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SALVADOR

Hotel vai mudar cenário no Sodré

Por JORNAL A TARDE

29/03/2006 - 0:00 h

Quinze famílias moradoras de vila pertencente à Arquidiocese de Salvador temem ter que deixar o local



MARY WEINSTEIN




Salvador vai acolher mais um hotel de luxo. Desta vez, será no lugar de cinco casarões das ruas Areal de Cima e Visconde de Mauá, nos arredores do Largo Dois de Julho e Rua do Sodré. Os turistas que se hospedarem nos 40 apartamentos deste novo empreendimento terão vista de 180 graus da disputada Baía de Todos os Santos.



Embora nem de longe represente concorrência para o Capri, o Diplomata e o Clock, que há anos têm clientes na área, o hotel do grupo Txai (já instalado em Itacaré, no sul do Estado) vem sendo recepcionado como uma ameaça por moradores de uma vila pertencente à Arquidiocese de Salvador.



O grupo de 13 casas, de, no máximo, 50 metros quadrados cada, na Travessa Aquino Gaspar, colado aos terrenos comprados pelo hotel, compõe a vila que era parte de um seminário de padres há quase um século. Hoje, é o endereço de 15 famílias. A vila fica ao lado do Convento de Santa Tereza, que, junto com o seu entorno, é reconhecido pela Unesco como Patrimônio da Humanidade e, por isso, impõe restrições construtivas.



As edificações por ali não podem ter suas fachadas alteradas, para que as características arquitetônicas sejam mantidas. Nesse trecho, próximo às ladeiras do Sodré, Preguiça e Conceição, é que os moradores estão apreensivos, porque foram notificados pela Arquidiocese para que paguem os aluguéis ou deixem o lugar mediante indenizações que consideram irrisórias.



“Pelo que a gente sabe, agora é o hotel que vai botar a gente para fora. Eles vão derrubar as casas por dentro para fazer butiques ou apartamentos, conservando a fachada, já que a área é tombada”, disse o músico Nilton Bastos Filho, apontando os buracos abertos recentemente nas paredes dos imóveis desocupados, criando um acesso para o terreno do empreendimento.



Assim como Nilton, vários vizinhos acreditam que a vila já tenha sido vendida aos empresários paulistas, donos do Hotel Txai, e que a retirada deles seria “uma questão de tempo”. Os imóveis seriam agregados ao terreno do hotel.

 

OBJETIVO – O administrador da Arquidiocese de Salvador, monsenhor Ademar Dantas, não hesita ao defender a posição da Igreja e, inicialmente, não assume a realização da venda.



“Em uma hora como essa, a insegurança provoca essas reações. Eles (ocupantes das casas) estão acomodados ali há muito tempo. Botar para fora não é nosso objetivo, mas você tem que ver que acima da pessoa há uma instituição, há um contrato comercial. A Igreja não pode deixar de se responsabilizar, até por uma questão histórica.



Essas casas são fruto do trabalho dos nossos antepassados”, disse monsenhor Ademar, sem saber explicar o surgimento dos buracos nas paredes dos fundos das casas desocupadas. Ele também não vincula a construção do hotel à vontade da Arquidiocese em “regularizar a situação dos imóveis”.



“Sabemos que o governo tem um projeto para recuperar o Dois de Julho. Sobre o hotel, eu não sei. O que a Diocese quer é administrar o seu patrimônio. A Arquidiocese fez uma notificação pedindo que as pessoas apresentassem uma proposta como a lei manda, no final do ano passado. A Igreja requalificaria as casas e tornaria a alugar”, informou.



“Mandamos a notificação judicial, dando oportunidade aos inquilinos, ocupantes, invasores ou pessoas que sublocaram de pagar o aluguel ou comprar. A propriedade é nossa, da Cúria. Cinco desses ocupantes se manifestaram. Outros não se manifestaram em tempo e nós estamos aguardando. A Arquidiocese está oferecendo, no máximo, R$ 20 mil e, no mínimo, R$ 10 mil aos moradores”, disse o monsenhor.



Em uma segunda conversa por telefone, ontem pela manhã, o monsenhor declarou que foi procurado, sim, por uma empresa representante do hotel e esclareceu que não houve negócio, porque, primeiro, a Arquidiocese precisa recuperar a posse das casas. Ele disse que não pode vender por falta de documentação.



Mário Moraes, diretor-presidente da RFM Empreendimentos, responsável pela obra de construção do hotel, diz desconhecer a compra da vila e indicou para prestar informações o proprietário do Hotel Txai, Renato Guedes, que foi procurado pela equipe de reportagem.



Mas quem falou sobre o empreendimento foi o seu representante em Salvador, o empresário baiano Armando Corrêa Ribeiro. Ele afirma já ter comprado três casas na vila – duas da Arquidiocese e outra de um proprietário particular. Os empresários paulistas repassaram R$ 5 mil, destinados à indenização paga pela Arquidiocese a cada um dos dois proprietários, segundo informou Armando Corrêa Ribeiro. O empresário garante que não pretende repetir a história do Pelourinho, cujos moradores foram substituídos por empreendedores.



