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16/11/2023 às 5:00 • Atualizada em 16/11/2023 às 6:20 - há XX semanas | Autor: Priscila Dórea

INFÂNCIA

Enfrentamento ao racismo avança, mas preconceito ainda é obstáculo

Para desembargador, problema não é só o racismo; perfil e idade são os principais empecilhos nas escolhas

Desiree Dalia é ‘mãe solo’ por adoção de Arthur Dalia, de 23 anos
Desiree Dalia é ‘mãe solo’ por adoção de Arthur Dalia, de 23 anos -

“Você apenas não pode colocar o preconceito à frente do real propósito, que é ter um filho. Quando você é mãe e pai, realmente aceita tudo que vem, ensina e coloca limites quando é necessário, seja esse filho biológico ou adotivo. Cor, raça ou gênero não importam e não deveriam importar”, afirma a nadadora e diretora da academia Dalia Acqua Sport, Desiree Dalia, mãe solo por adoção de Arthur Dalia, de 23 anos.

Quando viu Arthur pela primeira vez, ele tinha apenas 25 dias de vida e havia acabado de superar uma complicação cardíaca. Desiree já havia passado por outro processo de adoção anos antes, mas a criança, Laura, acabou sendo adotada por outra família. “Quando você entra no lento processo de adoção, isso acaba se tornando uma gestação e perder a Laura foi como um aborto para mim. Algum tempo depois, em uma ONG chamada Beija-flor, que hoje não existe mais, fui conhecer três bebês que eles haviam acolhido. Um deles sorriu assim que me viu e na hora eu soube que ele era meu filho. Era o Arthur”, lembra.

De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Bahia tem hoje 211 crianças e adolescentes aptos à adoção: 60% identificados como pardos, 30% são da cor preta e 10% da cor branca. Psicóloga e analista judiciária integrante da equipe técnica da Coordenadoria de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça da Bahia (CIJ/TJ-BA), Alessandra Meira diz ser perceptível que o avanço do enfrentamento ao racismo tem se refletido no sistema de adoção. Mas há um longo percurso pela frente, pois muitas questões podem ser veladas.

“Hoje em dia, a maioria dos pretendentes declara não ter preferência em relação à raça, cor ou etnia, mas há questões consideradas subjetivas, que por vezes são apontadas como motivo para uma negativa de aproximação, e que podem escamotear uma manifestação de racismo. Além disso, sabemos que não são tão raras as situações de discriminação vivenciadas por crianças negras que foram adotadas por pretendentes brancos”, explica a psicóloga.

O racismo é um tema que permeia a sociedade de maneira ampla e, somente na medida em que evoluirmos em outros âmbitos, afirma Alessandra Meira, é que conseguiremos mitigar o impacto que ele provoca nas questões de adoção. “Esse tema deve ser trabalhado em espaços, desde a mídia em geral e palestras, bem como no decorrer do processo de habilitação, em cursos de preparação para adotantes, grupos de apoio à adoção, e, caso necessário, por meio de uma intervenção mais direcionada da equipe técnica a serviço da justiça”, sugere.

Com dois filhos biológicos – o mais velho já com 19 anos na época -, Fernanda Conceição (nome fictício) conta que nunca passou pela cabeça dela ter um terceiro, ainda mais por adoção. “Mas um dia um menininho me ganhou pela possibilidade de não deixar mais uma pessoa se perder corroída pelo que uma criança negra e pobre sofre em nossa sociedade. Eu nunca havia refletido sobre o racismo estrutural até ter ele comigo”, conta.

Quando Fernanda conheceu o filho André (nome fictício), ele tinha apenas nove meses e vinha de uma história de muito sofrimento, com a mãe biológica o alimentado com leite que era comprado com a venda de papelão e latinhas recolhidas nas ruas. “O meu propósito foi e sempre será o de cuidar dele como uma joia perdida em meio a muitas pedras e lama. Depois da adoção, não demorou para que um psiquiatra fizesse parte de nossas vidas e André recebeu o diagnóstico de depressão crônica, uma condição que carregamos junto com ele com muito esforço, porque apenas não dá para desistir”, conta a mãe.

Hoje André já é um homem “bonito, educado e com vontade de vencer”, afirma Fernanda, e sempre foi um bom aluno, dedicado a tudo que faz. “Uma mãe não desiste do filho e hoje me desdobro na emoção de nunca me separar dele. Amo muito o meu filho e espero que um dia ele consiga compreender, e até amar, esse mundo que sempre se mostra tão difícil e cruel quando se trata de uma pessoa negra”, torce.

Chances

Presidente da Organização do Auxílio Fraterno (OAF), que possui 86 crianças institucionalizadas, Jozias Souza pontua que o racismo dentro do sistema de adoção é um problema que precisa ser lidado. “Infelizmente, apesar de nós vivermos no estado mais negro do país, o racismo ainda está presente no sistema de adoção, diminuindo ainda mais as chances de uma criança ou adolescente negro de ser adotado”.

A questão racial no âmbito da adoção será um dos temas discutidos, inclusive, no evento Desmitificando os Estigmas da Adoção, que acontecerá no próximo dia 21 na OAF. "É um assunto que precisa estar sempre em discussão, porque afeta diretamente a vida de crianças que apenas desejam encontrar uma família para elas. É preciso criar meios de mudar isso, de mudar o pensamento desses adotantes", explica o presidente da OAF

Mas Souza também alerta par a a morosidade do sistema para adoção.

“As 83 crianças e adolescentes que vivem aqui e não podem ser adotadas estão presas em audiências e nas mãos de promotores com pouca ou nenhuma sensibilidade, que se prendem à ideia de que essas crianças devem ficar com as famílias biológicas, sendo que grande parte delas envolviam essas crianças em tráfico, trabalho infantil, prostituição e outros abusos”, explica Jozias Souza.

Desembargador e coordenador da CIJ do TJ-BA, Salomão Resedá ainda ressalta que a idade escolhida pelos pais que desejam adotar permanece sendo um dos maiores empecilhos. “O que é muito compreensível, porque a natureza nos dá os nossos filhos biológicos recém-nascidos, as pessoas que querem adotar almejam encontrar o filho dentro desse perfil e buscam por crianças com um ano ou menos. Então, a meu ver, o problema não é o racismo, mas, sim, o perfil. O que nós precisamos combater é o aspecto da idade. Crianças com a idade mais elevada e adolescentes também, infelizmente, têm chances bem menores”, explica.

Evento

O evento Desmitificando os Estigmas da Adoção, na próxima segunda-feira, será realizado no auditório da Organização de Auxílio Fraterno (R. do Queimado, 17 - Liberdade.

O encontro terá a participação de Walter Ribeiro (juiz titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Salvador), Maricleide Teixeira (advogada especializada em direito civil), Ivone Simioni (assistente social mestre em saúde pública) e Oilda Rejane (coordenadora do Programa de Combate ao Racismo Institucional da Prefeitura do Salvador).

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