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SALVADOR

Décadas de folia e suor

Por JORNAL A TARDE

22/01/2006 - 0:00 h

Regina Bochicchio



Dos anos 50 do século passado até hoje, o Carnaval da Bahia passou por inúmeras transformações. Talvez, para os que tiveram a idéia de subir num velho Ford 1929 e sair pelas ruas tocando instrumentos eletrizados – Dodô e Osmar –, a coisa não fosse vingar tanto. Não só vingou como é o principal apelo turístico do Estado. O fato é que do Carnaval da Bahia hoje fazem parte os que lucram, trabalham, gastam e brincam. Há quem questione se a “festa da carne”, Carnevale, como foi concebida nos séculos XIII e XIV, ainda seja democrática. Um passeio per seus principais momentos históricos, a partir da década de 50, mostra um pouco das mudanças sofridas pela folia.



50/60



Surge o trio elétrico



Marco –
A “Fobica” (um Ford 1929), precursora do trio elétrico, desfila pela primeira vez em 1950, com a dupla Adolfo Antônio Nascimento e Osmar Alvares de Macedo: Dodô e Osmar. O nome “trio elétrico” surge no ano seguinte, quando um conjunto de três instrumentistas eletrizados anima a festa, arrastando uma multidão no centro da cidade, junto com Temístocles Aragão. O som saía de alto-falantes conectados ao carro. Osmar criou o pau elétrico e, depois, a guitarra baiana. Em 1954, surge o Trio Tapajós, responsável pela manutenção e expansão de trios. Em 1962, surge o primeiro grande bloco, Os Internacionais.



A Cidade – O Carnaval acontece no centro da cidade – do Campo Grande até a Praça da Sé – desde as décadas finais do século XIX. Porém, quem participava ativamente nas ruas no início da década de 50 era o povo menos abastado, artistas de todas as áreas e intelectuais. As pessoas se fantasiavam e muitas ainda usavam máscaras.



Os desfiles não eram organizados e dele faziam parte escolas de samba, afoxés e blocos de índios, como o Apaches do Tororó; Batucadas (grupos de percussão). As elites faziam seu carnaval em clubes (Fantoches da Euterpe, Cruz Vermelha...) e nas ruas, através do desfile dos mesmos, com carros alegóricos e fantasias temáticas.



Quando surge o trio elétrico, começa a cultura de acompanhar o veículo pelas ruas. As cordas sempre existiram para demarcar a passagem de um desfile, mas quem segurava eram os próprios integrantes dos cortejos. Nos bairros em que havia escolas de samba ou afoxés e blocos também existiam festas espontâneas, embora o point fosse o centrão. No final da década de 60, o Carnaval era uma mistura disso tudo: trios elétricos, cujos artistas não eram necessariamente famosos; vocalistas eram raros – por questões técnicas, pois a voz saía microfonada (ruidosa) por alto-falantes.



Nomes: Dodô e Osmar, Zé Pretinho, Filhos de Gandhy (fundado em 1949); Riachão; Cavaleiros de Bagdá; Internacionais; Tapajós.



70



Alto e bom som



Marco –
Os Novos Baianos colocaram sobre um trio caixas de som amplificadas e transistores, melhorando a qualidade técnica do som, aumentando o volume e consolidando o vocalista (Baby Consuelo). Moraes Moreira teve, também, a “sacada” de criar o chamado “frevo baiano”. Outro fato importante: o Ilê Aiyê é o primeiro bloco afro a desfilar na cidade, em 1974, abrindo portas para dezenas de outros. Ou seja, começa o processo de africanização da festa. Os blocos “de classe média” (Internacionais, Corujas...) crescem progressivamente. Os Novos Baianos lançam um show para homenagear o jubileu de prata de Dodô e Osmar, em 1975.



A cidade – Tempos áureos da Praça Castro Alves, quando começou a idéia do “encontro de trios” na noite de terça-feira de Carnaval. Aliás, a Castro Alves, durante a festa, era reduto de artistas, intelectuais, universitários. Nada de violência. As ruas eram decoradas pela prefeitura, as pessoas já não usavam máscaras – a mortalha era o “uniforme” – e um número maior de participantes aderia à folia.