Famílias estão apreensivas e inconformadas com a situação



“Moro aqui há 30 anos. Acho que a Igreja não podia ser mercenária”, disse Nilton Bastos Filho, informando que três famílias já deixaram suas antigas moradias. “Eles indenizaram as pessoas com R$ 4 mil ou R$ 5 mil. Eu não posso acreditar que a Igreja esteja fazendo isso”, indignou-se. Nilton é neto do poeta Eupídio Bastos e filho de Nilton Bastos, que foi diretor do Hospital Manoel Vitorino por quase duas décadas. Aos 81 anos, o médico conta histórias sobre o lugar onde veio morar em 1957.



“Tudo que a Igreja tem é doado. Como é que ela vai vender o que ganhou?”, reage Clóvis Alves, pai de dois filhos, desempregado, morador da vila desde criança. “A Arquidiocese não faz parte do Movimento dos Sem-Terra?”, perguntou a mulher dele, Roberta Santana, 31 anos, também desempregada. “Onde é que a gente vai achar um lugar por R$ 4 mil?”, questiona.



A vizinha Antônia Maria Ramos Vieira conta que sua avó morava na casa, que foi deixada para a sua mãe, que, por sua vez, a repassou para ela. “Vivo aqui desde que nasci”, disse Antônia. “Eles querem fazer como o Pelourinho”, acrescentou, referindo-se à sistemática de substituir antigos moradores por novos empreendedores.



Arquidiocese alega dificuldades



“Nós passamos por muitas dificuldades de manutenção. Temos mais de 60 seminaristas mantidos, tem as obras sociais, trabalho com o menor, com a juventude. É uma despesa alta. Parte é paga por convênios, parcerias, mas o pesado mesmo é pago pela Arquidiocese, que se sustenta com a contribuição do dízimo e dos aluguéis”, revela o monsenhor Ademar, para justificar a notificação dos ocupantes das casas da Rua Aquino Gaspar, no Sodré.



“Essas casas eram um patrimônio para manter o seminário, que saiu dali há muitos anos. As casas ficaram alugadas e, com o passar do tempo, foram desqualificadas, invadidas. Creio que essas casas não foram todas fruto de doação. A área era da Capela do Convento de Santa Tereza, que era das Carmelitas.



Com a saída das Irmãs, o prédio passou para a Arquidiocese, há 200 anos. E aí passou a ser o Seminário Santa Tereza, para formação de padres que vieram do São Dâmaso (recentemente restaurado pelo Programa Monumenta)”, historiou o monsenhor Ademar, afirmando que o número de imóveis da Igreja destinados a alugar não chega a 50.



O monsenhor explicou que os quase R$ 10 milhões, cobrados na venda da Casa Cardinalícia à Construtora Odebrecht, para construção do Edifício Morada dos Cardeais, no Campo Grande, estão sendo empregados para fazer um fundo de sustentação. “Nós fizemos a reforma da Cúria, da administração, e estamos reformando o seminário na Federação, e estamos reformando o novo Centro Vocacional Dom Lucas Moreira Neves, no Garcia, finalizou o monsenhor.



Revitalização da área



Luciano Santos, 32 anos, estudante, criado na Ladeira do Sodré, acha que o sofisticado hotel vai contrastar com a situação da área em que nasceu, mas que “daria uma melhorada”.



Francisco Portugal, diretor do Museu de Arte Sacra, que funciona no Convento de Santa Tereza, na Rua do Sodré, acha “louvável”, se o projeto for implantado de acordo com as recomendações e os critérios estabelecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Se for à revelia, aí complica. Porque é área tombada. Toda a cidade estará atenta a isso”.



O projeto está sendo avaliado pelo Iphan. “Ainda não foi aprovado. Estamos aguardando o material solicitado. A área está bastante deteriorada, e eles (hotel) estão tendo cuidado para que não gere impacto visual”, disse o superintendente do Iphan na Bahia, Eugênio de Ávila Lins.



“O Iphan está sendo supersolícito. O arquiteto é David Bastos. Tem também Marcelo Montoro, em São Paulo. A gente procurou um pouco de história, sabemos que a Lina Bo Bardi recuperou algumas partes de Salvador”, disse o engenheiro da RFM Empreendimentos, Márcio Moraes.



“O lugar é bonito, fica no Centro Histórico. É uma região que interessa por causa da sua característica cultural. A questão não é a valorização da área e sim que é uma região degradada. Você precisa recuperar a capacidade de empregos. O que a gente quer conseguir é respeitar o patrimônio histórico, porque é aquilo que atrai o turista. Ele está indo para lá para ver isso. disse o engenheiro.

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