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SALVADOR

Este homem estátua é mesmo uma parada

Por Zezão Castro, de A Tarde

16/02/2008 - 18:13 h | Atualizada em 16/02/2008 - 19:42

Opine: Você conhece algum personagem que rende materia?

Um dia o homem-estátua viveu momentos de aflição. Estava parado (claro) no passeio da Misericórdia, no velho Centro de Salvador, quando um casal de turistas se aproximou. Os dois começaram a comentar em língua estrangeira algo sobre o seu pétreo perfil (presume ele). Daí, ela se desgarrou do marido, aproximou-se um pouco para olhar o seu rosto prateado, mais um pouco e... estalou um beijo na boca do artista.

“Eu gelei”, comentou Dênis, apelido pelo qual é conhecido o artista de rua Adenilton Pereira Ramos, 30 anos. “Mas o marido não disse nada”, completou. Tem gente que já o incorporou à paisagem urbana de Salvador. O homem, o músculo imóvel e a caixinha para o ganha-pão. Mirar o seu ofício de longe é gastar por um tempo o pensamento: que ventos o teriam levado até ali? Teria feito curso? Oficina? Ou o mundo, velho mundo, é o seu único professor?

Ele desceu do pedestal de madeira para contar um pouco da sua vida, revelar onde se esconde à noite, de onde veio e como surgiu a curiosa idéia de ser artista popular. Tudo veio do barro na manhã de um domingo qualquer. Dia de feira na pequena São João do Panelinha, distrito de Camacan, situado à beira da BR 101. Contava 15 anos quando decidiu “se virar nos 30” para garantir o seu sustento: pintou-se de barro da cabeça aos pés e botou a cuia e a cuca pra funcionar. Parou e, no parar, fez a sua escolha profissional, distante das roças cacau.

O povo da feira assuntou a novidade e começou a comentar: “O filho de dona Nenzinha endoidou!” Ninguém sabia o que aquele adolescente, com uma escadinha de mais oito irmãos em casa, passava depois que a praga da vassoura-de-bruxa dizimou as plantações de cacau do pai, que gostava de beber, perdeu o emprego e “enfiou o pé na jaca” até ser morto a tiros na beira da BR-101. A mãe se aposentou como varredora e assistia a Dênis nesta nova empreitada.

Criança ainda, ele foi trabalhador rural, manejando o facão, seja na poda ou quebrando os frutos outrora tão abundantes. A mãe, dona Ednalva Pereira, vive da aposentadoria e não via sinais de progresso para os filhos em Panelinha. Dênis já tinha levado até picada de jaracuçu trabalhando na lavoura e queria um futuro longe das roças. Viu os fazendeiros dispensando hordas de trabalhadores e vendendo as toras para os devastadores da Mata Atlântica.

Um dia, depois de já ter virado atração da feira de Panelinha como o homem-estátua, ele foi tentar a vida em Porto Seguro, como muitos outros moradores da região cacaueira nos anos 90. Subiu num ônibus da Águia Branca e, lá chegando, em vez do mar, ou das praias, o que mais lhe impressionou foi a estátua de Cabral. Olhar altaneiro, apontando para o mar. Trabalhou na Passarela do Álcool, na balsa, em Arraial D’Ajuda, Trancoso. Mas não deu certo.

Voltou ainda à vila natal, mas o futuro, definitivamente, não era por ali. Pegou carona e caiu fora. Não queria passar fome de novo. Chegou em Bom Despacho, na Ilha de Itaparica, mas faltou grana para ele atravessar. Não teve dúvida. Preparou seu número e começou, quando funcionários da antiga Comab lhe abordaram por estar fazendo aquilo junto do ferry. “Chorei de raiva, estava todo lascado. Minha sorte foi que um locatário de Kombi me deu o dinheiro. Ao desembarcar na velha capital, o primeiro emprego que Dênis achou foi descarregar caminhão de cimento, o que lhe valeu os primeiros trocados para os momentos difíceis.

“No início, ficava no sol quente e saía sangue quente do nariz. Depois fui me acostumando e parou”, conta. Hoje em dia, o artista não tem morada fixa. Dorme em pensões de segunda nas imediações da Barroquinha e da Baixa dos Sapateiros. E, por falar em sono, ele revela que consegue adormecer em pé. Após enxugar o suor da testa, ele vira o refrigerante, retoca a purpurina e se levanta para imitar o descobridor do Brasil. O braço projeta-se no ar, como o de Castro Alves. “A manha pra fazer isso bem é não beber e não fumar”, ensina.

Todo dia ele chega por volta das 10 horas e começa. Olha se o movimento está legal junto ao Elevador Lacerda ou na fonte da Praça da Sé e começa seu número. E, assim, segue. Não raro, recebe convites para animar aniversários. Já foi atração até de camarotes durante o Carnaval. Sua mensagem está estampada no cartaz acima de sua caixinha: “Prestigie a arte estática! Colabore com o artista. O pouco com Deus é muito, o muito sem Deus é nada”.

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