O desfile não era organizado de forma sistemática. Numa tarde na Avenida Sete, por exemplo, se podiam ver blocos afros, trios elétricos, blocos de índios e blocos de trio sem ordem preestabelecida.



As classes mais abastadas participam cada vez em maior número na festa. As escolas de samba desaparecem do Carnaval. Os números de blocos de trio cresce. Em 1979, o ritmo dos afoxés foi fundido com as elétricas guitarras do “frevo baiano” a partir da música “Assim pintou Moçambique”, de Moraes Moreira. Esse ritmo viria a influenciar o que foi criado na década seguinte.



Nomes: Doces Bárbaros, Novos Baianos, Caetano Veloso (homenageado pelo Tapajós com o trio Caetanave, em 1972); Armandinho, Ilê Aiyê, Muzenza, Broco do Jacu, com Walter Queiroz; Bloco Saku Cheio (Lui Muritiba, Aroldo Macedo) Bloco do Barão; Os Fantasmas; Pareô; Banda Scorpions (futuro Chiclete com Banana).



80



A grande sacada



Marco –
A música do Carnaval passa a ser gravada em estúdio: idéia que mudou tudo e que teve à frente Wesley Rangel, do estúdio WR. Entram em cena nomes como Luiz Caldas, Sarajane e até Carlinhos Brown. Luiz Caldas lança, em 1995, a música “Fricote”, que explode nacionalmente, seguido de Sarajane, com a música “Enlarguecer”, e a banda Reflexu’s, com “Ilha, ilha do amor”. Os blocos de trio, que já são muitos, começam a se profissionalizar: trios modernizados, com ar-condicionado, equipamentos de primeira linha. O Carnaval começa a ser lucrativo. O artista sai do status de “cantor de trio” e passa a ter vida própria. As rádios passam a tocar as músicas de artistas locais o ano todo. Já no final da década, o jornalista Hagamenon Brito Cunha introduz na imprensa o termo “axé music”, designando o movimento.



A cidade – Quem chega antes é o primeiro a sair: os trios ficavam em fila, no Corredor da Vitória, na véspera da saída. Por este motivo, não existia uma programação definida no Carnaval. Além disso, nem todo trio saía da Vitória, pois o percurso podia ir até a Praça da Sé. Acontecia, por exemplo, de um trio descer a Carlos Gomes enquanto outro subia.



Com os blocos afros, afoxé e de índios, era a mesma coisa: quem chegasse primeiro. Barracas e balcões de ambulantes eram montados ao longo da calçada do circuito e arredores. O público cresceu em proporção, o turismo começou a aumentar.



Nessa história de fila para trios, começaram os atritos entre seus organizadores. Foi em 1988, no governo de Mário Kertész, que Wally Salomão, então à frente da Fundação Gregório de Mattos, decidiu reunir as pessoas para discutir o fato. Dos encontros, ficou decidido o critério da antiguidade: os mais velhos saem na frente. É assim até hoje.



Nomes: Luiz Caldas, Sarajane, Laurinha, Caetano Veloso; Chiclete com Banana, Asa de Águia, Ricardo Chaves, Banda Reflexu’s, Margareth Menezes, Banda Mel, Banda Cheiro de Amor (Márcia Freire); Banda Eva (Marcionílio); Olodum (Neguinho do Samba); Ademar e Banda Furta Cor; Gerônimo; Lazzo Matumbi, Ilê Aiyê.



90



O fenômeno axé music



Marco –
Em 1992, a cantora Daniela Mercury lança, nacionalmente, pela gravadora Sony, o disco O canto da cidade, expandindo o ritmo que se convencionou chamar samba-reggae. Nada seria igual depois do chamado movimento axé – tudo o que saísse da Bahia era axé. Tudo o que tocava no Carnaval passou a ser gravado, lançado e distribuído em todo o País e fora dele também. As indústrias fonográfica e do Carnaval (turismo) são conjugadas. No meio da década, começa o fenômeno “pagode baiano” com mulheres rebolantes acompanhando.



