SALVADOR
Exemplos de fibra na luta pelo voto
Por JORNAL A TARDE
Até chegarem à frente das urnas com direito a escolher seus representantes, as mulheres foram às ruas; na Bahia ficaram exemplos como o de Maria Luiza Bittencourt, deputada estadual na década de 30 do século passado
Márcia Gomes
O feminismo sufragista desembarcou na Bahia, em 1912, inspirado na rebeldia das ativistas inglesas, que bradavam pelas ruas e estradas exigindo o direito de voto. Esse tipo de notícia teve destaque na imprensa baiana, de 1913 a 1918, quando as inglesas finalmente conquistam o direito ao voto.
Apenas no Diário de Notícias foram publicadas 53 matérias durante o ano de 1913, e 64 em 1914, que relatavam as peripécias do feminismo britânico. Nos textos, as sufragistas são tratadas pelos conservadores como loucas, incendiárias, destruidoras da família, da propriedade e até mesmo da vida humana, um perigo para a humanidade.
Tendo iniciado seus estudos sobre mulher e política na década de 70, Ana Alice Alcântara Costa, professora do Departamento de Ciência Política da Ufba e do curso de pós-graduação do Neim (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher) debruçou-se sobre as publicações dos periódicos baianos A TARDE, Diário de Notícias, Diário da Bahia, O Democrata e O Imparcial da década de 30 para alimentar suas pesquisas de mestrado e doutorado sobre a luta de baianas sufragistas.
A representatividade feminina nas nossas bancadas de poder sempre foi muito pequena, assinala Ana Alice. No passado, ela cita a importância de Maria Luiza Bittencourt, primeira deputada estadual da Bahia, em 1934, que participou do grupo relator da Constituição Baiana de 1935.
Atualmente, dos 41 integrantes da Câmara de Vereadores de Salvador, apenas seis são mulheres: Aladilce Souza (PCdoB), Ariane Carla (PTB), Marlene Souza (sem partido), Tia Eron (PFL), Olívia Santana (PC do B) e Maria del Carmen (PT). Na Constituição baiana de 1989, Amabília criou um capítulo mais progressista, que previa a formação de dois conselhos de ética: um para fiscalizar pesquisa ligada à reprodução e o outro para fiscalizar a veiculação da imagem da mulher na mídia.
Com a conquista do direito ao voto em 1932, como parte das implementações do pacote reformista do presidente Getúlio Vargas, as brasileiras votam pela primeira vez nas eleições de 1934. Na década de 30, a mulher que pretende participar da vida pública, assumindo cargos públicos, trabalhando e votando, ainda tem como objetivo maior o bem-estar da família, pontua Ana Alice Alcântara.
Segundo pesquisa sobre as escolhas eleitorais a partir do sexo, elaborada em 1954 pelo cientista político francês Maurice du Verger, as mulheres tenderiam, naquela época, a votar em conservadores. Em 1994, Lúcia Avelar concluiu, através de estudo, que o voto feminino e masculino é definido a partir de classe social, grau de escolaridade e inserção no mercado de trabalho. De acordo com ela, a dona-de-casa estaria inclinada a votar em tradicionalistas por estar em contato com o conservadorismo mostrado na televisão e via instituições como a Igreja.
Em 2002, Ana Alice desenvolveu pesquisa de boca de urna, na qual detectou que as mulheres preferiam votar em candidatos que representassem a voz da continuidade, a esperança de uma sociedade melhor. As mulheres optam por escolher um vereador, por exemplo, que tenha atuação em seu bairro, que seja uma pessoa próxima. Dizer que as mulheres votam em candidato por ele ser bonito é balela, completa Ana Alice Alcântara.
Rastros de coragem deixados na história
A luta das mulheres pelo direito ao voto surge a reboque da luta pela abolição da escravatura nos Estados Unidos, no século XIX. Foram personagens de destaque no processo Susan Brownell Anthony e Elizabeth Cady Stanton, que, em 1851, em Seneca Falls, Estado de Nova Iorque, promoveram um encontro por esta causa. Diante das dificuldades, Susan Anthony preferiu se empenhar primeiramente na libertação dos negros norte-americanos para somente depois lutar pelo direito feminino ao voto.
Em 1870, foi aprovada a emenda constitucional nº 15, garantindo o direito ao voto aos homens de qualquer raça, cor e condição social. Só então, nova batalha seria iniciada, uma emenda pelo voto feminino, que levaria o nome de sua idealizadora, Susan Anthony.
Com a autonomia que a Constituição norte-americana delega aos estados-membros da união norte-americana, o território do Wyoming, em 1869, foi o pioneiro, quando pela primeira vez a mulher obteve o direito ao voto. Posteriormente, mais três Estados do oeste também seguiriam o exemplo e aprovaram o voto feminino.
