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Escolas Públicas não sabem lidar com superdotados

Publicado domingo, 08 de outubro de 2006 às 10:53 h | Autor: Carina Rabelo

Felix Ribeiro se expressa com a clareza de um adulto e tem uma serenidade incomum para a sua idade. Seguro, independente e determinado, o menino de apenas 11 anos impressiona colegas e professores com uma habilidade precoce para assuntos ligados ao ecossistema marinho. Telespectador assíduo do programa "Discovery Channel", o garoto sabe de cor o nome de diversas espécies de animais, minerais e vegetais do oceano e deixa de queixo caído até mesmo biólogos especializados.



No entanto, até os sete anos, quando estudava em uma escola pública, Felix não desenvolvia todo este potencial, pois os professores sequer tinham conhecimento das suas habilidades na área. Com a falta de um ensino apropriado, o menino se sentia sub-utilizado na sala de aula e batia o pé com força durante as aulas, para chamar a atenção dos professores, indicando a necessidade de tarefas diferenciadas. Felix chegava a ter um baixo rendimento em algumas matérias por não ter o estímulo adequado.



Ao perceberem o desenvolvimento notável do garoto na área de ciências, os professores encaminharam o menino à Escola Parque, a única especializada no Estado no atendimento às crianças com altas habilidades.



"Quando ele chegou aqui, era bastante tímido e tinha uma certa dificuldade de relacionamento. Ao iniciar as atividades voltadas para o desenvolvimento de suas habilidades específicas, o comportamento melhorou bastante e a busca pelo conhecimento foi ampliada. Em breve, vamos inscrevê-lo em um campeonato mundial de ecossistema marinho", comenta a coordenadora do núcleo de atividades da escola e especialista em educação especial para superdotados, Dartilene Andrade.



A Escola Parque ensina a 20 crianças com altas habilidades. Desse total, 16 vieram da rede pública. "É fundamental que os professores destas instituições de ensino sejam capacitados para detectar habilidades especiais nos jovens, para que seus talentos não sejam desperdiçados. Estes alunos precisam de um ensino que estimule as suas potencialidades", analisa o gestor da escola, Gedeam Ribeiro.



A Escola Parque oferece atendimento aos alunos da rede estadual através do Núcleo de Altas Habilidades, criado em 2003. O programa tem capacidade para 60 alunos, com idades entre nove e 16 anos. Através de encontros periódicos, de dinâmicas e grupos de estudo independentes, o núcleo trabalha a socialização de crianças e jovens com altas habilidades.



"Eu vejo muitos professores justificarem que o ensino público é considerado de baixa qualidade por causa do déficit de aprendizagem dos jovens, mas a realidade não é bem esta. Na escola pública, há muitos alunos inteligentes, interessados e com um grande potencial. O problema é que nem todos os educadores notam estes sinais", afirma a pedagoga Marilu Dantas.



Dificuldades mais comuns - Vinícius não consegue articular palavras e se concentrar. Em um minuto, ele é capaz de conversar sobre diversos assuntos ao mesmo tempo e confundir qualquer ouvinte com a pluralidade de temas. Considerado esquisito pelos colegas da escola onde estudava, ele tirava notas baixas e perdia o interesse pelas disciplinas.



"As pessoas me estranhavam porque falo rápido e tenho uma voz engraçada. Todo mundo me achava esquisito e eu não tinha paciência com as aulas", conta o menino de voz rouca e modos agitados. Apenas no ano passado, os pais de Vinícius perceberam que o garoto tinha uma habilidade excepcional para geografia e sabia de cor as capitais de todos os países do Atlas, apesar de sofrer de déficit de atenção.



Segundo o psiquiatra especialista em superdotação, Daniel Minahim, o déficit de atenção em tarefas específicas e a hiperatividade são características muito comuns entre os superdotados. "Muitos deles são desatentos, aéreos e podem demorar em responder uma pergunta. Professores e pais despreparados podem considerá-los incapazes, quando é justamente o contrário".



Outra dificuldade freqüente ocorre na área do relacionamento social. O administrador Matheus Duarte, que sempre foi o primeiro colocado da turma no colégio, enfrentou muitas barreiras para conseguir estabelecer laços afetivos com os adolescentes da sua idade. Com notas máximas em todas as matérias, o garoto apenas se preparava para as provas assistindo as aulas e raramente estudava em casa, além de falar fluentemente cinco idiomas aos 15 anos. Com poucos amigos e excluído dos grupos de jovens da mesma idade por ser considerado "esquisito", Matheus negou a própria inteligência para se adequar aos demais.



"Eu comecei a igualar o meu comportamento ao dos meus colegas para construir amizades. Freqüentava shows de bandas que não gostava, me embriagava para aturar as conversas sem conteúdo da turma e ficava irritadíssimo quando alguém me chamava de ‘Nerd’ ou CDF. Eu só queria ter amigos, mas não conseguia compartilhar dos mesmos interesses das pessoas da minha idade", conta o rapaz de 25 anos, que atualmente mora na Alemanha e cursa pós-doutorado em administração de empresas.



Segundo Minahim, os superdotados são mais sensíveis do que a maioria das pessoas às rejeições, cobranças sociais e ao sofrimento dos entes mais próximos. "Eles percebem mais rapidamente o sofrimento alheio e os conflitos dentro de casa e também ficam muito angustiados com a cobrança dos outros por serem inteligentes. A sociedade exige produtividade e resultados, mas os superdotados não estão necessariamente sintonizados com as necessidades do capitalismo".

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