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Entrevista: Delegada transexual fala sobre sua trajetória

Por Milena Fahel

30/03/2014 - 10:38 h
Delegada Laura de Castro, transexual
Delegada Laura de Castro, transexual -

Em 1949, a filósofa francesa Simone de Beauvoir defendia no livro O Segundo Sexo que "ninguém nasce mulher: torna-se mulher". Passados 65 anos, a delegada transexual Laura de Castro Teixeira, 33, há dois meses na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) de Goiânia (GO), conta um pouco da trajetória dela, que ganhou repercussão na mídia nacional após uma publicação nas redes sociais, mostrando o resultado da transformação. Laura se afastou das atividades para ir à Tailândia, em setembro, realizar uma cirurgia de redesignação sexual ("mudança de sexo"). Ela já havia feito plásticas no rosto e, quando retornou ao Brasil, também colocou próteses nos seios. Antes de assumir o cargo na Deam, foi encarregada de delegacias comuns em municípios próximos a Goiânia. Quando retomou o cargo, em fevereiro deste ano, foi remanejada à Deam e, com dez dias, conseguiu judicialmente o nome de registro feminino. Confira trechos de entrevista exclusiva concedida ao A TARDE.

Nos conte um pouco da sua experiência na mudança do nome de registro (se tentou mudar de nome antes da cirurgia de redesignação sexual; se teve dificuldades de mudar o nome antes ou depois; quanto tempo levou essa mudança e o processo).

A experiência foi extremamente positiva. Já tinha realizado pesquisas, e conversado com algumas mulheres trans que já haviam tido seu pedido deferido pela justiça, que me deram a ciência de que os juízes que atuam em Goiânia mantêm entendimento pacífico no sentido de deferir o pedido às mulheres transexuais que já tenham se submetido a cirurgia de mudança de sexo. Tinha uma expectativa de ter um processo concluído em três meses, mas a justiça se antecipou, realizando os atos necessários em menos de dois meses. Ressalte-se que ingressei com o pedido em meados de dezembro de 2013 e a sentença foi proferida no início de fevereiro de 2014.

Qual sua opinião com relação ao processo de mudança de nome de registro para pessoas que não realizaram a cirurgia de redesignação? O que deveria ser repensado pela justiça?

Ao passo em que é pacífico na jurisprudência que se autorize às pessoas transexuais operadas o deferimento dos pedidos de mudança de nome e sexo nos registros públicos, a situação é diferente em relação aos transexuais (homens e mulheres) não operados. Então, cada juiz decide conforme achar mais adequado ao direito, sendo que alguns deferem o pedido e outros não. Outros, por sua vez, autorizam que seja retificado o nome, mas não aceitam a retificação do sexo no registro civil. Na minha opinião, todos os transexuais, sejam operados ou não, deveriam ter autorizada a mudança dos designativos de nome e sexo nos registros públicos, eis que é obrigação do Estado, e da Justiça como seu braço, promover a dignidade de todo cidadão, e mudar o nome de uma pessoa, mantendo nos registros públicos um designativo de sexo que não corresponde ao que a pessoa expressa socialmente, é uma ofensa à dignidade da pessoa. Em Goiânia já existe decisão autorizando a mudança do nome e do designativo de sexo de transexual não operado, mas, infelizmente, essa decisão não é regra no cenário nacional.

A senhora acha que o reconhecimento do nome social em documentos oficiais pode contribuir para inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho e na vida social delas? Por quê?

A minha realidade é diferente porque ingressei no cargo que ocupo após ter passado por rigoroso concurso público, e concluído com notas máximas meu período de estágio probatório. Logo, já realizei todo o procedimento de mudança tendo a certeza de que estava completamente amparada pela lei e pelo Direito, segura de que não perderia meu cargo tão duramente conquistado. No entanto, na iniciativa privada é diferente, eis que o ingresso e a manutenção no emprego das pessoas depende não só da competência, mas principalmente da vontade do empregador, que pode, a seu exclusivo alvedrio, admitir ou manter a pessoa empregada. Logo, creio que seja de suma importância a publicação do nome social nos documentos oficiais, eis que poderão as pessoas trans ver retratada, em documento de identificação que deverá ser aceito por todos, a realidade que sua aparência expressa. Ontem estive com a gerente do Instituto de Identificação e Criminalística em Goiás, e ela me mostrou o projeto de lei que implanta o documento de identificação que contém o nome social, sendo que está batalhando para que Goiás seja o terceiro estado no Brasil a ter implantado esse documento. Acredito que não estamos longe disso.

Como sua decisão foi aceita na instituição policial, onde há um domínio historicamente masculino e machista?

Fui extremamente bem recebida pelos meus superiores e subordinados, que não me deixaram, em nenhum momento, sentir-me diferente ou discriminada. Não digo que a aceitação seja plena entre todos os policiais, mas no meu círculo de atribuições, que é a Delegacia da Mulher, fui recebida como um ser humano, e não como algo objeto de desprezo ou rejeição.