A Nova Zelândia foi o primeiro país a conceder o direito ao voto às mulheres, em 1893, as quais tinham direitos políticos no âmbito municipal desde 1886. As australianas votaram pela primeira vez em 1902, com algumas restrições. Na Europa, o primeiro país onde as mulheres puderam votar foi a Finlândia, em 1906.
SUFFRAGETTES Na Inglaterra, no seio da esmagadora sociedade patriarcal vitoriana, as mulheres conquistaram o direito de voto em 1928. Tal conquista foi alcançada a duras penas, mas as ativistas tiveram que enfrentar prisões, condenações, greves de fome e repressão do governo com braço forte.
Quando essas guerreiras suffragettes se apresentavam em público para elevar suas vozes em protesto, a hostilidade machista era expressa por meio de insultos, agressões e ataques com ovos, frutas podres e lixo.
No período mais crítico (de 1910 a 1914), inspiradas nas táticas do movimento independentista irlandês, recorreram à ação direta, muitas vezes de iniciativa individual. As ativistas partiam janelas, cortavam fios telegráficos, enfrentavam a polícia na rua e interrompiam as sessões da Câmara dos Comuns, jogando sacos de farinha nos deputados.
A rebeldia as levou a esfaquear quadros nos museus e a detonar explosivos de fraca potência nos estádios. O ato mais impressionante foi de Emily Davison, licenciada em Oxford e militante da WSPU (Uniom Social e Política de Mulheres). Ela foi alimentada à força na prisão 49 vezes e sacrificou a vida pela causa, lançando-se à frente do cavalo do rei na famosa corrida do Derby.
Um dos instrumentos de pressão utilizados por estas mulheres foi quando criaram uma campanha de recusa ao pagamento de impostos e contra o censo de 1911. As sufragistas entendiam que, se as mulheres não eram consideradas cidadãs para votar, também não o seriam para ajudar o governo a compilar as suas estatísticas ou a sustentar as despesas públicas.
Mulheres de todas as profissões e grupos sociais aderiram ao movimento, com ações espetaculares como as peregrinações, que percorriam a pé centenas de quilômetros, unindo as regiões e as cidades, dando uma idéia física da amplitude e força da organização. O governo respondia brutalmente e, em 1913, foram presas mais de mil sufragistas.
Com o intuito de combater a parcialidade da imprensa, criaram periódicos próprios, que vendiam nas ruas. Nos julgamentos, recusavam-se a pagar multas e optavam sempre pela prisão. Para chamar a atenção do grande público, organizavam cortejos alegóricos, lançavam panfletos de um balão e passeavam nas ruas em carruagens puxadas por mulheres, como símbolo da opressão a que eram submetidas.
Na América Latina, o primeiro país que concedeu o voto às mulheres foi o Equador, em 1929. Na Argentina, só após a posse de Juan Domingo Perón, em 1946, é que teve início a campanha pelo voto das mulheres. A conquista teve como peça-chave a primeira-dama Evita Perón, que se empenhou na luta pelo sufrágio feminino, aprovado pelo Congresso em 23 de setembro de 1947. Foi a consagração de Eva Perón, que, em 26 de julho de 1949, fundou o Partido Peronista Feminino.
A idéia primordial era ter o grande contigente da mulher argentina votando nas eleições que seriam realizadas dois anos depois, com Evita concorrendo como vice-presidente na chapa do marido. Em 11 de novembro de 1951, a mulher argentina vota pela primeira vez, e o Partido Comunista tem em sua chapa uma mulher como vice. Com o apoio das mulheres, Perón é reeleito com uma diferença de mais de um milhão e oitocentos mil votos frente ao segundo colocado.
Merecem imitação
Conhecida como Lili Tosta, nasceu em 1893 no Engenho Capivary, em Muritiba, Comarca de Cachoeira, filha de Joaquim Ignácio Tosta e Maria Amélia Teixeira Tosta. A primeira infância de Lili é vivida no Rio de Janeiro, então capital federal. Em 1911, a família segue para Londres, onde seu pai assume o posto de Delegado do Tesouro do Brasil.
Em Londres, Lili teve uma educação liberal, freqüentando colégios mistos, convivendo com estudantes de várias áreas do pensamento, uma possibilidade impensável para a maioria das mulheres da elite baiana daquele momento. Esse período de permanência e formação educacional na Inglaterra coincide exatamente com o auge do movimento sufragista inglês. Esta vivência será determinante em sua vida.
Ao retornar para o Brasil em 1920, depois de permanecer nove anos na Europa, Lili se depara com uma Bahia conservadora e com fortes tradições patriarcais. Durante dois anos, lutou para se acostumar à submissão feminina baiana.
A partir de 1922, Lili Tosta começou a publicar artigos sobre o feminismo em jornais baianos. Em 1931, com o aumento da agitação feminista, sua produção militante adquiriu maior força, colaborando nos jornais Diário da Bahia, O Imparcial, Diário de Notícias e A TARDE.
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