Editorial: Testes de negligência

A coleção de absurdos ocorridos no Brasil ganhou uma nova peça, com o desperdício de dinheiro público em plena pandemia, devido ao desleixo com os testes para coronavírus, substituindo-se a busca por salvar vidas por uma incessante pulsão de morte. A hipótese de ser o homem mau por excelência ganha força com a possível inutilização de 6,8 milhões de testes de diagnóstico, do tipo RT-PCR, cuidadosamente armazenados pelo governo federal no município de Guarulhos, São Paulo.

Enquanto os órgãos de fiscalização preparam-se para verificar por que os testes estão guardados, em busca de um desfecho aceitável para o absurdo, a rede pública espera sua distribuição com urgência. O material custou R$ 290 milhões ao erário e pode perder a validade até janeiro, embora o Ministério da Saúde, comandado por um general, já tenha consultado os fabricantes sobre uma possível prorrogação em sua validade, como forma de reduzir tamanho dano.

O problema teria sido ocasionado por uma dificuldade de comunicação, pois os testes são repassados a estados e municípios sob demanda, então, o governo federal os teria enviado tão logo fosse solicitado. As secretarias municipais e estaduais de Saúde informaram ter recebido kits incompletos, encaminhados pelo governo, com número reduzido de reagentes, tubos de laboratório e cotonetes de coleta.

Por negligência, sabotagem ou incompetência, não importa o motivo, o fato é ter de admitir o prejuízo para a população, em razão de muitas vidas terem sido perdidas por conta de falta de diagnóstico da doença em tempo hábil. Uma análise qualitativa dos números pode ajudar a entender a dificuldade em lidar com a situação, pois dos 24,2 milhões de exames de coronavírus realizados, só 20% foram pelo Sistema Único de Saúde (SUS), favorecendo a iniciativa privada.

O contexto de risco de expansão da pandemia, em meio à falta de empenho para seu enfrentamento, tem no desperdício uma prova inequívoca do desamparo da cidadania brasileira, no momento de seu maior desespero.