Seu olhar sobre o poder/autoridade da mulher na instituição policial mudou desde que se assumiu uma mulher trans?

Minha revelação e assunção não interferiu, em nenhum momento, nas relações hierárquicas que exerço na instituição. Continuo sendo delegada de polícia, e todos os servidores que me são subordinados jamais ofereceram nenhuma resistência em cumprir às minhas ordens ou determinações, como foi no histórico de minha carreira.

Como foi a aceitação no âmbito familiar/há quanto tempo assumiu?

Entre os familiares mais próximos, com quem mantenho contato constante, a aceitação foi plena e, em nenhum momento, sofri discriminação por parte deles. Minha situação foi revelada a eles no ano de 2009, quando percebi que não me era mais possível continuar suprimindo a necessidade que eu tinha de tentar ser feliz, o que, implicaria necessariamente, na mudança de sexo.

Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas desde que decidiu se identificar como mulher e há quanto tempo se apresenta como Laura?

As dificuldades foram inúmeras, mas dentre elas digo que a mais significativa foi vencer a mim mesma. Explico: a discriminação é fato, e existem tanto pessoas de índole boa, quanto pessoas de índole má. Eu, como a maioria das pessoas, sempre me preocupei em ser aceita em todos os círculos de minha convivência: na família, sendo pai, marido, filho, neto, irmão, primo, sobrinho e tio exemplar. No trabalho, sendo profissional dedicado, chefe humano e compreensivo e subordinado competente. Na sociedade, sendo uma pessoa educada, respeitadora dos direitos alheios e ciente dos meus deveres. No entanto, me assumindo como mulher transexual, sabia que a aceitação de minha pessoa deixaria de ser a mesma, e pessoas que antes me admiravam e respeitavam passariam a me desprezar e repudiar, julgando-me pela minha condição e não pela minha essência, pelas minhas atitudes. Então, minha principal barreira foi aceitar as consequências de meus atos, e me preparar para enfrentar, de cabeça erguida, todo o tipo de reação das pessoas.

Quais foram suas percepções sobre o atendimento médico a pessoas trans nas instituições tailandesas e nas brasileiras?

Quando estive na Tailândia me senti realmente bem tratada. O hospital onde fui atendida é excelente e bem equipado e o pessoal treinado para fazer com que você se sinta a vontade. Não posso dizer de outras instituições, mas aquela que me atendeu eu recomendo plenamente.

Quais são suas percepções sobre a cobertura midiática em torno da sua transformação e da posição de liderança que ocupa na Polícia Civil?

Sempre me preocupei em ter minha imagem explorada de forma negativa, mas as notícias que acompanhei me deixaram satisfeita, eis que abordaram um lado da situação realmente positivo, ou seja, a possibilidade que as pessoas têm de superar impedimentos e preconceitos. Quanto aos meus superiores, sou-lhes muito grata. Sempre me trataram como pessoa, preocupados com meu bem estar e aceitação.

Quais são suas percepções sobre o 'ser mulher'?

Para mim 'ser mulher' é 'ser eu mesma', ser livre. É a possibilidade de existir conforme me sinto, vestir conforme acho adequado a mim, expressar-me conforme realmente sou. Quando ainda não tinha realizado a transformação sempre me preocupei em parecer 'machão', em não deixar transparecer minha orientação sexual, em reprimir ao máximo meus sentimentos. Hoje me sinto liberta de todas essas amarras que eu mesma me impunha para ser aceita, o que me dá uma sensação de liberdade e leveza. Já me disseram diversas vezes que, desde a minha transição, me percebem mais leve, mais feliz.

O que você diz para outras pessoas trans que estão passando por esse processo de transformação?

Para todas as pessoas que estão passando por esse tipo de situação eu digo para serem corajosas, fortes, ponderadas e persistentes. Algumas pessoas têm a felicidade de nascer já devidamente adequadas pessoalmente, socialmente e financeiramente. Não precisam de esforços para serem bem vistas e bem aceitas pela sociedade, nem para se sentirem felizes e amadas. Outras não têm essa sorte, e precisam superar barreiras que parecem inquebráveis, precisam fazer o que parece impossível para serem felizes. Nós, transexuais, pertencemos ao segundo grupo de pessoas. Por isso digo: tenham coragem, encarando de cabeça erguida as adversidades que se apresentarem em suas vidas, porque elas inevitavelmente existirão. Sejam corajosas, tomando decisões que outras pessoas não teriam, nunca, coragem de tomar. Sejam ponderadas, cercando-se das pessoas que te fazem bem e afastando-se daquelas que te fazem mal. Sejam persistentes, eis que persistência é a única maneira de se vencer na vida. E lembrem-se sempre: viver para fazer os outros felizes pode, às vezes, significar na sua infelicidade, e se você não estiver bem e feliz, como você poderá levar o bem e a felicidade a outras pessoas? Leve sua vida sem atropelos e sem prejudicar aos próximos, que as recompensas virão certamente.

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