Os trios elétricos viraram verdadeiras potências sonoras. Comprar um abadá de um bloco cujo artista/banda fosse famoso passou a ser bem caro.



No final da década de 90, os artistas acabaram “surpreendendo” os blocos, pois eram independentes e excursionavam pelo País.



As ruas do centro não suportavam mais o número de foliões e, por este motivo, o Carnaval foi ampliado, em 1992, para outro circuito, o Barra-Ondina. Alguns trios já passavam por ali, mas sem essa instituição. A área do Porto também passou a abrigar uma espécie de pré-carnaval, chamado Farol Folia. Além disso, o Pelourinho, depois de “revitalizado”, também passou a ser um circuito carnavalesco, sem trios.



Os blocos de trio são formados por multidões de foliões; as cordas crescem e surge a função instituída do cordeiro, que passou a ser fundamental. O folião pipoca passa a ter menos espaço no asfalto para “correr atrás” do trio. No governo de Lídice da Mata (1993-1996), os ambulantes forma padronizados e proibidos de montar suas barracas no passeio dos circuitos.



Surgem os primeiros camarotes. O oficial, no Campo Grande, foi o primeiro. O povo, porém, improvisava nas ruas, em bares, restaurantes e varandas de casa, camarotes amadores e modestos.



Nomes: Daniela Mercury, Chiclete com Banana, Timbalada, Asa de Águia, Banda Eva (com Ivete Sangalo); Cheiro de Amor (com Márcia Freire); Gerasamba, que vira É o Tchan de Carla Perez; Terrasamba, Cia do Pagode, Ara Ketu (fundado em 1989); Olodum, no auge; Netinho; Ricardo Chaves; Ilê Aiyê; Pimenta Nativa; Jammil e uma Noites; Jheremias Não Bate Corner.



00



A festa na mídia



Marco –
É o Carnaval transmitido em cadeia nacional (questão de sobrevivência?), dos camarotes e do Circuito Barra-Ondina. O movimento axé music já não tem a força de antes (alguns dizem que ele morreu). Mas o Carnaval continua atraindo milhares de turistas. Sempre há uma banda ou artista “da vez”.



O Carnaval, nesse primeiro meado, não apresentou mudanças estruturais significativas. O boom da indústria fonográfica passou, por conta da pirataria e falta de oxigenação da criação. Mas há os que vendem bem, como Ivete Sangalo, ou quem inove, como Daniela Mercury, que colocu sobre o trio um pianista, em 2005. Ela inaugurou, no início da década, o trio tecno. Sempre na Barra.



O Circuito Barra-Ondina se consolidou como “a menina dos olhos” de todos os trios, blocos e artistas. Afinal, é para ali que as câmeras das televisões do Brasil focam suas lentes (e de outros países). Principalmente por este motivo, o circuito tradicional acabou perdendo a preferência.



A “avenida”, como é popularmente chamado o circuito do centro, perdeu muito de seu prestígio, embora por ali o domingo de Carnaval seja o grande dia e que reúne as grandes atrações. O famoso “encontro de trios da Castro Alves” perdeu a aura, digamos, libertária. Ao que parece, a catarse tem sido substituída pelo Arrastão da Quarta-feira de Cinzas, outra invenção desta década.



Uma das grandes diferenças para quem freqüenta o Circuito Dodô é a presença dos camarotes (para convidados ou em áreas privadas).



Há quem defenda que o Carnaval deve ampliar novamente seu espaço, abrindo novo circuito. Já foram cogitados locais como a Paralela, orla, na altura do Aeroclube Plaza Show (para onde o Farol Folia foi transferido). Mas, até então, tudo não passa de especulação.



Nomes: Ivete Sangalo; Rapazolla; Babado Novo; Psirico; Margareth Menezes; Guig Ghetto; Harmonia do Samba; Oz Bambaz; Pagodart; Bom Balanço; Chiclete com Banana; Asa de Águia; Luiz Caldas; Ilê Aiyê; As Meninas; Gilberto Gil (e seu Expresso 2222); Gerônimo; Timbalada e Carlinhos Brown; Cortejo Afro; Daniela Mercury; Cheiro de Amor (com Alyne); Armandinho; Afrodisíaco (Pierre Onassis e Jauperi, ex-Olodum).



