SALVADOR
Dialeto do gueto: periferia adota vocabulário próprio
Por Maíra de Azevedo

Bê, não precisa ficar no veneno. Porque eu sou pelo justo e vou explicar tudo direitinho. Não vou ficar de brisa, vou dar a ideia geral. Pode colar comigo, que eu tô no brilho. Este texto pode ser a maior onda, mas quem é do gueto sabe que esse vocabulário é estourado. Não tem nada de barril, só se for dobrado. Pegue a visão, chegue nas manhas e veja que tudo que eu falei aqui tá batendo.
Quem mora nas quebradas, becos e vielas de Salvador conhece o dialeto urbano usado acima. As gírias são um jeito de incrementar a forma de se comunicar. É como se palavras diferentes fossem usadas para reforçar a identidade de quem mora na periferia.
De acordo com a professora Cláudia Santos, mestre em linguagens, o uso dessas expressões revela faixas sociais , mas não deve ser visto como uma espécie de limitação. "A criatividade e aceitação das comunidades determinam a circulação dessas expressões. Pode revelar até mesmo a consciência acerca do preconceito", explica.
Nascido e criado no Curuzu, Yuri Santana, 23, é um típico jovem de bairro popular: se veste na moda e as gírias comandam seu repertório. A força é tanta, que ele acrescentou ao nome: Santana deu lugar a Miserê. "Muitos (amigos) me chamam só de Miserê. Tem gente que só me conhece pelo vulgo", conta Yuri.
Morador do Nordeste de Amaralina, Mauricio dos Santos, 30, mais conhecido como MR Armeng, acredita que as expressões servem para amenizar as dores do povo do gueto. "É quando a gente coloca nosso humor para fora. Suaviza nosso sofrimento com o humor que é peculiar do nosso povo. A gente se reinventa o tempo todo e o nosso falar marca isso".
Ideia de pertencimento: "É tudo nosso!"
Reforçar a ideia de grupo, de identidade e de reconhecimento de que fazem parte da mesma esfera social - é para isso que as gírias servem. É como se fosse uma espécie de código que desvenda quem é aquela pessoa apenas pelo modo de falar. "Nesse espaço da comunicação, cabe muita coisa. É a possibilidade de atribuir valor positivo em situações que, historicamente, foram negadas. Demarca terrritórios e, além disso, possibilita reconhecer quem está em situações semelhantes a sua. Isso é fruto de muita criatividade, diria até sabedoria. É se reinventar. Um jeito único de se comunicar", explica a professora Cláudia Santos.
Gíria vira nome: marca registrada
Na certidão de nascimento consta Yuri Santana, mas é como Miserê que esse apaixonado por pagode é reconhecido. O 'sobrenome' foi justamente por causa de uma música do Psirico. Como é fã incodicional da banda, ele passou a ser reconhecido assim. Miserê, para quem não sabe, quer dizer pessoa feliz, que está organizada ou com a roupa na pegada da moda. "Trouxe para as redes sociais este 'sobrenome' porque gosto de ser denominado de Miserê. Para falar a verdade, tem lugares em que só me apresento assim". O nome virou marca registrada e sempre que está nos shows de Márcio Victor, ele é chamado pelo apelido.
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