do guaiamum foram postergadas por não ter havido tempo hábil para que o setor produtivo se ajustasse.
“Também houve mudanças estruturais em alguns ministérios, nas quais a Secretaria de Pesca saiu da pasta da Agricultura para a Indústria e Comércio, o que dificultou a publicação das novas regras”, informou.
Proibição
Com o adiamento, as restrições previstas na Portaria, também conhecida como Lista Vermelha dos Peixes e Invertebrados Ameaçados de Extinção Brasileiros, deverão entrar em vigor somente a partir de 30 de abril do ano que vem.
Antes da prorrogação da Portaria, o prazo para a comercialização do estoque declarado de guaiamuns, até 6 de março passado, expiraria amanhã. A captura já havia sido proibida pelo Ministério no último mês.
“Não conseguimos publicar o ato que regulamentava o extrativismo, bem como a venda, a tempo de paralisar as atividades dos setores produtivos. Se não definirmos regras mais fortes, no futuro breve, as próximas gerações não conhecerão o guaiamum”, conclui.

Manguezal que ainda resiste está repleto de lixo (Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE)
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