Consultores: professor doutor Paulo Miguez (Ufba); Antonio Jorge Godi, doutorando em Comunicação e Sociedade Contemporânea (Ufba), professor da UEFs, pesquisador do tema Carnaval; Cristovão Rodrigues, jornalista, radialista e coordenador do Carnaval em 1989/1990. Fontes: Revista Nossa História (fevereiro 2005); Revista Época (fevereiro 2005); arquivo jornal A Tarde; www.carnaval.salvador.ba.gov.br/historia



PALAVRA DE QUEM FAZ



O que você mudaria no Carnaval de Salvador?



Ivete Sangalo

cantora




“Não mudaria nada. O Carnaval é a oitava maravilha da natureza. Cresce a cada ano e só aumenta a alegria, em todos os sentidos. Eu aumentaria, sim, o circuito, para poder dar vazão ao maior Carnaval do mundo.”



Tatau

cantor do Araketu




“Estabeleceria um tempo de permanência dos trios no circuito da avenida, a ser cumprido por todos indistintamente, para o Carnaval fluir melhor. E na Barra também, assim o fluxo da passagem dos blocos ficaria sem problema.”



Margareth Menezes

cantora




“Acho que se deve ampliar o espaço para os trios independentes, que fazem um carnaval realmente do povo, e para os blocos afros, pela tradição e importância que eles têm. Eu não sei nem como esta questão está sendo cuidada neste ano, mas é importante estar atento para isso.”



Carla Viszi

cantora




“À medida que surge um novo circuito, o carnaval do Campo Grande está ficando para escanteio. Minha sugestão é que se tenha um pouco mais de atenção para o circuito da avenida. Que até surjam outros circuitos, Pelourinho, Barra, mas que o carnaval do centro não seja deixado de lado. Ali é um circuito único do Carnaval de Salvador.”



Luiz Caldas

cantor




“Eu não mudaria nada, porque o evento por si só, está em constante mudança. O Carnaval de Salvador sofre mudanças demais, mudanças naturais, que acontecem gradativamente, todos os anos. Acredito que essas mudanças farão os trios independentes terem mais espaço. Afinal, não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.”



Gerônimo

cantor e compositor




“Se eu pudesse, mudaria a atuação da mídia, faria com que ela fosse itinerante, não desse atenção apenas aos circuitos oficiais, as grandes atrações. Onde a mídia está, tem gente querendo aparecer, aí chegam os camarotes, as grandes atrações, e isso faz com que o povão fique espremido nos espaços que restam.”



PALAVRA DE QUEM PULA



O que você mudaria no Carnaval de Salvador?



Andreza Luz 18 anos, estudante




“Mudaria o foco do carnaval que hoje está no circuito Barra, tentaria voltar a atenção para o circuito do Campo Grande, que está ficando um pouco apagado.”



Bárbara Cristina Santos 25 anos, negociadora



“Eu não mudaria nada no carnaval, acho tudo ótimo. Só colocaria como obrigatório o fechamento do comércio na Quarta-feira de Cinzas, para que as pessoas pudessem aproveitar mais.”



Waldelício Rocha Filho 41 anos, taxista



“Acho que a prefeitura precisa se preocupar com o transporte do folião, colocar à disposição mais linhas de ônibus, organizar melhor tanto os coletivos, quanto os táxis, para que as pessoas possam saltar mais próximo do circuito.”



Cristina Mara 39 anos, atendente



“Eu diminuiria o número de camarotes na Avenida Sete de Setembro, porque o público não consegue brincar, devido ao aperto.”



Marcelino de Souza 45 anos, auxiliar de serviços gerais



“Colocaria o encontro de trios novamente na Praça Castro Alves e levaria mais trios para o circuito do Campo Grande”



Fabrício Moura 26 anos, estudante



“Eu mudaria a forma de fazer carnaval nos bairros. Essa festa local é para tirar os menos favorecidos dos grandes circuitos, mas a prefeitura não investe em estrutura, em segurança. Na Liberdade mesmo, é muita desorganização e violência.”

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